Este é um capítulo do meu futuro livro "Uma Breve História do Empreendedorismo".
Boa leitura.
A história que vou contar aqui é um resumo. Os detalhes que eu não contar podem ser encontrados nos livros de Niall Ferguson (A Ascensão do Dinheiro) e de Alexandre Versignassi (Crash - uma breve história da economia). Entretanto, a minha história tem detalhes a mais, principalmente no que tange a novos (e mais modernos) usos do dinheiro.
Boa leitura.
A história que vou contar aqui é um resumo. Os detalhes que eu não contar podem ser encontrados nos livros de Niall Ferguson (A Ascensão do Dinheiro) e de Alexandre Versignassi (Crash - uma breve história da economia). Entretanto, a minha história tem detalhes a mais, principalmente no que tange a novos (e mais modernos) usos do dinheiro.
Tudo começa com o escambo, o comércio pela troca de
mercadorias. Até os animais fazem isto. Alguns machos dão algo material, como
pedras e plantas, para a fêmea em troca de acasalamento. Outros animais dão comida,
abrigo ou mesmo proteção. E se não recebem algo em troca, aí dava briga (ver
livro de Matt Ridley, "As Origens da Virtude").
Com os nossos ancestrais não foi diferente. Os
caçadores-coletores trocavam comida. Imagine alguém que tenha caçado um bisão
(um enorme búfalo da pré-história), o qual dava para uma família se alimentar
por 2 ou 3 dias, se a carne não estragasse ou não viessem urubus e hienas. Matt
Ridley disse em seu livre que o mamute era um bem público. Toda a tribo se
beneficiava, mesmo os que não tinham participado da caçada, os chamados
aproveitadores (cheaters). Mas o sortudo caçador compartilhava o
resultado porque sabia que outro dia ele poderia ser o azarado. E estes
caçadores trocam comida com os coletores, que iam atrás de frutos e sementes.
Geralmente, a divisão destas tarefas era por sexo, cabem aos homens a caça e às
mulheres a coleta.
Mas como trocar a carne de um mamífero enorme por alguns
poucos frutos e sementes. Talvez, me parece que naquela época não havia muito
senso de medidas neste sentido, e tais trocas não eram medidas por peso ou pelo
esforço em conseguir a comida.
Mas quando surge a agricultura, gerando excedentes de comida,
a coisa muda. Uma tribo que conseguisse armazenar trigo além do necessário para
seu sustento, mesmo contando os meses de “vacas magras”, esta tribo iria trocar
seu excedente com outra tribo na mesma situação. Especialmente, se os
excedentes fossem de cereais diferentes.
De início, talvez as tribos não soubessem bem como fazer as
trocas, talvez fosse por peso ou volumes. Mas quando a primeira pessoa daquela
época pensou em “justiça”, começou a mediar também o esforço para conseguir a
comida, a quantidade de excedentes, o tamanho da necessidade da outra tribo, e
assim nasceu o sentido de valor.
Nesta época também começa o comércio a longas distâncias.
Uma tribo caminhando até outras. E aí, e com a invenção dos barcos, o uso dos
rios para chegar a tribos mais distantes. Surgem os primeiros mercadores de
profissão, que não pertenciam a tribos produtoras mas faziam o trabalho de
transporte cobrando comissão, provavelmente, uma parcela da carga.
Outro problema daquela época era a dificuldade de ficar levando
mercadorias de um lugar a outro.
E quando alguém quisesse vender seu excedente futuro, ou
seja, prometia dar de volta algo que iria ainda colher. Então surgem as tábuas
de crédito, feitas de argila. E isto foi o que impulsionou a invenção da
escrita. As tábuas registravam débitos e créditos, principalmente os futuros.
Mas se uma troca presente tivesse alguma diferença (o que seria o “troco”
hoje), esta poderia ficar registrada para ser compensada no futuro. Antes das
tábuas escritas, os débitos e créditos eram marcados como pedras colocadas
dentro de jarros. Certamente, o registro em tábuas facilitou muito tal tarefa.
A escrita facilitou registrar quem estava devendo, quem era o credor, qual a
mercadoria e a quantidade ou valor.
Nas primeiras civilizações, logo no início da agricultura,
diferentes tarefas poderiam ser recompensadas com diferentes valores. Como
comparar o trabalho de limpar um campo, com o de construir uma casa, com o que
levar uma mercadoria de uma tribo para outra ?
Aí surge a ideia de uma medida genérica ou geral, que
pudesse ser usada para comparar mercadorias e serviços diferentes.
Registros arqueológicos contam que
conchas (geralmente usadas como ornamentos) eram usadas para tal. Niall
Ferguson conta que na China, mais de mil anos antes de Cristo, já se usavam conchas como moeda de troca.
Depois veio o sal e o gado. Imagine a dificuldade para
conseguir sal. Muitas cidades primitivas não tinham salinas. Era necessário
fazer uma expedição ao deserto, com camelos, água, provimentos e homens. Até
hoje, em desertos da África, não é tão simples quebrar tijolos de sal ao sol de
50 graus celsius. Some-se a isto o risco de ladrões roubarem a mercadoria e
assassinarem a todos. Então surgem os primeiros empreendedores no sentido mais
específico: os que investem em resultados futuros assumindo o risco da perda.
Por isto, pelo seu alto valor, o sal passou a ser utilizado
como “moeda” de troca, para equiparar valores distintos. Por isto, até hoje chamamos
nossos vencimentos de “salário”. Porque na Roma antiga o pagamento de serviços
era feito com sal.
O gado também foi utilizado por certo tempo como moeda de
troca e medida de valor. Esta é a origem dos termos “pecúnia” e
"pecúlio". A palavra "capital" refere-se a cabeça (de
gado).
A dificuldade com as mercadorias era o transporte. Também
ficava difícil trocar gado por coisas menores. Por isto, algo menor precisava
ser utilizado como moeda de troca. Assim, surgem os metais. Segundo Adam Smith,
o metal era melhor porque podia ser dividido. Outra vantagem é que os metais
não apodrecem se guardados. E quanto mais difícil para obtê-lo (assim como o
sal), maior seu valor, e melhor como medida de troca.
Segundo Versignassi, os metais obedecem a dois critérios que
são necessários para uma moeda de troca:
1. Precisa ser uma coisa que todo mundo queira.2. Não pode ser algo muito abundante.
Por isso mesmo, a comida foi a primeira coisa a servir como dinheiro (antes mesmo do surgimento do ser humano). Segundo ainda Versignassi, o dinheiro é uma invenção que permite que uma manicure compre pão sem ter que fazer as unhas do padeiro. O garante o valor do dinheiro é a fé. Alguém aceita o dinheiro porque acredita que outros também irão aceitar.
Mas para garantir peso, material e origem dos metais, os governos
passaram a cunhar moedas. E a garantia era a estampa (lembra de "dai a
Cesar o que é de Cesar" ?). Conforme Versignassi, em "Lídia, uma
cidade-Estado que ficava na atual Turquia, por volta de 600 a.C., o governo resolveu
acabar com a confusão fundindo metais preciosos na forma de pepitas com peso e
grau de pureza predeterminados e imprimindo uma gravura em cada uma das peças,
como um selo de autenticidade".
Então, segundo Fustel de Coulanges, o dinheiro passou a ter
3 funções: meio de troca, unidade de contagem e forma de armazenar valor. Além
disto, segundo aquele mesmo autor, o dinheiro permitiu que a riqueza passasse
de mão em mão, ao contrário da terra, a qual alguns nunca receberam. E foi o
que permitiu a ascensão das classes inferiores (comerciantes ou burgueses).
Os primeiros bancários surgiram em
Veneza na Idade Média. Sentavam em bancos à espera de quem precisasse de
moedas, tanto para investimentos e pagar dívidas quanto para utilizarem em
viagens. E assim surgem as primeiras agências de câmbio, trocando moedas
diferentes e lucrando com isto. E também surgem os primeiros especuladores:
compravam moeda barata num lugar e vendiam onde elas estavam mais valorizadas.
O valor total do dinheiro em papel
moeda deveria ter um equivalente. Até 1973, o lastro do dinheiro era o ouro. Segundo
Versignassi, "todo o ouro minerado ao longo da história caberia num prédio
de sete andares" (142 mil toneladas). Ou seja, um relógio de ouro
fabricado hoje pode ter parte do ouro utilizado numa moeda do antigo Império
Romano. Depois de 1973, o lastro do
dinheiro passou a ser o dólar (Ferguson).
Segundo Versignassi, a essência da
ideia do dinheiro era que as pessoas acreditavam nas moedas cunhadas pelo Governo
justamente porque o Estado garantia que elas eram de ouro ou de prata puros. Mas
a quantidade de ouro e prata era limitada pela extração. Então um tal Sólon
passou a cunhar moedas com mistura de metais, ou seja, não era ouro ou prata
puros. Como o Governo aceitava tal dinheiro, o povo também começou a aceitar. Essa
é a essência da desvalorização do dinheiro. Isto permite ao governo pagar suas
dívidas, investir em obras públicas, tanto hoje como era na Antiguidade.
