Colonização X exploração – os nossos pioneiros
Como já discutimos antes, o império
romano conquistava os novos territórios para não impunha sua cultura (somente
algumas leis e regras tributárias); assimilavam a cultura dos povos
conquistados e deixavam bem-feitorias por onde passavam (estradas, aquedutos,
monumentos, banhos públicos, técnicas de construção, etc.).
Conforme Souza (2012), a razão do predomínio comercial da Alemanha na Europa medieval consistia “no fato de não procurar dominar
politicamente os países bálticos, mas favorecê- los, através do alargamento do
comércio e incremento da economia dessa imensa região. Para tal, além de
compradores em larga escala dos produtos nacionais, promoviam a venda dos
mesmos nos mercados internacionais.”
Por outro lado, em muitos outros
casos, os colonizadores destruíam os territórios, como invasores bárbaros e
vândalos na Europa Medieval, levando tudo o que podiam e sem deixar nem mesmo
algum traço cultural que pudesse ser aproveitado.
Como já discutimos antes, alguns
colonizadores antigos, como a Inglaterra, apesar de deixar obras de
infraestrutura, também regulavam a economia conquistada, limitando o
crescimento dos colonizados. Isto foi uma das causas que impediu os países do
hemisfério sul de se desenvolverem.
Segundo Frieden, em geral, os colonos
cultivavam produtos que os nativos não queriam produzir. Mas se opunham à inclusão
dos habitantes locais no sistema colonial, impedindo uma integração econômica
internacional ampla e o desenvolvimento econômico em geral da colônia. Como já
discutido antes, mesmo o governo colonizador restringia as atividades econômicas
das colônias; dirigiam o mercado local forçando as colônias a produzirem produtos
escolhidos e determinando as relações de comércio exterior das colônias. A
estratégia era permitir os pioneiros a empreenderem mas sempre sob controle
centralizado, reforçando a dependência da colônia. Em parte, isto pode ter sido
causa para fracassos de colonização na América Central e do Sul, África, Ásia e
Oceania.
Mas há também casos de sucesso,
como nos EUA e na Austrália. Nestes dois países, os colonizadores foram
pioneiros e fundaram um novo país. No Brasil, pelo contrário, fomos colonizados
por exploradores, que extraíram o que podiam e só formaram uma extensão de
Portugal. Até mesmo povos invasores, como os holandeses, deixaram mais
bem-feitorias e desenvolvimento que os portugueses. Nossos pioneiros queriam
enriquecer depressa, para voltar à Europa, sem cultivar as lavouras para
perpetuar a exploração do solo, sem deixar infraestrutura para os que ficavam
(Faoro).
Segundo Frieden, as colonizações dos europeus foram
caracterizadas por migrações em massa para áreas pouco habitadas, como os
pampas argentinos e as pradarias canadenses, onde normalmente os
imigrantes e seus descendentes eram praticamente toda a
população local. Os colonizadores atuavam onde não havia ninguém. Então não
escravizavam nem roubavam; ali criavam suas cidades e seus próprios recursos.
Segundo Landes, muitos colonizadores, como o caso
dos americanos, inventaram o que precisavam, pois não podiam depender do
governo colonizador. Esta pode ser a origem do espírito empreendedor na América
do Norte, ao contrário da falta em outras colônias.
Esta busca por empreendedorismo e liberdade pode
ter sido decisivo na independência de algumas colônias. Landes afirma que a
força das sociedades civis pode ter acelerado o processo de independência no
Norte (onde a separação da colônia aconteceu primeiro), enquanto que no Sul
esta força faltava devido à acomodação civil, mesmo onde não havia ditadores. E
Landes complementa dizendo que, a principal instituição civil, a Igreja
Católica, estava interessada em manter seu staus
quo, proprietária de terras e riquezas. No caso da América Latina, Landes
acredita que a independência veio menos por questões ideológicos ou políticas e
mais pela fraqueza e insucesso econômico de Espanha e Portugal.
