A História do Brasil está
intimamente relacionada ao domínio da Igreja Católica. A Igreja Católica
historicamente foi contra inovações. Foi ela que fez a Inquisição na Europa,
indo contra o conhecimento científico. A Inquisição dominava Portugal e Espanha
e só acabaria nestes países respectivamente em 1821 e 1826, quando a Revolução Industrial
já estava a pleno vapor. Conforme Landes (1998), em 1558, a pena de morte foi
instituída para quem importasse livros estrangeiros sem permissão. Livros foram
taxados de perigosos. Para Eduardo Bueno (2006), “a reforma luterana estava toda ligada à leitura – da Bíblia e dos
panfletos de Lutero. E na contra-reforma, articulada no Vaticano, mas posta em
prática em Portugal e na Espanha, a leitura era tida como algo prejudicial."
Para mais histórias sobre destruição de livros, ver Báez (2004).
Já comentamos antes, que, por aversão ao novo, a Revolução
Industrial não aconteceu na China, que era mais desenvolvida na Idade Média,
mas tinha um imperador que era contra tecnologias e estrangeirismos.
Nosso atraso tecnológico, em parte, é explicado pelas
limitações impostas pela Igreja Católica a Portugal. Laurentino Gomes (2014)
lembra: “a segunda explicação para a
decadência [de Portugal] era política e religiosa. De todas as nações da
Europa, Portugal continuaria sendo, no começo do século XIX, a mais católica, a
mais conservadora e a mais avessa às ideias libertárias que produziam
revoluções e transformações em outros países. Por três séculos, a Igreja havia
mantido submissos o povo, seus nobres e reis. Por escrúpulos religiosos, a
ciência e a medicina eram atrasadas ou pouco conhecidas. Dom José, herdeiro do
trono e irmão mais velho do príncipe regente, dom João, havia morrido de
varíola porque sua mãe, Dona Maria I, tinha proibido os médicos de lhe aplicar
vacina. O motivo? Religioso. A rainha achava que a decisão entre a vida e a
morte estava nas mãos de Deus e que não cabia à ciência interferir nesse
processo.”
“Talvez isto explique
o porquê de os primeiros experimentos na educação serem iniciados aqui (Brasil
Colônia). Tratava-se de um local onde não existiam leis rígidas, não habitando
também homens com culturas tradicionais como os nobres e clero em Portugal.”
(Franco, 2007)
Entretanto, no Brasil, tivemos o caso infeliz do padre
Landell de Moura, um dos inventores do rádio, que foi obrigado a desistir de
suas pesquisas por pressão da Igreja Católica.
Na Europa, judeus e protestantes aceitavam bem o
empreendedorismo e tinham a riqueza como recompensa de Deus pelo bom trabalho.
Segundo Landes (1998), o protestantismo tinha um apelo forte
para certos tipos de pessoas, como homens de negócios e artesãos, cujos valores
incluíam trabalho duro e sucesso nos negócios. Havia também uma relação forte
entre o protestantismo e a ciência moderna.
Para Moog (1957), o catolicismo é incompatível com o capitalismo
doutrinariamente. “Protestantismo e
capitalismo têm afinidades. Calvino era contra a má aplicação da riqueza para
ostentação (e não para acumulação). Empréstimo grátis só a pobres. Ociosidade é
pecado contra Deus. Riqueza é resultado palpável de que a ação está correta”.
Para o protestante, o trabalho é uma dádiva de Deus. Para o católico, o
trabalho é uma punição.
Para Landes (1998), o Protestantismo
acredita que os valores pessoais levam a trabalho duro e sucesso nos negócios,
e tudo isto ligado ao incremento da ciência moderna. Já o Catolicismo tem certa
aversão ao empreendedorismo e, por esta razão, segundo Landes, haveria mais
empregados católicos nas fábricas dos protestantes ou ligados à agricultura:
protestantes eram os empregadores e católicos eram os empregados. Na Suíça,
regiões protestantes eram centros de exportação enquanto que as regiões
católicas eram agrícolas. Na Inglaterra, os protestantes influenciaram a
Revolução Industrial.
O avanço tecnológico na América do Norte pode estar relacionado
à religião. Karnal et al. (2007) lembram que, nos EUA, “a pobreza era quase sempre vista como castigo advindo aos indolentes.
Logo, acreditava-se ser imoral que o Estado ou qualquer organização privada
interviesse nos assuntos econômicos. Alguns religiosos protestantes,
influenciados pela ética calvinista de realização e responsabilidade
individuais, justificavam essa concorrência com argumentos éticos e religiosos:
‘a santidade é aliada da riqueza’.”
