sábado, 25 de abril de 2015

A Evolução do Homem

Este é um capítulo do meu futuro livro "A História da Inovação". Para contar como a inovação começou, precisei estudar artigos e livros de antropologia e entender como o Homem se desenvolveu, principalmente o cérebro, a inteligência e a criatividade. Aqui vai um resumo dos meus estudos.

O Início de Tudo

Segundo Leakey (1981), as medições mais recentes apontam para 13,3 a 13,9 bilhões de anos atrás como o início do Universo como conhecemos hoje. O que havia antes não se sabe. Talvez fosse um Universo parecido como este, que acabou encolhendo e virando uma bola de matéria compacta. E daí a explosão (big bang) para formar o que conhecemos hoje.

A formação do Sol, dos Planetas e da Terra se dá em 4,6 bilhões de anos atrás. Cem milhões de anos após o nascimento do Sol, um asteroide do tamanho de um planeta bateu na Terra. Os estilhaços passaram a girar ao redor da Terra e formaram a lua. 

Há 200 milhões de anos atrás, a Terra vivia a Pangeia, onde todos os continentes estavam ligados. A separação ocorreu há 100 milhões de anos.

A vida na Terra começou há 3,5 bilhões de anos com seres unicelulares. No livro “Diversidade da vida”, Edward O. Wilson (1994) explica bem como aconteceu a evolução destes seres para criaturas mais complexas. A explosão cambriana se deu 500 a 540 milhões de anos atrás, quando animais macroscópicos, grandes o suficiente para serem vistos a olho nu, evoluíram por irradiação gerando as criaturas atuais. A vida começou na água mas os animais saíram da água para buscar alimentos e aí surgiram os répteis e por aí vai.

A teoria mais aceita atualmente para esta diversificação é o Evolucionismo proposto por Charles Darwin e Alfred Russel Wallace.


A evolução do gênero Homo


Um resumo da nossa evolução:
Australopithecus è Homo habilis è  Homo erectus è  Homo Heidelbergensis è Homo sapiens è Homo sapiens sapiens


Segundo Jared Diamond (1997) no livro “Guns, Germs and Steel”, a separação do Homem dos macacos se deu há 7 milhões de anos atrás (de 5 a 9 milhões de anos).

O último ancestral comum aos chimpanzés e seres humanos que se tem conhecimento é o fóssil Lucy, descoberto na Etiópia em 1974, datando de 3,2 milhões de anos atrás (Johanson, 1994). Pesava 50 quilos e media 1 metro e 20 centímetros. Foi classificada como Australopithecus afarensis.

Segundo Leakey, anterior ao Australopithecus, havia o Ramapithecus, que desaparece dos registros fósseis há 8 milhões de anos, gerando um “gap” de 4 milhões de anos. Ainda se busca o tal “Elo Perdido”, ou seja, busca-se encontrar fósseis deste período para explicar e ligar as espécies, detalhando mais nossa a evolução.

Conforme Richard Potts (1998), pesquisas sugerem que nosso primeiro habitat foram as florestas. As árvores eram seguras contra predadores e ofereciam alimentos (folhas, frutos, grãos). Então o clima esfriou e as florestas tropicais diminuíram. Com menos árvores, os Hominídeos precisam descer das árvores em busca de alimentos. Mas andar de quatro no chão não é vantagem. Não se consegue defender ou atacar, nem mesmo enxergar o inimigo. Por isto, nossos ancestrais começam a andar em 2 pés. Segundo Leakey (1981), há registros de Hominídeos andando em pé há 3,75 milhões de anos. As mãos livres também permitem carregar alimentos e jogar pedras. A passagem para o bipedismo é dramática, gerando mudanças radicais nos ossos, músculos e órgãos internos.

Conforme Steven Mithen (1999), compartilhamos 99% do DNA com macacos. Então as diferenças físicas entre pessoas de raças diferentes, apesar de bem visíveis externamente, refletem pouquíssimas diferenças nos genes.


