Cada um deve dar conforme sua capacidade e cada um deve
receber conforme sua necessidade (Karl Marx). Este é o princípio do
Cristianismo primitivo. Vemos isto numa família. Pais não se importam de dar
mais que os filhos, e nem que os filhos recebam mais. Mas entre irmãos a coisa
já não funciona tão bem assim. Um irá dizer "por que eu ganho menos se
estou ajudando mais ?".
Este princípio é o espírito de fraternidade que Jesus pregou
e que esteve presente também na Revolução Francesa. Num grupo pequeno, é
possível que dê certo. Mas quando o grupo cresce demais, os enganadores ou
aproveitadores (cheaters) aparecem e estragam
a festa. Aí então o comunismo deixa de funcionar. Matt Ridley (no livro "As
origens da virtude") já dizia que os aproveitadores já existiam quando os
homens eram caçadores-coletores. Alguns saíam para caçar e outros ficavam
esperando os resultados. Em alguns casos, havia a condescendência: os que
tinham caçado não se importavam muito em dividir com quem não tinha se
esforçado. Mas isto acontecia quando o resultado da caça excedia as
necessidades. Quando era insuficiente ou quando isto se repetia muitas vezes,
nem mesmo o nobre selvagem para aguentar os aproveitadores.
Talvez a revolução da agricultura, impondo especialização de
trabalho e erguendo os pilares do governo e da justiça, tenham ajustado o curso
da divisão entre os homens. E piorou no momento em que alguém delimitou um
pedaço de terra e chamou de seu (e aí nasceu o direito de propriedade). Os
animais domesticados também tinham donos (e os filhos destes também já nasciam
como propriedade). Mas o mamute e a gazela que viviam soltos eram de quem os
pegasse primeiro.
Se um grupo social consegue controlar os aproveitadores,
estes ou são punidos ou então
desaparecem (se tornam cooperadores ou vão para outro
grupo). Mas num grupo grande é difícil controlar quem realmente está fazendo e
quem está fingindo. E não estou falando só de sociedades mas também empresas.
O prof. Palazzo fala dos "pequenos irmãos (small
brothers)" (ver post aqui). Cada pessoa controla a outra. E todos estão sendo observados
por seus pares (não por ua entidade centralizadora). Foi o que aconteceu no
filme de Hithcock "Uma janela indiscreta". Mas hoje, com tanta
tecnologia disponível e acesso à informação, é possível monitorar com mais
detalhe o que os outros estão fazendo. E nem sempre tal controle é intencional.
Quando um motorista de carro atropelou vários ciclistas em Porto Alegre, alguém
estava com a câmera do celular ligada e filmou o acontecido.
Entretanto, tal controle dos "pequenos irmãos" pode
extrapolar os direitos e deveres. Estamos vendo diversos casos de
"justiça" com as próprias mãos. E aí Matt Ridley de novo nos explica:
quando aqueles que devem punir não punem os aproveitadores (nestes caso, o
Estado), os que se sentem lesados punem os que deviam punir com mais
intensidade.
Então chegamos à tal meritocracia. Cada um recebe conforme o
que dá.
Mas o que é mérito, como medi-lo ? Por horas trabalhadas ?
Então um engenheiro deve ganhar menos que um operário ? Ah, então seria pelo
grau de instrução ou tempo de formação ? Então, só o diploma já me garante um
salário ? Ou seria medir o mérito pela criatividade, esforço mental e capacidade
de resolver problemas ? Ou então medir pelos resultados ? Num projeto, quem
deve receber mais ? Se alguém do time sair, o projeto não dará certo.
Jeremy Rifkin escreveu "O fim do emprego". Ele
conta como a tecnologia está alterando o trabalho. Alvin Toffler ("A
Terceira Onda") também já havia escrito sobre isto na década de 80. Todos
sabem: o número de postos de trabalho gerados pela tecnologia não cresce na
mesma medida que diminuem os postos eliminados pela tecnologia. E o que é pior:
aqueles que perdem o emprego por causa da tecnologia não são os que vão ocupar
os cargos criados por ela.
Até vejo iniciativas dos governos tentando dar capacitação
para jovens e até mesmo para os mais experientes que precisam de recolocação.
Mas os esforços ainda estão em modo linear na guerra contra a exponencial da
tecnologia.
E o final é triste. Vejo um senhor de idade vendendo balas
numa sinaleira. Alguém poderá dizer que ele não quis aproveitar as
oportunidades quando jovem. É justo que cada um colha o que plantou. Mas se ele
tentou e o destino não lhe sorriu tanto assim ? Um bilionário da Internet ou um
especulador das bolsas de valores são mais merecedores do que este senhor ? Usaram melhor seu cérebro, seu tempo, seus
contatos, o dinheiro que ganharam e as demais oportunidades recebidas ?
E o lucro ? É justo que o empresário receba mais que o
empregado ? Os empregados foram defendidos por Marx e Engels. Mas o empresário irá
dizer que está assumindo o risco. Quando um empreendedor contratava pessoas
para buscar sal no deserto, ele pagava os custos do projeto (camelos, água,
mantimentos) e ainda assumia o risco. Se o grupo se perdesse ou fosse
assaltado, as perdas eram só do empreendedor. Mas qual a parcela de cada um
neste jogo ? O que cada um deve receber ?
O que temos hoje é um contrato social entre as parte, regido
pela tal "lei da oferta e da procura". Mas este acordo muitas vezes é
assinado na pressão. Alguém assina para perder porque já não tem mais nada.
Seria possível ser igualitário ? Na tribo Ponam (conforme
Ridley), homens saem para pescar. Um empresta a rede, outro o barco e outros só
entram com seu trabalho. Todos recebem parcela igual dos resultados.
Alguém já disse por aí, provavelmente no Facebook: o mundo
não é justo. Estamos lutando para que a justiça aconteça.
Alguns livros para complementar o assunto:
- Race
Against The Machine: How the Digital Revolution is Accelerating Innovation,
Driving Productivity, and Irreversibly Transforming Employment and the Economy,
de Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee
- The New
Division of Labor: How Computers Are Creating the Next Job Market, de Frank
Levy e Richard J. Murnane
- meu futuro livro sobre "A História da Inovação -
volume I - As grandes revoluções tecnológicas da Humanidade", onde vou
comentar mais sobre a origem do lucro, os grupos sociais, a vida dos
caçadores-coletores, e sobre as revoluções da agricultura e industrial e as
mudanças que causaram na divisão do trabalho, no papel do governo, etc.
- meu futuro livro (ainda distante) sobre "Disseminação
do Conhecimento: como a informação se espalha, seja boa ou ruim, seja verdade
ou boato", onde contarei mais sobre a cooperação, altruísmo e egoísmo.
Um comentário:
Excelente artigo! Muitas perguntas difíceis de serem respondidas. Um abraço prof. Stanley!
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