quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Como as pessoas decidem suas compras - e como funciona o preço de produtos

Em um post anterior (clique aqui), eu já comentei sobre o processo de tomada de decisão por humanos. Quero enfocar agora mais as decisões relativas a compras.

Tversky e Kahneman (este último ganhador do prêmio Nobel de Economia, e o primeiro só não ganhou porque já era falecido) publicaram diversos artigos sobre o processo de decisão e principalmente por que as pessoas tomam decisões de forma errada (no post citado acima, eu já comentei um pouco do trabalho deles).

Um exemplo deles: imagine que alguém comprou um taco de baseball e uma bola por $ 1,10 (valores somados). O taco custou $ 1,00 a mais que a bola. Pense rápido: quanto custou cada um ?

Está pensando ainda. Tente dar uma resposta rápida.

Agora sim, vou dar a resposta. Mas antes, faça um sistema de equações:
t = custo do taco
b = custo da bola

t + b = 1,10
t = b + 1,00

Então substituindo a 2a equação na 1a, temos b + 1,00 + b = 1,10.
Resultando em: 2b = 1,10 - 1,00 ==> 2b = 0,10 ==> b = 0,05.
Então a bola custou $ 0,05 e o taco $ 1,05.

Mas a maioria das pessoas faz uma conta rápida e chega à conclusão errada de que o taco custa $ 1,00 e a bola $ 0,10. É muito trabalhoso fazer tal sistema de equação. Se errarmos, o custo do erro não é muito grande.

É por isto que muitas vezes pagamos mais caro pelas coisas. Quando vemos uma oferta num supermercado, por exemplo, uma caixa (1 litro) de leite a R$ 1,00, enquanto que os concorrentes estão cobrando R$ 1,10. Então acabamos indo neste supermercado e compramos um pacote (12 caixas de 1 litro). Nossa economia foi de R$ 1,20 (ora, dá para comprar mais um litro, ótimo!). Só que:
a) ao ir neste supermercado, não contabilizamos a diferença no custo do transporte (o custo de ir até lá; talvez ele fique mais longe que os outros);
b) além disto, sempre acabamos comprando outras coisas e na soma, talvez não tenha sido uma boa decisão. Mas dá muito trabalho fazer o cálculo preciso. E toma tempo (e tempo é dinheiro).

Pior é o caso de alguém que vai presencialmente a cada supermercado verificar o preço e então depois decide onde comprar. Só rodando entre um e outro, a pessoa teve um custo extra. E não vale dizer que foi a pé: pois tem o custo do tempo (tempo é dinheiro).

Outro exemplo de como nosso cérebro nos engana (e algumas empresas também). Imagine que uma empresa tem um produto que vale 200 reais no mercado. Mas como é um produto novo, ela decide entrar no mercado vendendo mais barato. Então ela diz ao consumidor que o preço é 200 mas que ela está dando um desconto de 50%. As pessoas compram.

Agora imagine uma outra empresa fazendo o mesmo. Só que ela não avisa o cliente. Ela simplesmente entra no mercado com o preço de 100 reais. Depois de algum tempo, quando os clientes estão acostumados com o produto, ela sobe o preço para 200 reais. As pessoas ficam indignadas e não compram mais.

Mas a situação é a mesma. Vamos aceitar o primeiro caso só porque a empresa foi honesta ? Sim, as pessoas aceitam isto.

A reportagem da revista Superinteressante da Editora Abril sobre o "custo Brasil" trata um pouco deste assunto. Por que as coisas são tão caras no Brasil ? Um dos motivos é porque as pessoas aceitam pagar mais. E provavelmente é uma decisão não muito pensada.

Dois sistemas de decisão

Kahneman escreveu um livro "Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar (Objetiva, 2012.) explicando que usamos 2 sistemas para tomar decisões: um rápido e um devagar. O primeiro é intuitivo e o segundo é lógico e racional (por isto, demora mais para chegar a uma conclusão). Decidimos rapidamente quando precisamos reconhecer vozes e rostos. A identificação de padrões visuais é uma função rápida. O hábito pode nos ajudar a tomar decisões rápidas em situações complexas. Veja o líbero do vôlei, que faz defesas precisas; ele precisa decidir rapidamente como se posicionar para defender os ataques do adversário. E não tem tempo para pensar ou tomará uma bolada no rosto.  