O Homo habilis


O Homo habilis aparece há 2 milhões de anos atrás na África Oriental. Seu cérebro tem cerca de 800 cm3 (Leakey, 1981). São os primeiros a utilizar ferramentas de pedra totalmente feitas por eles e também são os que iniciam o consumo de carne, sem deixar de serem herbívoros (chamados onívoros, pois comiam de tudo). Os dentes caninos são evidência do hábito de comer carne.

Talvez o ato de comer carne tenha vindo da imitação dos grandes predadores. Olhando a força e a dominação destes animais, o Homo habilis deve ter desejado ser tão forte que começou a imitar os hábitos dos grandes predadores.


O Homo erectus


O Home erectus aparece entre 2 milhões e 300 mil anos atrás (Leakey, 1981). Seu cérebro tem cerca de 900 a 1.100 cm3. É um caçador-coletor. Segundo Hassen Chaabani (2008), foram os primeiros a migrar para fora da África, aproximadamente há 1,7 milhão de anos (data determinada por fósseis).

A nossa origem (de todos os seres humanos) foi rastreada por análise de DNA resultando em que somos descendentes de um indivíduo do sexo feminino que viveu na África Oriental, chamada de Eva mitocondrial. Nossa origem está nas savanas africanas.

Uma segunda migração para fora da África ocorreu entre 840 e 420 mil anos (determinada por análise da hemoglobina β e regiões no cromossoma 16) e uma terceira migração ocorreu entre 150 e 80 mil anos atrás.

Segundo Steven Mithen (Depois do Gelo, 1997), a saída da África se deu pelo que hoje é o Egito ou pelo Golfo de Aden, entre África e Ásia (ponta do mar Vermelho), com destino ao Oriente Médio. Daí os nômades subiram para Europa (Ocidental e Oriental). Deslocaram-se da Ásia até a América, via Estreito de Bering, chegando até o que hoje é o Alaska, passando por China e Rússia, e dali desceram para povoar toda a América. Há quem suponha também que alguns conseguiram chegar até a América pelo Oceano Índico, vindo das ilhas polinésias. Prova disto é a colonização da Ilha de Páscoa e a habilidade daqueles povos em fazer canoas. Conforme Leakey, um desvio de 20 km por geração cobre 14 mil km em 20 mil anos. A figura abaixo ilustra os movimentos migratórios.






O Homo erectus desenvolve novas técnicas de caça (organizada, utilizando a cooperação para encurralar presa). Tem menos pelos e sua mais. Utiliza praticamente a mesma tecnologia no período em que existiu (não houve muita evolução nas ferramentas, apesar do período longo), consistindo de machados manuais (formato de lágrima) e ferramentas para escavar, além do uso do fogo.

Segundo Kirkpatrick Sale (2006), suas ferramentas sugerem que o processo de criação incluía ideias de projeto, ordem, sequência, separação, simetria, diametrização, paralelismo, tridimensionalidade e noções de padronização. Mas as ferramentas permaneceram as mesmas sem muita inovação.

A propósito, cozinhavam alimentos com o fogo e dentro de cavernas (moradias com formato oval). Cozinhavam para pré-digerir os alimentos (facilitar ingestão e digestão). Os alimentos incluíam a carne (principal alimento), tubérculos e vegetais e também frutos do mar.

O intestino era menor, dando a entender que a dieta do Homo erectus tinha mais qualidade e menos quantidade. Kirkpatrick Sale diz que não há evidências de caça de animais grandes. Provavelmente comiam carne refugada (ou excessos) de grandes predadores.

Segundo Kirkpatrick Sale, viviam em grupos estimados de 25 indivíduos, 5 ou 6 famílias.
Não havia líderes, chefes ou xamãs. Eram nômades, então não possuíam habitações, nem campos permanentes. Não usavam ornamentos nem roupas e por isto não tinham noção de posse ou direito de propriedade.