O difícil do dinheiro, seja moeda ou papel, é achar a medida
de troca entra todas as coisas disponíveis para serem compradas (seja material
ou serviço). O real sentido de medida
até hoje ainda não é bem definido. Isto é discutido no capítulo sobre o lucro.
A dificuldade está em determinar quanto de uma mercadoria equivale a uma certa
quantidade de outra mercadoria. Se falarmos de serviços então, a dificuldade é
maior. Algumas mercadorias, pela sua utilidade, são mais procuradas do que outras
e por isto possuem mais "valor". Este é o conceito de
"valor", que será abordado
mais adiante neste livro, no capítulo referente ao lucro.
É o que acontece com o cartão de crédito também. O inventor deste tipo de dinheiro esqueceu a carteira num jantar. Então pensou que poderia fazer cartões para seus amigos pagarem jantares, sem precisar que levassem a carteira. E assim criou o Diner´s Club.
Hoje temos dinheiro virtual ou
eletrônico. Ele está no banco mas passa de conta para conta, através de
diversos tipos de operações: pagamento de boletos, transferência bancária,
cheques. Não é mais necessário carregar dinheiro no bolso, ir até o banco ou
caixas eletrônicos. E mais recentemente os pagamentos eletrônicos com
maquininhas e até mesmo dispositivos móveis como celulares e tablets.
Estamos cada vez mais utilizando
diferentes tipos de dinheiro. As milhas aéreas e os pontos em programas de
fidelidade podem ser trocados por mercadorias, dinheiro em conta e até mesmo
comercializados entre clientes.
A grande inovação são as moedas virtuais ou digitais. No
mundo virtual do Second Life havia uma moeda de troca interna a este ambiente
digital. Ela permitia comprar bens e serviços dentro deste mundo virtual. Mas
também tinha um valor de paridade para troca por moedas reais.
O exemplo sensação do momento é o Bitcoin. Como a essência
do dinheiro é ter pessoas que acreditem nele, o Bitcoin existe como uma moeda
qualquer mas só funciona no grupo de pessoas que acreditam nele. Mas este grupo
está crescendo cada vez mais. O objetivo é que pessoas possam receber pagamento
e pagar com esta moeda no mundo real. Há até terminais eletrônicos (cash dispensers) para tais operações. A
ideia central é ter computadores espalhados pelo mundo, utilizando um algoritmo
criado por Satoshi Nakamoto, para garantir quem tem Bitcoins e o quanto possuem.
Isto evita gastos duplos. Bitcoins podem ser guardados em computadores como uma
carteira virtual ou em serviços prestados por terceiros.
Bitcoin é a implementação de um conceito chamado
"criptomoeda", descrito originalmente por Wei Dai, em 1988. O
interessante é que este tipo de moeda só funciona se houver muitas pessoas
apostando. É o contrário do conceito de raridade que fez surgir e evoluir o
dinheiro no mundo. Mas atualmente há muita gente acreditando em Bitcoins, o que
fez até mesmo surgir especuladores, pensando em ganhar dinheiro com compra e
venda como lá na Idade Média.
Mas a grande inovação deste tipo de moeda é que não é
necessário ter uma entidade central (banco ou governo) para garantir a
autenticidade. A princípio, isto evitaria inflação, pois não a quantidade emitida
de Bitcoins é controlada (por uma regra pré-definida). Segundo Ortega y Gasset: "o poder social do dinheiro será tanto
maior quanto mais coisas haja para comprar, não quanto maior seja a quantidade
do dinheiro mesmo". Por outro lado, este tipo de moeda recebe críticas
porque, uma vez que é difícil de ser rastreada, pode fomentar negócios ilegais.
Bibliografia:
FERGUSON, Niall. A ascensão do dinheiro - a história
financeira do mundo. São Paulo: Planeta do Brasil, 2009.
FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga. 4a ed. SP: Martins Fontes, 1998.
(Original: la cité antique)
ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. 1930. (e-book)
RIDLEY,
Matt. The origins of virtue - human instincts and the evolution of cooperation.
Londres: Penguin books, 1996. (em português, "As origens da
virtude").
VERSIGNASSI, Alexandre. Crash : uma breve história da
economia: da Grécia Antiga ao século XXI. São Paulo: Leya, 2011.
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