Malcolm Gladwell também explorou o tema das decisões rápidas (Blink - a decisão num piscar de olhos. Rocco, 2005.). Algumas pessoas tomam decisões sem pensar racionalmente. Usam intuições, emoções. Ninguém compra um quadro para decorar sua casa analisando racionalmente o quadro. Muito menos observando seus detalhes. A gente olha, não de muito perto, procura entender o que está sentindo, procura imaginar o quadro no local de destino, imagina o que as pessoas vão sentir quando entrarem no cômodo e virem o quadro. Algumas pessoas pagam caríssimo por quadros só porque quando o viram pela primeira sentiram algo muito forte e bom, um sentimento inexplicável, mas que querem manter por muito tempo. Especialistas que avaliam quadros tomam decisões assim.

Não há nada de errado em tomar decisões rápidas. O problema está em trocar os sistemas, ou seja, quando se deveria tomar uma decisão rápida, usamos o sistema lento (ex. fugir do perigo), ou quando deveríamos pensar mais racionalmente, tomamos decisões rápidas.

Como avaliar ou determinar o preço de um produto

A percepção de valor é algo muito subjetivo. Há pessoas que aceitam pagar 60 mil reais por um vestido (numa famosa loja em São Paulo). Outras não pagariam mais que mil reais por qualquer tipo de vestido, mesmo que fosse de um estilista famoso.

Valor não é preço. É preço em relação ao benefício que se ganha. Acredito que no caso acima o benefício é o status.

O mundo é muito complexo. São muitos produtos, lojas, muita propaganda. Acabamos perdidos nesta selva. Quem sabe dizer quanto custa uma caixa ou lata de leite condensado ? E qual o volume do conteúdo ? Pois é, muito vendedor mantém o preço mas diminui o conteúdo. E nem notamos.

Houve o caso de um grande supermercado que não conseguia vender um determinado produto. Então reduziu tudo o que pode no preço e chegando, digamos por hipótese, a R$ 1,00. Ainda assim não vendeu nada. Então fez uma pesquisa interna sobre a média de valor pago por produtos da mesma categoria, chegando à resposta de R$ 2,00. O que o supermercado fez ? Aumentou o preço daquele produto para R$ 2,00. E vendeu tudo.

Muitas pessoas não acreditam em preços muito baixos. Associam isto a baixa qualidade. Em alguns casos, isto está certo. Vários sites enganadores oferecem produtos muito baratos. Mas um raciocínio lógico já nos permitiria entender a falcatrua: basta calcular custos e chegar à conclusão que eles não teriam lucro algum (só se fosse mercadoria roubada).

Conheci um corretor de imóveis que anunciava um imóvel por um preço. Se muita gente vinha interessada, ele não vendia o imóvel, retirava o anúncio e aumenta o preço. Se não viesse ninguém, ele diminuía o preço. E assim chegava ao melhor valor para ele (pela Lei da Oferta e da Procura). Falando nisto, o economista que previu a bolha imobiliária americana em 2008 está prevendo uma bolha para o Brasil.

Custos X Margem de Lucro

Michael Dell inovou no mercado de computadores vendendo qualidade a baixo preço (no início da empresa). Ele pegou os componentes de um computador e somou o custo de todos, chegando à conclusão de que o preço que as empresas estavam praticando na venda de computadores estava muito acima disto. Qual era o valor agregado ? Nenhum. O custo extra era simplesmente por comprar peças, transportá-las, montar o computador, vender e entregar. Então ele pensou em como fazer tais processos com menos custo. Planejou o processo de compra com fornecedores, imitou Henry Ford e fez a produção em série, vendeu pela Internet e usou parceiros para entregar rapidamente. Assim, conseguiu vender abaixo dos preços correntes no mercado.

