domingo, 20 de julho de 2014

A História do Dinheiro

Este é um capítulo do meu futuro livro "Uma Breve História do Empreendedorismo".
Boa leitura.


A história que vou contar aqui é um resumo. Os detalhes que eu não contar podem ser encontrados nos livros de Niall Ferguson (A Ascensão do Dinheiro) e de Alexandre Versignassi (Crash - uma breve história da economia). Entretanto, a minha história tem detalhes a mais, principalmente no que tange a novos (e mais modernos) usos do dinheiro.

Tudo começa com o escambo, o comércio pela troca de mercadorias. Até os animais fazem isto. Alguns machos dão algo material, como pedras e plantas, para a fêmea em troca de acasalamento. Outros animais dão comida, abrigo ou mesmo proteção. E se não recebem algo em troca, aí dava briga (ver livro de Matt Ridley, "As Origens da Virtude").

Com os nossos ancestrais não foi diferente. Os caçadores-coletores trocavam comida. Imagine alguém que tenha caçado um bisão (um enorme búfalo da pré-história), o qual dava para uma família se alimentar por 2 ou 3 dias, se a carne não estragasse ou não viessem urubus e hienas. Matt Ridley disse em seu livre que o mamute era um bem público. Toda a tribo se beneficiava, mesmo os que não tinham participado da caçada, os chamados aproveitadores (cheaters). Mas o sortudo caçador compartilhava o resultado porque sabia que outro dia ele poderia ser o azarado. E estes caçadores trocam comida com os coletores, que iam atrás de frutos e sementes. Geralmente, a divisão destas tarefas era por sexo, cabem aos homens a caça e às mulheres a coleta.

Mas como trocar a carne de um mamífero enorme por alguns poucos frutos e sementes. Talvez, me parece que naquela época não havia muito senso de medidas neste sentido, e tais trocas não eram medidas por peso ou pelo esforço em conseguir a comida.

Mas quando surge a agricultura, gerando excedentes de comida, a coisa muda. Uma tribo que conseguisse armazenar trigo além do necessário para seu sustento, mesmo contando os meses de “vacas magras”, esta tribo iria trocar seu excedente com outra tribo na mesma situação. Especialmente, se os excedentes fossem de cereais diferentes.

De início, talvez as tribos não soubessem bem como fazer as trocas, talvez fosse por peso ou volumes. Mas quando a primeira pessoa daquela época pensou em “justiça”, começou a mediar também o esforço para conseguir a comida, a quantidade de excedentes, o tamanho da necessidade da outra tribo, e assim nasceu o sentido de valor.

Nesta época também começa o comércio a longas distâncias. Uma tribo caminhando até outras. E aí, e com a invenção dos barcos, o uso dos rios para chegar a tribos mais distantes. Surgem os primeiros mercadores de profissão, que não pertenciam a tribos produtoras mas faziam o trabalho de transporte cobrando comissão, provavelmente, uma parcela da carga.

Outro problema daquela época era a dificuldade de ficar levando mercadorias de um lugar a outro.

E quando alguém quisesse vender seu excedente futuro, ou seja, prometia dar de volta algo que iria ainda colher. Então surgem as tábuas de crédito, feitas de argila. E isto foi o que impulsionou a invenção da escrita. As tábuas registravam débitos e créditos, principalmente os futuros. Mas se uma troca presente tivesse alguma diferença (o que seria o “troco” hoje), esta poderia ficar registrada para ser compensada no futuro. Antes das tábuas escritas, os débitos e créditos eram marcados como pedras colocadas dentro de jarros. Certamente, o registro em tábuas facilitou muito tal tarefa. A escrita facilitou registrar quem estava devendo, quem era o credor, qual a mercadoria e a quantidade ou valor.


Nas primeiras civilizações, logo no início da agricultura, diferentes tarefas poderiam ser recompensadas com diferentes valores. Como comparar o trabalho de limpar um campo, com o de construir uma casa, com o que levar uma mercadoria de uma tribo para outra ?

Aí surge a ideia de uma medida genérica ou geral, que pudesse ser usada para comparar mercadorias e serviços diferentes.

Registros arqueológicos contam que conchas (geralmente usadas como ornamentos) eram usadas para tal. Niall Ferguson conta que na China, mais de mil anos antes de Cristo, já se usavam conchas como moeda de troca.

Depois veio o sal e o gado. Imagine a dificuldade para conseguir sal. Muitas cidades primitivas não tinham salinas. Era necessário fazer uma expedição ao deserto, com camelos, água, provimentos e homens. Até hoje, em desertos da África, não é tão simples quebrar tijolos de sal ao sol de 50 graus celsius. Some-se a isto o risco de ladrões roubarem a mercadoria e assassinarem a todos. Então surgem os primeiros empreendedores no sentido mais específico: os que investem em resultados futuros assumindo o risco da perda.

Por isto, pelo seu alto valor, o sal passou a ser utilizado como “moeda” de troca, para equiparar valores distintos. Por isto, até hoje chamamos nossos vencimentos de “salário”. Porque na Roma antiga o pagamento de serviços era feito com sal.

O gado também foi utilizado por certo tempo como moeda de troca e medida de valor. Esta é a origem dos termos “pecúnia” e "pecúlio". A palavra "capital" refere-se a cabeça (de gado).

A dificuldade com as mercadorias era o transporte. Também ficava difícil trocar gado por coisas menores. Por isto, algo menor precisava ser utilizado como moeda de troca. Assim, surgem os metais. Segundo Adam Smith, o metal era melhor porque podia ser dividido. Outra vantagem é que os metais não apodrecem se guardados. E quanto mais difícil para obtê-lo (assim como o sal), maior seu valor, e melhor como medida de troca.

Segundo Versignassi, os metais obedecem a dois critérios que são necessários para uma moeda de troca:
1. Precisa ser uma coisa que todo mundo queira.
2. Não pode ser algo muito abundante.

Por isso mesmo, a comida foi a primeira coisa a servir como dinheiro (antes mesmo do surgimento do ser humano). Segundo ainda Versignassi, o dinheiro é uma invenção que permite que uma manicure compre pão sem ter que fazer as unhas do padeiro. O garante o valor do dinheiro é a fé. Alguém aceita o dinheiro porque acredita que outros também irão aceitar.

Mas para garantir peso, material e origem dos metais, os governos passaram a cunhar moedas. E a garantia era a estampa (lembra de "dai a Cesar o que é de Cesar" ?). Conforme Versignassi, em "Lídia, uma cidade-Estado que ficava na atual Turquia, por volta de 600 a.C., o governo resolveu acabar com a confusão fundindo metais preciosos na forma de pepitas com peso e grau de pureza predeterminados e imprimindo uma gravura em cada uma das peças, como um selo de autenticidade".

Então, segundo Fustel de Coulanges, o dinheiro passou a ter 3 funções: meio de troca, unidade de contagem e forma de armazenar valor. Além disto, segundo aquele mesmo autor, o dinheiro permitiu que a riqueza passasse de mão em mão, ao contrário da terra, a qual alguns nunca receberam. E foi o que permitiu a ascensão das classes inferiores (comerciantes ou burgueses).

Os primeiros bancários surgiram em Veneza na Idade Média. Sentavam em bancos à espera de quem precisasse de moedas, tanto para investimentos e pagar dívidas quanto para utilizarem em viagens. E assim surgem as primeiras agências de câmbio, trocando moedas diferentes e lucrando com isto. E também surgem os primeiros especuladores: compravam moeda barata num lugar e vendiam onde elas estavam mais valorizadas.

Segundo Ferguson, "na Idade Média, surgiu o costume de se guardarem os valores num ourives, pessoa que negociava objetos de ouro e prata. Este, como garantia, entregava um recibo. Com o tempo, esses recibos passaram a ser utilizados para efetuar pagamentos, circulando de mão em mão e dando origem ao papel-moeda."

O valor total do dinheiro em papel moeda deveria ter um equivalente. Até 1973, o lastro do dinheiro era o ouro. Segundo Versignassi, "todo o ouro minerado ao longo da história caberia num prédio de sete andares" (142 mil toneladas). Ou seja, um relógio de ouro fabricado hoje pode ter parte do ouro utilizado numa moeda do antigo Império Romano. Depois de 1973, o lastro do dinheiro passou a ser o dólar (Ferguson).

Segundo Versignassi, a essência da ideia do dinheiro era que as pessoas acreditavam nas moedas cunhadas pelo Governo justamente porque o Estado garantia que elas eram de ouro ou de prata puros. Mas a quantidade de ouro e prata era limitada pela extração. Então um tal Sólon passou a cunhar moedas com mistura de metais, ou seja, não era ouro ou prata puros. Como o Governo aceitava tal dinheiro, o povo também começou a aceitar. Essa é a essência da desvalorização do dinheiro. Isto permite ao governo pagar suas dívidas, investir em obras públicas, tanto hoje como era na Antiguidade.

O difícil do dinheiro, seja moeda ou papel, é achar a medida de troca entra todas as coisas disponíveis para serem compradas (seja material ou serviço).  O real sentido de medida até hoje ainda não é bem definido. Isto é discutido no capítulo sobre o lucro. A dificuldade está em determinar quanto de uma mercadoria equivale a uma certa quantidade de outra mercadoria. Se falarmos de serviços então, a dificuldade é maior. Algumas mercadorias, pela sua utilidade, são mais procuradas do que outras e por isto possuem mais "valor". Este é o conceito de "valor",  que será abordado mais adiante neste livro, no capítulo referente ao lucro.

Para que o dinheiro funcione, basta que seja aceito como tal. É por isto que vales em papel dentrode uma empresa (garantidos pela assinatura do gerente), vale-transporte e vale-alimentação também são usados como moeda de trocas. Em algumas comunidades do Brasil, há moedas comunitárias aceitas dentro da comunidade apenas. A real função do dinheiro neste caso é servir como garantia para pagamento futuro.

É o que acontece com o cartão de crédito também. O inventor deste tipo de dinheiro esqueceu a carteira num jantar. Então pensou que poderia fazer cartões para seus amigos pagarem jantares, sem precisar que levassem a carteira. E assim criou o Diner´s Club.

Hoje temos dinheiro virtual ou eletrônico. Ele está no banco mas passa de conta para conta, através de diversos tipos de operações: pagamento de boletos, transferência bancária, cheques. Não é mais necessário carregar dinheiro no bolso, ir até o banco ou caixas eletrônicos. E mais recentemente os pagamentos eletrônicos com maquininhas e até mesmo dispositivos móveis como celulares e tablets.
Estamos cada vez mais utilizando diferentes tipos de dinheiro. As milhas aéreas e os pontos em programas de fidelidade podem ser trocados por mercadorias, dinheiro em conta e até mesmo comercializados entre clientes.

A grande inovação são as moedas virtuais ou digitais. No mundo virtual do Second Life havia uma moeda de troca interna a este ambiente digital. Ela permitia comprar bens e serviços dentro deste mundo virtual. Mas também tinha um valor de paridade para troca por moedas reais.

O exemplo sensação do momento é o Bitcoin. Como a essência do dinheiro é ter pessoas que acreditem nele, o Bitcoin existe como uma moeda qualquer mas só funciona no grupo de pessoas que acreditam nele. Mas este grupo está crescendo cada vez mais. O objetivo é que pessoas possam receber pagamento e pagar com esta moeda no mundo real. Há até terminais eletrônicos (cash dispensers) para tais operações. A ideia central é ter computadores espalhados pelo mundo, utilizando um algoritmo criado por Satoshi Nakamoto, para garantir quem tem Bitcoins e o quanto possuem. Isto evita gastos duplos. Bitcoins podem ser guardados em computadores como uma carteira virtual ou em serviços prestados por terceiros.

Bitcoin é a implementação de um conceito chamado "criptomoeda", descrito originalmente por Wei Dai, em 1988. O interessante é que este tipo de moeda só funciona se houver muitas pessoas apostando. É o contrário do conceito de raridade que fez surgir e evoluir o dinheiro no mundo. Mas atualmente há muita gente acreditando em Bitcoins, o que fez até mesmo surgir especuladores, pensando em ganhar dinheiro com compra e venda como lá na Idade Média.

Mas a grande inovação deste tipo de moeda é que não é necessário ter uma entidade central (banco ou governo) para garantir a autenticidade. A princípio, isto evitaria inflação, pois não a quantidade emitida de Bitcoins é controlada (por uma regra pré-definida). Segundo Ortega y Gasset: "o poder social do dinheiro será tanto maior quanto mais coisas haja para comprar, não quanto maior seja a quantidade do dinheiro mesmo". Por outro lado, este tipo de moeda recebe críticas porque, uma vez que é difícil de ser rastreada, pode fomentar negócios ilegais.



Bibliografia:


FERGUSON, Niall. A ascensão do dinheiro - a história financeira do mundo. São Paulo: Planeta do Brasil, 2009.

FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga. 4a ed. SP: Martins Fontes, 1998. (Original: la cité antique)

ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. 1930. (e-book)

RIDLEY, Matt. The origins of virtue - human instincts and the evolution of cooperation. Londres: Penguin books, 1996. (em português, "As origens da virtude").


VERSIGNASSI, Alexandre. Crash : uma breve história da economia: da Grécia Antiga ao século XXI. São Paulo: Leya, 2011.

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