- O Caso do Brasil
Vamos começar apresentando a
comparação feita por Moog (2011) entre os colonizadores norte-americanos e os
portugueses no Brasil. Os primeiros eram realmente colonizadores, pois chegaram
à América para ficar e criar um novo país. Vieram em busca de terras, já que na
Europa não havia lugar para eles plantarem. Não pensavam em regressar e o
objetivo era criar vilas e cidades. Já os primeiros portugueses que aqui
chegaram, eram conquistadores e vieram por cobiça (verdadeiros saqueadores). O
objetivo era extrair o que pudessem e levar para Portugal e Europa (“conquista
para despovoar”, como define Moog). Os poucos que ficavam, era porque não havia
outra opção. Eduardo Bueno (2006) retrata bem os nossos pioneiros como náufragos,
traficantes e degredados. Ficavam porque conseguiam algum tipo de privilégio
junto aos indígenas. Darcy Ribeiro (1995) chama de “cunhadismo”, o fenômeno de
estes pioneiros casarem com índias, passarem a fazer parte da tribo, inclusive
ajudando a comandar, e levando para dentro da tribo os seus familiares.
Outra diferença entre a colonização
na América do Norte e na do Sul é que por aqui havia muito mais miscigenação.
Lá, os ingleses não casavam com índios. Segundo Karnal et al. (2007), o “universo inglês, mesmo quando eventualmente
favorável à figura do índio, jamais promoveu um projeto de integração. O índio
permaneceu um estranho – aliado ou inimigo –, mas sempre estranho”. A
estratégia de colonização norte-americana era que viessem famílias (mulheres e
filhos), para que os homens quisessem estabelecer raízes e não mais voltar,
como conta Michael Rank (2015) no episódio do povo Roanoke.
Já os portugueses que aqui chegaram estavam acostumados com
cruzamentos, até porque foram invadidos e ocupados por mouros durante 800 anos
(Moog, 2011). Landes acredita que um certo racismo inglês (por
causa do protestantismo) evitou a miscigenação racional, enquanto que as
colônias espanholas e portuguesas (católicas) tinham uma mente mais aberta ao
cruzamento inter-racial. Segundo Le Roux (2009), a miscigenação pode ser
a origem da união na América Latina. Entretanto, nos EUA, a homogeneidade do
povo manteve a união com a qual já chegaram.
Outra questão é que os
colonizadores ingleses na América, assim como na Austrália, encaravam o
trabalho como algo natural, inclusive assumindo a mulher como companheira de
trabalho. Por isto, criam diversas inovações com o pouco que tinham na nova
terra. Já os nossos pioneiros viam o trabalho como punição e consideravam que
trabalhar era para escravos. Vinham sem as esposas para extravasar sua
liberdade e hedonismo (Moog, 2011). Segundo Faoro: “o inglês trouxe a sua mulher para a colônia, ao contrário do português,
que a esqueceu, preocupado com a missão de guerra e de conquista, adequada ao
homem solteiro. Mulher sem o cuidado do ócio, para a qual o escravo supria os
trabalhos domésticos, devotada ao cultivo, à colheita, às tarefas industriais
domésticas, ao trato com empregados”.
Mais tarde, os imigrantes não
descendentes de portugueses que chegaram no Brasil depois vieram com o mesmo
espírito que os colonizadores norte-americanos, como discutiremos no próximo
capítulo.
Tabela 10: Resumo comparativo entre Colonizador
Norte-Americano X Brasileiro (baseado em Moog, 2011)
Colonizador
americano
|
Colonizador
do Brasil
|
Colonizador
Homem da
Reforma
Vida é
dever
Mulher é
companheira de trabalho
Não se
miscigena com índios (Ingleses) Alguns Franceses no Canadá aceitam casar com
índios
Pouca
miscigenação de brancos com escuros na Inglaterra
Vieram em
busca de terras para viver
Não
pensavam em regressar
Conquista
terra para criar vilas e cidades
Trabalho é
uma dádiva de Deus
Vêm
autodeterminados a formar grupo civil e político (antevisão da independência)
Povo mais
alfabetizado
Americano
se diz deste o início “americano” (por escolha e com orgulho)
Trabalha,
inventa, se adapta
Mantém o
passado que deu certo e destrói o que não deu para fazer melhor
|
Conquistador
Homem da
Renascença, anterior à Reforma
Vida é
direito
Mulher é
um objeto de presa
Casa e tem
filhos com índios e negros
Portugueses acostumados com miscigenação pois foram
invadidos e ocupados pelo mouros durante 800 anos
Vieram por
cobiça (terra e riquezas)
Pensavam
em voltar
Conquista
terra para despovoar
Trabalho é
punição
Vêm sem
pretensões públicas ou políticas
(dependência
da colônia)
Primeiros
que nasceram aqui não queriam parecer brasileiros (os mazombos).
Viajavam a
Portugal para apagar origem
Brasil era
para extravasar sua liberdade e hedonismo
|
O colonizador inglês na América se diz deste o início
“americano” (por escolha e com orgulho). Já os primeiros que nasceram aqui no
Brasil (chamados de “mazombos”) não queriam parecer brasileiros (até porque
este termo estava associado ao trabalho com pau-brasil). Viajavam a Portugal
para apagar a origem, careciam de iniciativa ou inventividade, tinham descaso
por tudo que não fosse fortuna rápida, tinham falta de ideal coletivo e falta
de crença na possibilidade de aperfeiçoamento moral do homem, apesar de
idolatrarem os franceses (talvez somente a parte materialista). Segundo Moog,
os mazombos eram tristes, imorais, indiferentes, derrotados e com má vontade.
Baseavam-se no privilégio, contra a igualdade social ou política, para
conseguirem os benefícios. Queria ganhar no jogo, na aventura, sem trabalhar
(comércio era para portugueses e trabalho para escravos). Daí talvez seja a
origem do nosso famoso “jeitinho brasileiro”. Os próprios portugueses
consideravam os mazombos inferiores.
Talvez nossos heróis folclóricos Caramuru e Macunaíma sejam
os melhores representantes do Brasil desta época: heróis malandros e
preguiçosos, ganhavam sem trabalhar, só enganando os outros.
Conforme Faoro, “o inglês fundou na América uma pátria; o
Português, um prolongamento do Estado”. Os colonos ingleses formaram sua
própria organização política e administrativa, longe do paradigma feudal de
onde vieram. “Não os contaminou a
presença vigilante, desconfiada e escrutadora, do funcionário reinol: por sua
conta, guardadas as tradições de selfgovernment e de respeito às liberdades
públicas, construíram as próprias instituições” (Faoro). Os colonos ingleses
estavam acostumados ao duro trabalho agrícola (tanto homens quanto mulheres),
sem o desdém aristocrático; agarraram-se à liberdade e ao empreendedorismo sem
o ”paternal guarda-chuva real”
(expressão de Faoro).
Segundo Karnal et al. (2007), os
primeiros colonos norte-americanos também tentaram algo como nossas capitanias
hereditárias. Assim como o Brasil, os ataques indígenas aos colonizadores, a
fome e as doenças minaram a motivação inicial. A segunda tentativa inglesa de
colonização da América do Norte foi licenciando companhias particulares para a
colonização. Talvez esta tenha sido a primeira privatização na América. Nossas
capitanias hereditárias, ao contrário, estavam sob responsabilidade de nobres,
pouco acostumados ao trabalho, à administração e ao empreendedorismo. Nos EUA,
eram empresas capitalistas. Como define Karnal et al., uma colonização de
empresa e não de Estado. É claro que no
primeiro momento havia o monopólio de certas atividades em favor destas
companhias. Entretanto, a iniciativa não deu certo, tendo sido revogadas as licenças
destas companhias principalmente pelas altas dívidas.
A terceira tentativa era exportar colonos da Inglaterra para
o novo mundo, uma maneira de a colônia se desfazer de quem não gostava e povoar
a nova terra para manter a conquista. Segundo Karnal et al. (2007), é incorreto
afirmar que para a América do Norte vieram somente colonos seletos, altamente
instruídos e com capital abundante. A viagem não era fácil, sendo mesmo
comparada ao tráfico de escravos. Muitos não tinham como pagar a passagem e aceitavam
a servidão temporária, até zerar o débito com quem lhes tivesse emprestado
dinheiro para a viagem. Lá no Norte também houve muitas rebeliões, de colonos
reivindicando melhores condições de vida.
