Em um post anterior (clique
aqui), eu já comentei sobre o processo de tomada de decisão por humanos.
Quero enfocar agora mais as decisões relativas a compras.
Tversky e Kahneman (este último ganhador do prêmio Nobel de
Economia, e o primeiro só não ganhou porque já era falecido) publicaram
diversos artigos sobre o processo de decisão e principalmente por que as
pessoas tomam decisões de forma errada (no post citado acima, eu já comentei um
pouco do trabalho deles).
Um exemplo deles: imagine que alguém comprou um taco de
baseball e uma bola por $ 1,10 (valores somados). O taco custou $ 1,00 a mais
que a bola. Pense rápido: quanto custou cada um ?
Está pensando ainda. Tente dar uma resposta rápida.
Agora sim, vou dar a resposta. Mas antes, faça um sistema de
equações:
t = custo do taco
b = custo da bola
t + b = 1,10
t = b + 1,00
Então substituindo a 2a equação na 1a, temos b + 1,00 + b =
1,10.
Resultando em: 2b = 1,10 - 1,00 ==> 2b = 0,10 ==> b =
0,05.
Então a bola custou $ 0,05 e o taco $ 1,05.
Mas a maioria das pessoas faz uma conta rápida e chega à
conclusão errada de que o taco custa $ 1,00 e a bola $ 0,10. É muito trabalhoso
fazer tal sistema de equação. Se errarmos, o custo do erro não é muito grande.
É por isto que muitas vezes pagamos mais caro pelas coisas.
Quando vemos uma oferta num supermercado, por exemplo, uma caixa (1 litro) de leite
a R$ 1,00, enquanto que os concorrentes estão cobrando R$ 1,10. Então acabamos
indo neste supermercado e compramos um pacote (12 caixas de 1 litro). Nossa
economia foi de R$ 1,20 (ora, dá para comprar mais um litro, ótimo!). Só que:
a) ao ir neste supermercado, não contabilizamos a diferença
no custo do transporte (o custo de ir até lá; talvez ele fique mais longe que os
outros);
b) além disto, sempre acabamos comprando outras coisas e na
soma, talvez não tenha sido uma boa decisão. Mas dá muito trabalho fazer o
cálculo preciso. E toma tempo (e tempo é dinheiro).
Pior é o caso de alguém que vai presencialmente a cada
supermercado verificar o preço e então depois decide onde comprar. Só rodando
entre um e outro, a pessoa teve um custo extra. E não vale dizer que foi a pé:
pois tem o custo do tempo (tempo é dinheiro).
Outro exemplo de como nosso cérebro nos engana (e algumas
empresas também). Imagine que uma empresa tem um produto que vale 200 reais no
mercado. Mas como é um produto novo, ela decide entrar no mercado vendendo mais
barato. Então ela diz ao consumidor que o preço é 200 mas que ela está dando um
desconto de 50%. As pessoas compram.
Agora imagine uma outra empresa fazendo o mesmo. Só que ela
não avisa o cliente. Ela simplesmente entra no mercado com o preço de 100
reais. Depois de algum tempo, quando os clientes estão acostumados com o
produto, ela sobe o preço para 200 reais. As pessoas ficam indignadas e não
compram mais.
Mas a situação é a mesma. Vamos aceitar o primeiro caso só
porque a empresa foi honesta ? Sim, as pessoas aceitam isto.
A reportagem da
revista Superinteressante da Editora Abril sobre o "custo Brasil"
trata um pouco deste assunto. Por que as coisas são tão caras no Brasil ? Um
dos motivos é porque as pessoas aceitam pagar mais. E provavelmente é uma
decisão não muito pensada.
Dois sistemas de decisão
Kahneman escreveu um livro "Rápido e Devagar - Duas
Formas de Pensar (Objetiva, 2012.) explicando que usamos 2 sistemas para tomar
decisões: um rápido e um devagar. O primeiro é intuitivo e o segundo é lógico e
racional (por isto, demora mais para chegar a uma conclusão). Decidimos
rapidamente quando precisamos reconhecer vozes e rostos. A identificação de
padrões visuais é uma função rápida. O hábito pode nos ajudar a tomar decisões
rápidas em situações complexas. Veja o líbero do vôlei, que faz defesas
precisas; ele precisa decidir rapidamente como se posicionar para defender os
ataques do adversário. E não tem tempo para pensar ou tomará uma bolada no
rosto.
Malcolm Gladwell também explorou o tema das decisões rápidas
(Blink - a decisão num piscar de olhos. Rocco, 2005.). Algumas pessoas tomam
decisões sem pensar racionalmente. Usam intuições, emoções. Ninguém compra um
quadro para decorar sua casa analisando racionalmente o quadro. Muito menos
observando seus detalhes. A gente olha, não de muito perto, procura entender o
que está sentindo, procura imaginar o quadro no local de destino, imagina o que
as pessoas vão sentir quando entrarem no cômodo e virem o quadro. Algumas
pessoas pagam caríssimo por quadros só porque quando o viram pela primeira sentiram
algo muito forte e bom, um sentimento inexplicável, mas que querem manter por
muito tempo. Especialistas que avaliam quadros tomam decisões assim.
Não há nada de errado em tomar decisões rápidas. O problema
está em trocar os sistemas, ou seja, quando se deveria tomar uma decisão rápida,
usamos o sistema lento (ex. fugir do perigo), ou quando deveríamos pensar mais
racionalmente, tomamos decisões rápidas.
Como avaliar ou determinar o preço de um produto
A percepção de valor é algo muito subjetivo. Há pessoas que
aceitam pagar 60 mil reais por um vestido (numa famosa loja em São Paulo).
Outras não pagariam mais que mil reais por qualquer tipo de vestido, mesmo que
fosse de um estilista famoso.
Valor não é preço. É preço em relação ao benefício que se
ganha. Acredito que no caso acima o benefício é o status.
O mundo é muito complexo. São muitos produtos, lojas, muita
propaganda. Acabamos perdidos nesta selva. Quem sabe dizer quanto custa uma
caixa ou lata de leite condensado ? E qual o volume do conteúdo ? Pois é, muito
vendedor mantém o preço mas diminui o conteúdo. E nem notamos.
Houve o caso de um grande supermercado que não conseguia
vender um determinado produto. Então reduziu tudo o que pode no preço e
chegando, digamos por hipótese, a R$ 1,00. Ainda assim não vendeu nada. Então
fez uma pesquisa interna sobre a média de valor pago por produtos da mesma
categoria, chegando à resposta de R$ 2,00. O que o supermercado fez ? Aumentou
o preço daquele produto para R$ 2,00. E vendeu tudo.
Muitas pessoas não acreditam em preços muito baixos.
Associam isto a baixa qualidade. Em alguns casos, isto está certo. Vários sites
enganadores oferecem produtos muito baratos. Mas um raciocínio lógico já nos
permitiria entender a falcatrua: basta calcular custos e chegar à conclusão que
eles não teriam lucro algum (só se fosse mercadoria roubada).
Conheci um corretor de imóveis que anunciava um imóvel por
um preço. Se muita gente vinha interessada, ele não vendia o imóvel, retirava o
anúncio e aumenta o preço. Se não viesse ninguém, ele diminuía o preço. E assim
chegava ao melhor valor para ele (pela Lei da Oferta e da Procura). Falando
nisto, o economista que previu a bolha imobiliária americana em 2008 está
prevendo uma bolha para o Brasil.
Custos X Margem de Lucro
Michael Dell inovou no mercado de computadores vendendo
qualidade a baixo preço (no início da empresa). Ele pegou os componentes de um
computador e somou o custo de todos, chegando à conclusão de que o preço que as
empresas estavam praticando na venda de computadores estava muito acima disto.
Qual era o valor agregado ? Nenhum. O custo extra era simplesmente por comprar
peças, transportá-las, montar o computador, vender e entregar. Então ele pensou
em como fazer tais processos com menos custo. Planejou o processo de compra com
fornecedores, imitou Henry Ford e fez a produção em série, vendeu pela Internet
e usou parceiros para entregar rapidamente. Assim, conseguiu vender abaixo dos
preços correntes no mercado.