A Amazon também usa processos ágeis. Consegue entregar rapidamente em qualquer lugar do mundo. E o catálogo é bem grande. Aliás, a Amazon só consegue vender produtos que pouco saem (a tal da Cauda Longa) porque tem uma logística muito ágil. Quando o cliente clica no botão comprar, a Amazon, que não tem o produto em estoque, comunica-se rapidamente com o fornecedor e estabelece um processo de entrega, usando softwares de simulação e de geração de rotas em mapas. Para isto, ela tem parceiros que ajudam em cada parte da entrega. E é preciso avaliar se vale a pena colocar um caminhão só para levar um livro de um ponto a outro. O melhor é encaixar o livro num caminhão já programado com outras entregas. E tem centros de distribuição para concentrar produtos, agrupando-os para levar um grupo (e não um só) de um ponto a outro. Um grafo ajuda a entender tal esquema.

Porém, o grande diferencial na logística é "não ficar com o produto dormindo em casa". Chegou num lugar, passa rapidamente para o próximo entregador. Produto parado é custo (espaço, gente para armazenar, cuidar, segurança, controle de temperatura de ambiente, catástrofes, etc.). Dizem que, com a globalização, o custo do transporte é de 5% o valor final do produto. Se um relógio fabricado na China é vendido a 50 reais no Brasil, o custo de vir de lá para cá é de R$ 2,50.

O preço de um produto hoje em dia não é mais calculado somando-se os custos diretos e indiretos e colocando uma margem de lucro em cima. Segundo Leander Kahney ("A cabeça de Steve Jobs - as lições do líder da empresa mais revolucionária do mundo". Rio de Janeiro: Agir, 2008.), a Apple trabalha com uma margem de lucro de 25%, enquanto que a Dell fica próxima de 6,5% e a HP em 5%. E por que a Apple faz isto com sucesso ? Porque a Apple tem clientes fiéis, que passam a noite na fila para ser um dos primeiros a comprar o novo produto. E brigam com amigos defendendo a empresa. São melhores que clientes fiéis: são os clientes "advogados" ou "pregadores".

O quadro abaixo apresenta os tipos de consumidores. No quadrante em baixo à direita, temos os clientes fiéis, que compram considerando marca e não se importante com preço. No quadrante em cima à direita, são os consumidores racionais, que compram por lógica. Eles são exigentes, costumam avaliar qualidade e pesquisar muito os preços entre os concorrentes. No quadrante em cima à esquerda, temos os "cherry pickers", ou os aproveitadores de promoções. Eles só se preocupam com preço (não consideram qualidade nem marca). Se um concorrente faz uma promoção, eles vão ali. Se outro concorrente faz outra promoção, eles correm para lá. No canto inferior à esquerda temos os que não se preocupam nem com preço nem com marca. Mas quem são estes loucos ? São os compradores de ocasião. Se um rapaz, no dia dos Namorados, sai do trabalho às 19:30h e se dá conta que tem um jantar marcado com a namorada às 20h e que não comprou o presente dela ainda, então ele sai desesperado atrás de algo aberto ali próximo. E vai pagar o que for preciso. Mas não dá tempo para conseguir o melhor presente. O importante é não chegar de mãos abanando.




A imitação

A moda também influencia. Pessoas imitam pessoas. Gladwell comenta isto no seu livro "O ponto da virada"). Até mesmo o suicídio e os tiros em Columbine têm como causa a imitação. Portanto, se as pessoas estão comprando o produto e pagando aquele valor, então é porque o produto é bom e o preço é justo. E as pessoas estão usando a tecnologia para se comunicar mais rapidamente e em larga escala. Só que as redes sociais espalham o erro. Um raciocínio errado na compra se espalha. "Se meu amigo comprou, é porque ele já fez a conta se vale a pena ou não". Será ?

Por isto as empresas estão tão interessadas nas redes sociais. O marketing tradicional não funciona mais. O que vale é o viral (boca a boca). Um amigo dizer para outro que algo é bom funciona melhor do que a empresa que vende o produto ou serviço afirmar isto. Além disto, um cliente satisfeito tende a difundir sua satisfação para 3 ou 5 outros, enquanto que um cliente insatisfeito espalha sua raiva e contamina de 10 a 15 outras pessoas.



Nenhum comentário: