Matt Ridley escreveu um livro sobre as origens da virtude no ser
humano. O livro é uma grande discussão filosófica recheada de exemplos
práticos.
Por outro lado, Martin Nowak e parceiros estudaram a cooperação através
de simulações computacionais. A ideia é fazer simulação social, ou seja,
avaliar o comportamento de pessoas (principalmente multidões) através de
modelos computacionais.
A cooperação pode ser entendida como a ajuda de pessoas a pessoas.
Podemos ver isto no contexto de uma equipe de trabalho ou esporte, dentro de
uma família, no contexto de uma empresa toda e certamente na sociedade (cidade,
país ou planeta).
Nowak utilizaram jogos como o Dilema do Prisioneiro, a Tragédia dos Comuns,
o jogo do Ditador, etc. Estes jogos consistem em simular rodadas de interações
entre pares de pessoas. As pessoas são representadas por agentes computacionais
que assumem comportamentos programados.
No caso, 2 comportamentos foram estudados: os cooperadores e os
desertores.
Os cooperadores podem ser vistos como aquelas pessoas que ajudam
outros, que compartilham informações, que fazem o bem, que atuam ou participam como
voluntários em eventos ou promoções beneficentes. Já os desertores seriam os
que possuem comportamento contrário.
Nowak começou com uma distribuição aleatória de cooperadores e desertores.
Assim como a evolução dos seres vivos, novas gerações surgem, geralmente
repetindo o comportamento de seus pais. Mutações aleatórias são forçadas para
modificar o comportamento, simulando alterações de comportamento de pai para
filho.
No primeiro experimento, em poucas gerações, todos estavam desertando,
ou seja, os desertores dominaram o mundo (ou a sociedade em questão).
Outro experimento foi feito, onde todos começavam cooperando e a partir
daí copiavam o comportamento de seu par (ou oponente no jogo). Ou seja, cada
indivíduo escolhe cooperar na sua primeira decisão. Se seu par no jogo cooperar
também, o indivíduo segue cooperando na próxima decisão. Se o par não cooperar,
então o indivíduo muda seu comportamento para também não cooperar. É o chamado
tit-for-tat (olho por olho), que já aparecia nas antigas leis da sociedade (ver
Código de Hamurabi e Levítico, o livro de leis dos Judeus). O resultado foi que
houve um rápido domínio de cooperadores (isto quando o início é por cooperar e
depois ocorre a imitação ou olho por olho).
Esta é a reciprocidade direta (1). Ou seja, o famoso “eu te coço, tu me
coça” que existe inclusive entre os macacos. Mas que também pode servir para o
mau (“se tu me bater, eu te bato também”, que os humanos parecem já trazer como
instinto, pelo comportamento dos bebês em creches).
Segundo Nowak, há 5 formas de os
cooperadores prevalecerem no grupo. E a reciprocidade direta é a 1ª.
Naquele experimento de Nowak, depois de 20 gerações, surgiu por mutação
(um tipo de evolução natural) uma nova estratégia: cooperar em alguns casos
onde o outro desertou (este é o surgimento do perdão como fator evolucionário).
Esta estratégia é bem entendida como fator de sobrevivência para a raça humana.
Imagina se o olho por olho ficasse para sempre; não haveria mais humanidade.
Por isto é que judeus e árabes continuam a brigar, porque em algum momento há
perdão e mudança da estratégia.
Outra estratégia de cooperação é a seleção espacial (2). Ela acontece
quando um vizinho coopera com outro vizinho, formando grupos que prevalecem
sobre desertores. A vizinhança pode ser por espaço, região geográfica ou por
perfil de interesses.
Há também a seleção de parentesco (kin selection) (3), que ocorre
quando um parente ajuda outra (como o amor fraternal ou de uma mãe por seu
filho).
A 4ª estratégia é a reciprocidade indireta (4): “se eu coçar alguém
hoje, amanhã um outro vai me coçar”.
Nos seres vivos, um indivíduo ajuda outro pela sua reputação (se ele já
ajudou outros antes). Por isto, é importante a formação da reputação (falaremos
disto depois).
A 5ª estratégia é a seleção de grupo (5): um grupo de cooperadores
tende a prevalecer sobre grupos de desertores.
Axelrod também fez simulações computacionais e concluiu que os custos
de não cooperar são maiores que custos da cooperação e que um grupo só de
trapaceiros não sobrevive. Segundo ele, o ser humano deve combinar 4 fatores:
1. Bondade: evita problemas desnecessários;
2. Retaliação: desencoraja deserção dos outros;
3. Perdão: retoma estado inicial de cooperação;
4. Clareza: para o outro entender nossa posição.
As 5 formas de cooperação existem em outros animais ? Sim.
O que nos faz diferentes ? Temos mais facilidade para avaliar a reputação,
especialmente devido à linguagem.
Segundo Robin Dunbar, este foi o fator que fez nosso cérebro maior: a
necessidade de controlar um grupo social maior (mais indivíduos interagindo).