Não acumulavam bens ou comida. Ferramentas eram raramente carregadas, uma vez que poderiam fazê-las no lugar onde estivessem com os materiais locais. Então também não havia o sentimento de ciúmes, pelo menos sobre materiais.

Não faziam túmulos nem tinham religião ou mágicas, associadas a crenças em espíritos e vida após morte. Aceitavam a morte como parte normal do ciclo da vida. Por isto, não faziam rituais de sepultamento nem criavam mitos para negar a morte ou estender a vida em outro mundo.

Era uma vida de cooperação e compartilhamento, vivência em família e parcerias, intensas relações sociais e cuidado mútuo, igualdade de sexos e classes, sem sinais de hierarquias ou autoridades.

A pelvis era menor, restringindo o parto, por isto bebês tinham cabeças pequenas. Um cérebro maior exige mais tempo para formação, o que gera mais trabalho para pais alimentarem os bebês e mais tempo de aprendizado fora do útero para adaptação ao ambiente natural.

O´Connell e parceiros (1999) sugerem que a expectativa de vida aumentou com o Homo erectus, gerando avós. Ou seja, os indivíduos viviam mais e conseguiam conhecer seus netos. Os avós tinham uma grande importância ajudando a cuidar dos netos, enquanto pais caçavam e colhiam.

Este era o chamado “nobre selvagem”, vivendo harmoniosamente com a natureza e entre si, numa sociedade pacífica, com comida para todos, com cooperação e compartilhamento, ajuda mútua e com pouca violência entre grupos ou intragrupo. Alguns autores (entre eles Jared Diamond) chegam a afirmar que este seria o melhor modo de vida para os humanos, melhor que a sociedade atual e que o período em que a agricultura dominou.

Conforme Richard Potts (1998), o uso de ferramentas, a caça, compartilhamento de comida, grande cooperação social parecem estar associados a uma vida em ambientes não tão abertos. Muitas mudanças evolucionárias ocorreram nos Hominídeos durante o último milhão de anos. Um rápido aumento no volume do cérebro ocorreu entre 780 e 130 mil anos atrás. Pesquisadores sugerem que este aumento do cérebro está associado a mudanças climáticas, necessidade de encontrar comida, fabricação de ferramentas e vivência em grupos. A evolução então teria se dado por necessidade de adaptação a diferentes ambientes (e nada favoráveis).


O Neanderthal

Segundo Leakey (1981), o Neanderthal tinha cérebro de 1400 cm3 (o mesmo que o Homo sapiens) e viveu na Europa entre 130 e 70 mil anos durante uma Era glacial (noites geladas e verão com 15o C). Tinham testa mais baixa, eram mais fortes que humanos modernos, tinham arcadas superciliares proeminentes, altura aproximada de 1,67 cm. Eram peritos na caça, faziam roupas para frio, faziam sepultamentos com rituais, cuidavam dos doentes. Conviveram durante certo período com o Homo sapiens (inclusive nos mesmos lugares). A diferença principal para o sapiens é que usavam a pedra lascada (diferente de fazer ferramenta polindo ou refinando), dando a entender que não eram tão inteligentes quantos os sapiens.
Desapareceram há 35 ou 40 mil anos, provavelmente sobrepujados pela competição com sapiens ou pelo cruzamento com sapiens (e desaparecimento dos genes e traços dos Neandertais).

Os Neanderthais teriam tido um ancestral comum com o Homo sapiens, mas tinham olhos e corpo maiores. Olhos maiores porque viviam no norte da Europa onde tinha menos luz. Uma hipótese é que os Neandertais teriam se extinguido porque não tinham as mesmas capacidades cognitivas que o Homo sapiens. Uma teoria para esta diferença cognitiva é que, com olhos e corpos maiores, os Neandertais necessitavam mais área no cérebro para coordenar os olhos e corpo. Outra teoria é que olhos maiores ocupavam mais espaço no crânio, diminuindo espaço para o cérebro. Menos cérebro, menos capacidade para processar informações, menos condições para coordenar interações sociais. E menos chances de sobrevivência (a tão criticada seleção de grupo).