Parte dos imigrantes ingleses na América veio pela liberdade
religiosa aqui disponível. Segundo Karnal et al. (2007), houve muita
perseguição religiosa na Inglaterra nos séculos XVI e XVII. Alguns mesmo
acreditavam que a América seria uma nova Canaã, para um grupo escolhido por
Deus para criar uma sociedade dos eleitos. Outros vieram procurando um lugar
onde as leis fossem mais justas e iguais. Segundo Karnal et al., a “ideia de povo eleito e especial diante do mundo
é uma das marcas mais fortes na constituição da cultura dos Estados Unidos.”
Talvez uma das causas para nossa
colonização não ter dado certo é porque só havia extrativismo. Os Bandeirantes
entravam e extraiam, mas não ficavam. Os pioneiros norte-americanos colonizaram
a terra, criando infraestrutura e assumindo o país como sua nova nação. Esta é
a diferença da ocupação do oeste do Brasil em relação ao oeste americano e
Austrália. O oeste brasileiro só foi realmente povoado com a criação de
Brasília.
O resumo de Moog nesta comparação é este: a colonização nos
EUA tem sentido espiritual, orgânico e construtivo; no Brasil, o sentido é
predatório, extrativista e secundariamente religioso. É por isto que as casas
dos americanos possuem porões com oficinas e laboratórios, enquanto a casa
grande no Brasil estava sempre lotada de escravos.
Laurentino Gomes (2014) coloca mais lenha na fogueira: “A riqueza de Portugal era resultado do
dinheiro fácil, como os ganhos de herança, cassinos e loterias, que não exigem
sacrifício, esforço de criatividade e inovação, nem investimento de longo prazo
em educação e criação de leis e instituições duradouras. Numa época em que a
Revolução Industrial britânica começava a redefinir as relações econômicas e o
futuro das nações, os portugueses ainda estavam presos ao sistema extrativista
e mercantilista, sobre o qual tinham construído sua efêmera prosperidade três
séculos antes. Baseava-se na exploração pura e simples das colônias, sem que
nelas fosse necessário investir em infraestrutura, educação ou melhoria de
qualquer espécie. ‘Era uma riqueza que não gerava riqueza’, escreveu a
historiadora Lilia Schwarcz.”
A colonização foi obra do Estado, sem participação de
empreendedores. Os poucos comerciantes do início da colonização, como Fernando
de Noronha (conforme Eduardo Bueno), tinham privilégios acima dos demais. E
evitavam à coroa ter que dispender esforços (bastava pagar as comissões).
Conforme Faoro, mesmo a produção de açúcar não era tão importante quanto o
pau-brasil, pois aquela exigia mais esforço que esta. Também não houve feudalismo
(nem mesmo com as capitanias), porque não havia sobreposição de camadas sociais
e tudo pertencia ao governo, sem liberdades aos pioneiros que queriam
livremente empreender.
Faoro ainda complementa dizendo que, mesmo com a passagem da
economia de escambo para a de produção, há escassez de gêneros de consumo porque
os nossos pioneiros queriam enriquecer depressa, para voltar ao reino, sem
cultivar as lavouras para perpetuar a exploração do solo. Fábricas, oficinas,
exploração agrícola ou mineira, as principais atividades econômicas aqui estão
nas mãos de empresas estrangeiras. Estes sim enriquecem com o empreendedorismo.
Nossos pioneiros preferem formar um reino de aristocratas ociosos do que ser uma
democracia próspera de trabalhadores.
Uma dúvida que se coloca aqui é como esta raiz tão distante
na nossa ascendência ainda hoje se faz presente no nosso Brasil. A princípio,
não deveria haver determinismo, pois esta cultura, como já diz a palavra, foi
aprendida e não está no nosso DNA (como discute David Shenk). Por ser cultura,
aprendizado, podemos modificar tal comportamento e atitudes. Ainda mais que
tivemos inúmeros imigrantes, muito miscigenação de raças e culturas, e também muito
tempo para aprender com outras culturas novas formas de agir e assim modificar
nosso destino.