A Amazon também usa processos ágeis. Consegue entregar rapidamente
em qualquer lugar do mundo. E o catálogo é bem grande. Aliás, a Amazon só consegue
vender produtos que pouco saem (a tal da Cauda Longa) porque tem uma logística
muito ágil. Quando o cliente clica no botão comprar, a Amazon, que não tem o
produto em estoque, comunica-se rapidamente com o fornecedor e estabelece um
processo de entrega, usando softwares de simulação e de geração de rotas em
mapas. Para isto, ela tem parceiros que ajudam em cada parte da entrega. E é
preciso avaliar se vale a pena colocar um caminhão só para levar um livro de um
ponto a outro. O melhor é encaixar o livro num caminhão já programado com
outras entregas. E tem centros de distribuição para concentrar produtos,
agrupando-os para levar um grupo (e não um só) de um ponto a outro. Um grafo
ajuda a entender tal esquema.
Porém, o grande diferencial na logística é "não ficar
com o produto dormindo em casa". Chegou num lugar, passa rapidamente para
o próximo entregador. Produto parado é custo (espaço, gente para armazenar,
cuidar, segurança, controle de temperatura de ambiente, catástrofes, etc.). Dizem
que, com a globalização, o custo do transporte é de 5% o valor final do
produto. Se um relógio fabricado na China é vendido a 50 reais no Brasil, o
custo de vir de lá para cá é de R$ 2,50.
O preço de um produto hoje em dia não é mais calculado
somando-se os custos diretos e indiretos e colocando uma margem de lucro em
cima. Segundo Leander Kahney ("A
cabeça de Steve Jobs - as lições do líder da empresa mais revolucionária do
mundo". Rio de Janeiro: Agir, 2008.), a Apple trabalha
com uma margem de lucro de 25%, enquanto que a Dell fica próxima de 6,5% e a HP
em 5%. E por que a Apple faz isto com sucesso ? Porque a Apple tem
clientes fiéis, que passam a noite na fila para ser um dos primeiros a comprar
o novo produto. E brigam com amigos defendendo a empresa. São melhores que
clientes fiéis: são os clientes "advogados" ou
"pregadores".
O quadro abaixo apresenta os tipos de consumidores. No
quadrante em baixo à direita, temos os clientes fiéis, que compram considerando
marca e não se importante com preço. No quadrante em cima à direita, são os
consumidores racionais, que compram por lógica. Eles são exigentes, costumam
avaliar qualidade e pesquisar muito os preços entre os concorrentes. No
quadrante em cima à esquerda, temos os "cherry pickers", ou os
aproveitadores de promoções. Eles só se preocupam com preço (não consideram
qualidade nem marca). Se um concorrente faz uma promoção, eles vão ali. Se
outro concorrente faz outra promoção, eles correm para lá. No canto inferior à
esquerda temos os que não se preocupam nem com preço nem com marca. Mas quem
são estes loucos ? São os compradores de ocasião. Se um rapaz, no dia dos
Namorados, sai do trabalho às 19:30h e se dá conta que tem um jantar marcado
com a namorada às 20h e que não comprou o presente dela ainda, então ele sai
desesperado atrás de algo aberto ali próximo. E vai pagar o que for preciso.
Mas não dá tempo para conseguir o melhor presente. O importante é não chegar de
mãos abanando.
A imitação
A moda também influencia. Pessoas imitam pessoas. Gladwell
comenta isto no seu livro "O ponto da virada"). Até mesmo o suicídio
e os tiros em Columbine têm como causa a imitação. Portanto, se as pessoas
estão comprando o produto e pagando aquele valor, então é porque o produto é
bom e o preço é justo. E as pessoas estão usando a tecnologia para se comunicar
mais rapidamente e em larga escala. Só que as redes sociais espalham o erro. Um
raciocínio errado na compra se espalha. "Se meu amigo comprou, é porque ele
já fez a conta se vale a pena ou não". Será ?
Por isto as empresas estão tão interessadas nas redes
sociais. O marketing tradicional não funciona mais. O que vale é o viral (boca
a boca). Um amigo dizer para outro que algo é bom funciona melhor do que a
empresa que vende o produto ou serviço afirmar isto. Além disto, um cliente
satisfeito tende a difundir sua satisfação para 3 ou 5 outros, enquanto que um
cliente insatisfeito espalha sua raiva e contamina de 10 a 15 outras pessoas.
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