A troca de informações entre pessoas sobre terceiros é também chamada
de fofoca. A fofoca é um fator “pró-social”, pois ajuda a controlar a reputação.
É barata e eficiente (segundo Feinberg e outros) e não requer habilidades
(segundo Foster). E pode ter sido causa para o desenvolvimento da linguagem. A
fofoca também é um instrumento de “ressonância”, para que está chegando conhecer
o grupo (segundo Ellwardt). Entretanto, conforme Foster, fofoca demais torna a reputação negativa e
marginaliza o indivíduo.
A comunicação pode ter sido um fator de seleção natural, ajudando na
adaptação a novos ambientes, através da troca de experiências e dicas pela
cooperação entre pessoas.
E reputação ajuda também as empresas. Veja a importância que as
empresas estão dando para análise de sentimentos na web, ou seja, analisar o
que estão falando dela e seus produtos/serviços principalmente nas redes
sociais.
Sobre a punição, os estudos de Boyd e parceiros concluíram que ela deve
existir, senão a estratégia não funciona. E isto mesmo tendo custo para quem
pune e talvez até mais custo que benefícios (ex.: prisões). O medo de desertar depende
da probabilidade de ser descoberto e não somente no tamanho da transgressão
(culpa é maior quando se torna pública, segundo Wright). O Código de Hamurabi
(escrito na Babilônia em 1.700 a.C.), já valorizava a cooperação e punia o egoísmo.
Em alguns casos, a raiva é motivação a mais para punir quem não coopera (segundo
Fehr e Gachter)
Segundo Boyd (em jogos com mais jogadores), a cooperação recíproca
evolui quando pune também os que não punem (estratégia moralista). A falta de
punição diminui a cooperação. Em grupos onde punidores são comuns, desertores
são excluídos.
Em relação à cooperação como forma de eliminar a tragédia dos comuns, Nowak
cita o experimento de Manfred Milinski utilizando um jogo onde pessoas recebem
dinheiro e devem doar parte para salvar o planeta. Frequentemente acontecia de
o grupo falhar em salvar o planeta mas havia altruísmo (através das doações). Observadores
concluíram que, quando pessoas recebem informações sobre resultados (por
exemplo, importância em ajudar para salvar planeta), elas tendem a cooperar
mais. A conclusão é que pessoas precisam ser convencidas dos problemas para
fazer sacrifícios para o bem comum.
E também: pessoas são mais generosas quando suas ações são públicas (e
não anônimas).
E daí mais uma vez a importância da reputação.
Hoje em dia podemos ver que as pessoas estão mais preocupadas com a
reputação, porque há câmeras espalhadas, porque nossas ideias publicadas em
redes sociais e blogs são lidas (e criticadas) por mais pessoas. Há quem seja
contra tantas críticas e discussões nas redes sociais. Mas elas possuem valor
como instrumento para manter a reputação e punir desertores modernos. E daí
também a importância das redes sociais, sites de reclamações, opiniões e
avalições de empresas, produtos e serviços, porque ajudam a criar e manter
reputações. É claro que devemos excluir os chatos que reclamam ou criticam por
motivos egoístas (como forma de liberar sua própria energia ou para fazer fama
no grupo).
Nowak acredita que há ciclos (altos e baixos) de cooperação e deserção
na história da humanidade. Só não sabe em que ponto estamos.
Referências:
AXELROD, Robert. The
Evolution of Cooperation (revised edition). Basic books, 2006.
BOYD, Robert; GINTIS,
Herbert; BOWLES, Samuel; RICHERSON, Peter J. The evolution of altruistic punishment. Proceedings
of the National Academy of Sciences of the United States of America, v.100,
n.6, 2003, p.3531-3535.
ELLWARDT, Lea. Gossip
in Organizations: A Social Network Study. Ridderprint, 2011.
FEHR, Ernst; GACHTER,
Simon. Altruistic punishment in humans. Nature, n.415, Janeiro 2002, p.137-140.
FEINBERG, Matthew; WILLER,
Robb; STELLAR, Jennifer; KELTNER, Dacher. The Virtues of
Gossip: Reputational
Information Sharing as Prosocial Behavior. Journal of Personality and Social
Psychology, Vol. 102, No. 5, 2012, p.1015–1030.
FOSTER, Eric K.
Research on Gossip: Taxonomy, Methods, and Future Directions. Review of General
Psychology, v.8, n.2, 2004, p.78–99.
NOWAK, Martin A. Why
we help. Scientific American, Julho 2012, p.34-39.
NOWAK, Martin A. Five
rules for the evolution of cooperation. Science, v.314, Dezembro 2006,
p.1560-1563.
NOWAK, Martin A.
Evolutionary dynamics - exploring the equations of life. Harvard University
Press, 2006.
WRIGHT, Robert. The
moral animal - why we are the way we are: the new Science of evolutionary
psychology. Vintage, 1995.
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