De certa forma, assim como os judeus ocupando a terra santa,
os colonos norte-americanos acreditavam estar cumprindo um destino divino.
Karnal et al. (2007) explicam: “A
ocupação das terras indígenas por parte dos colonos baseava-se em argumentos de
ordem teológica. Os peregrinos haviam se identificado com o povo eleito que
Deus conduzia a uma terra prometida. Tal como Deus dera força a Josué (na
Bíblia) para expulsar os habitantes da terra prometida, eles acreditavam no seu
direito de expulsar os que habitavam a sua Canaã. John Cotton, pastor puritano,
fez vários sermões nos quais destacou a semelhança entre a nação inglesa e a
luta pela terra prometida descrita no antigo testamento.”
Apesar da identificação com a religião, a ocupação tinha
objetivo capitalista e não religioso, como foi na América Latina, onde
portugueses e espanhóis tiveram o apoio de padres e jesuítas na conquista das
terras e dos povos indígenas. Karnal et al. (2007) lembram que os ingleses que vieram
para a América trouxeram uma tradição cultural diversa da espanhola ou portuguesa:
eles conviviam com mais religiões. “O
senso do relativo que a história inglesa ajudara a formar estabeleceria uma possibilidade
de opção bem maior, uma visão de mundo mais diversificada para nortear as
escolhas de vida feitas na nova terra. O Estado e a igreja oficial, na verdade,
não acompanharam os colonos ingleses. Aqui eles teriam de construir muita coisa
nova, inclusive a memória... nenhum projeto
efetivo de catequese aconteceu na América [do Norte]. As companhias não
estabeleceram práticas para a conversão dos índios ao cristianismo (conversão é
atitude própria de epopeia, aventura, não de empresa capitalista).”
De forma semelhante, judeus também fizeram fortuna pelo
mundo, acreditando ser essencial para sua sobrevivência a boa gestão
financeira. O judeu manipula o dinheiro por necessidade e dá importância a ele
por constantes expulsões de terras. Conforme Landes (1998), Ferdinand e
Isabella expulsaram judeus da Espanha em 1492. Judeus também tiveram que criar
empresas de vidros e cristais na Itália por terem sido expulsos da Turquia
(Johnson, 2015).
Os judeus eram vistos com maus olhos pelos cristãos porque
assumiram principalmente as atividades de comércio e bancos, na Idade Média.
Havia um preconceito naquela época contra a esta prática e contra a usura e a
busca pelo lucro, preconceito que era fortalecido pela Igreja Católica (Eco,
2010).
A cobrança de juros, durante a Idade Média, era considerada
exploração, pois quem pedia emprestado estava passando por necessidades e não o
fazia para especulação. Até mesmo entre os judeus, empréstimos para patrícios
não deveria implicar em juros.Com o passar do tempo, o surgimento dos bancos e
da inflação, o empréstimo de dinheiro com juros passou a ser uma atividade
econômica comum e bem aceita. A ética protestante passou a aceitar lucro e
juros, e isto acomodou bem a burguesia crescente. Sobre a história do lucro,
ver Loh (2014).
Assim como lucro e juros eram rejeitados pelos religiosos, também
muito do conhecimento inovador que os árabes tinham eram rechaçados devido às diferenças
religiosas e principalmente porque estes conhecimentos eram originários da
Grécia Antiga, onde a religião era politeísta.
Para Max Weber (em “A
Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”), os
homens de negócios e donos do capital, assim como os trabalhadores mais
especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das modernas
empresas eram predominantemente protestantes: “entre os próprios formados católicos, a porcentagem dos que receberam
formação em instituições que preparam especialmente para os estudos técnicos e
ocupações comerciais e industriais, e em geral para a vida de negócios de
classe média, é muito inferior à dos protestantes. Por sua vez, os católicos
preferem o tipo de aprendizagem oferecido pelos ginásios humanísticos. Essa é
uma circunstância à qual não se aplica a explicação acima apontada, mas que, ao
contrário, é uma das razões do pequeno engajamento dos católicos nas empresas
capitalistas. Em outras palavras, entre os diaristas católicos parece
preponderar uma forte tendência a permanecer em suas oficinas, e tornar com
frequência mestres artesãos, enquanto os protestantes são fortemente atraídos
para as fábricas, para nelas ocuparem cargos superiores de mão de obra
especializada e posições administrativas.”