O aumento do cérebro e o Homo sapiens

O Homo sapiens aparece nos registros arqueológicos há 170 mil anos (Mithen).

Segundo Peter Gardenfors (2003), somos a única espécie capaz de:
  • ·         Pensar no futuro,
  • ·         Fazer ferramentas para usar no futuro (outros animais fazem ferramentas mas para uso imediato),
  • ·         Comunicar fatos sobre passado e futuro (mas alguns animais como macacos e golfinhos podem planejar guerra e emboscadas),
  • ·         Realizar representação simbólica do mundo (Dehaene, 1999, discute se outros animais podem contar),
  • ·         Ter empatia (mas outros animais também tem),
  • ·         Fazer simulação da mente de outra pessoa (o que o outro está pensando),
  • ·         Auto-consciência,
  • ·         Poder escolher que som produzir (articular a fala),
  • ·         Simular ambientes.


Philip Johnson-Laird (1983) complementa que somos capazes de produzir 3 tipos de representação: proposições (sequência de símbolos), modelos mentais (analogias do mundo real) e imagens (modelos).

Dennet (1976) argumenta que houve uma transição de uma intencionalidade de primeira ordem para segunda ordem. Um sistema intencional de primeira ordem possui crenças e desejos, mas não pode raciocinar sobre estas crenças e desejos. O sistema de segunda ordem tem crenças e desejos sobre as crenças e desejos de si mesmo e dos outros.

O Homo sapiens é a espécie do gênero Homo com maior cérebro. Segundo Steven J. Mithen (“Seven steps in the evolution of the human imagination”) e o livro de Leakey e Lewin (1980), o tamanho do cérebro de algumas espécies segue abaixo:
  • ·         chimpanzé 400-450 cc
  • ·         gorila 500 cc
  • ·         Australopithecus Afarensis 400 cm3
  • ·         Australopithecus africanus 450 cc
  • ·         Australopithecus robustus 500 cc
  • ·         Homo habilis 500-750 cc
  • ·         homo rudolfensis =  700 cm3
  • ·         homo ergaster = (1,75 milhões de anos) 850 cm3
  • ·         Homo erectus - fase inicial 900 cc
  • ·         Homo erectus - fase tardia 1500 cc
  • ·         Neanderthal 1500 cc
  • ·         Homo sapiens 1400 cc



A teoria é que um cérebro maior permitiu maior inteligência e com isto melhor adaptação, seleção e sobrevivência (inclusive com dominação sobre antigos predadores). Mais adiante neste texto há uma seção que explica o desenvolvimento do cérebro.

Não se sabe bem se o cérebro aumento porque começamos a comer carne ou se trocamos a dieta de vegetais pela carne para poder dar mais energia a um cérebro maior e mais ativo. O cérebro contribui com apenas 2% do peso do corpo humano mas exige 20% da energia produzida (Winston, 2006). Vegetais demoram a ser digeridos e assim demoram a gerar a energia demandada. A carne pode gerar mais energia em menos tempo e com menor quantidade de material. Kirkpatrick Sale sugere também que ácidos graxos tipo Omega podem também ter ajudado no aumento do cérebro, especialmente quando os primeiros hominídeos começam a se alimentar de peixes e frutos do mar.

Um cérebro maior exige mais tempo para formar e aprender. Macacos nascem e em poucos dias de vida e já são autossuficientes. A gestação humana de 9 meses não é suficiente para formar o cérebro. O bebê humano precisa dos pais para sobreviver por muitos meses e neste tempo vai completando a formação de seu cérebro.