Para Jorg Spenkuch (2010), há defasagem de renda entre protestantes e católicos, com aqueles ganhando mais que estes. A explicação seria a seguinte:
1. Os protestantes tendem a trabalhar algumas horas a mais
que os católicos por semana;
2. A probabilidade de os protestantes serem autônomos é
maior que a dos católicos;
3. A probabilidade de as mulheres protestantes trabalharem
em tempo integral é maior que a das católicas.
Independente de qual seja a religião, Bénabou et al. (2015)
descobriram uma associação negativa entre religiosidade e patentes. Eles
identificaram 11 indicadores individuais de abertura para inovação (por
exemplo, atitudes favoráveis a ciência e tecnologia, novas ideias, mudança,
risco e 5 diferentes medidas de religiosidade. A conclusão foi que uma
religiosidade maior está associada a visões menos favoráveis à inovação. Por
outro lado, tais autores citam outras pesquisas que descobriram que pessoas
mais religiosas tendem a confiar mais em outras pessoas e instituições e
respeitam mais as leis, taxas, etc.
Bénabou et al. (2015) também descobriram que regiões com
maior grau de religiosidade possuem taxas menores de inovações, renda per
capita e educação.
Na mesma linha de pesquisa, Audretsch et al. (2007)
analisaram 90 mil trabalhadores na Índia e descobriram que a religião direciona
o empreendedorismo. Algumas religiões, como Islã e o Cristianismo incentivam o
empreendedorismo, enquanto que outas como Hinduísmo, inibem-no. Eles também
descobriram que o contexto da pessoa também influencia: imigrantes indianos e
asiáticos no Reino Unido e na América do Norte têm mais propensão ao empreendedorismo.
Outro estudo compara o número de patentes registradas por
habitante com a quantidade de pessoas que se declaram religiosas (http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/paises-religiosos-sao-menos-inovadores), com as seguintes conclusões:
1. Os EUA são a única exceção à regra: são muito religiosos,
mas se destacam nas patentes. Ainda assim, houve queda durante o governo Bush,
quando o presidente proibiu pesquisas com células-tronco, baseando-se em
crenças religiosas;
2. O Islã inibe a inovação: os 46 maiores países muçulmanos
do mundo produzem apenas 1,16% da literatura científica;
3. O caso do Brasil: com cerca de 90% da população acreditando
em Deus e mais de 70 parlamentares no Congresso na chamada "bancada
evangélica", temos menos patentes que Irã, Polônia ou Rússia.
2 comentários:
Tem outras causas para o atraso que seriam institucionais e econômicas.
Das institucionais tem a lei da rainha de Portugal no séc. XVII proibindo manufaturas no Brasil para manter a corrente de comércio drenando ouro e diamantes do Brasil
A rainha apenas autorizava o fabrico de roupas para escravos.
A visão econômica dominante da Colônia e Império eram tal que a primeira universidade somente vai ser fundada em 1930.
Durante o Império os ingleses influenciavam muito nossa política, a primeira lei de tarifas de importação foi feita por eles (alíquota zero, claro), eles apoiaram indiretamente a sabotagem de empreendedores como o Barão de Mauá. O Barão era mal visto, desconfiavam da audácia daquele homem querendo imitar os ingleses construindo estrada de ferro.
Quanto à econômica, existe algo que Delfim Neto chama de "doença holandesa". O nome vem da Holanda que na década de 80 descobriu petróleo no Mar do Norte e deixou as empresas explorarem como bem entendessem. O dólar se tornou barato, o cambio favoreceu as importações e prejudicou as exportações. O mix de produtos que a Holanda fabricava empobreceu, a indústria se tornou menos capitalizada e foi destruída.
Ocorrem outros mecanismos como o domínio político dos fabricantes e produtores estabelecidos sobre a política de subsídios do Estado, que passam a direcionar os incentivos sob seus critérios e não os da inovação.
Por exemplo: no RS a arrecadação deveria ser o dobro se não fossem os incentivos fiscais. E esses incentivos são segredo, são vedados conhecer ao TCE, são concedidos com critérios aparentemente confusos e sem acompanhamento e não visam a inovação. Acabam na mão de endinheirados que usam seu poder de "convencimento" sobre a classe política.
PS: abraços Profº Stanley.
obrigado, Eduardo, agradeço sua contribuição. Estou justamente preparando um livro sobre "as origens do nosso atraso" e estes itens estarão presentes. Este post foi só um capítulo, que trata da influência das religiões. Mas obrigado por seu tempo e esforço em colaborar. Abraço.
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