O cérebro só não aumentou mais durante nossa evolução por 2 motivos:
a) exigiria uma pélvis maior nas mulheres para o parto, o que inviabilizaria andar em 2 pernas; e
b) exigiria mais energia, que nosso corpo não consegue produzir (o professor Alex Pentland alega ser possível introduzir no corpo humano energia de fontes externas para aumentar a capacidade do cérebro).

Talvez por acaso os primeiros hominídeos descobriram que cozinhar a carne a tornava mais fácil de digerir e mais saborosa. O livro de Wrangham (“Pegando Fogo - Como Cozinhar nos Tornou Humanos”, 2010) explica em detalhes esta parte de nossa evolução (há um resumo em http://super.abril.com.br/ciencia/panela-viemos-614296.shtml).

Uma das discussões é se um cérebro maior realmente favorece a inteligência. Nos seres humanos, isto não faz diferença. E até já analisaram o cérebro de Albert Einstein para ver se fisicamente havia alguma diferença para cérebros de pessoas normais. Não descobriram nada. Da mesma forma, animais com cérebro maior que o nosso não são mais inteligentes. Nem mesmo animais com cérebro maior em termos proporcionais ao corpo também não são mais inteligentes.
Winston (2006) afirma que o martelo permaneceu o mesmo durante 2 milhões de anos (sem inovações), mas o cérebro aumento 50% (do Homo erectus para o Homo sapiens). Mas quase triplicou do Homo habilis para o Homo sapiens e a diferença de invenções é bem superior.

O professor e pesquisador Robin Dunbar acredita que nos tornamos mais inteligentes não só pelo aumento da massa cerebral mas pelo aumento do grupo social. Mark Pagel compartilha semelhante opinião. Não foi a necessidade de criar ferramentas que fez o nosso cérebro mais inteligente, mas sim a necessidade de controlar nossos semelhantes.

Um grupo social maior exige mais inteligência para tratar com os outros, seja para cooperação, para observar os outros e formar reputações, seja para negociar e resolver conflitos. A conclusão dos estudos do prof. Dunbar é que o tamanho do cérebro é proporcional ao tamanho do grupo social e diretamente associado ao nível de inteligência da espécie.

Para ser inteligente, não basta um cérebro grande em tamanho ou em relação ao corpo. Somos a espécie mais inteligente mas não temos a maior relação, nem o maior cérebro. Mas o tamanho proporciona maior número de neurônios e mais chance de conexões (sinapses). E o que dá inteligência é justamente o poder de conexão entre os neurônios. E segundo o prof. Dunbar, a necessidade de gerenciar um grupo maior de pessoas exigiu mais conexões (mais memória para armazenar e recuperar, mais associações para fazer).

Sale contabiliza: num grupo de 6 pessoas existem 15 conexões possíveis 1-a-1. Já num grupo de 25 pessoas, as conexões sobem para 300. E sugere que este seria o limite diário de interações sociais num grupo harmonioso. Dunbar sugere que o limite do nosso cérebro está associado a um grupo de 150 pessoas, incluindo amigos diretos e indiretos.

Mithen (2006) vê evidências de que as vocalizações foram importantes para criar e manipular relacionamentos sociais, através do seu impacto nos estados emocionais.

Mas há autores que dizem que foi uma combinação de fatores que fizeram o cérebro evoluir, incluindo fabricação de ferramentas, caça, fogo, vida social complexa, linguagem e necessidade de adaptação a novos ambientes e condições adversas (Potts, 1998).

Alguns grandes mcados não tem muitos códigos, talvez porque não tenham muitos predadores e não precisem se comunicar para avisar um ao outro (Knight et al., 1995).


O Big Bang cerebral  - o Homo sapiens sapiens


Muitos pesquisadores (entre eles, Steven Mithen, no livro "Depois do Gelo”) acreditam que houve um salto na inteligência humana, uma explosão de criatividade, mais ou menos entre 50 e 40 mil anos atrás. Pringle (2013) fala que a revolução também aconteceu na África há 90 e 60 mil anos atrás.

Os martelos ficaram iguais por 2 milhões de anos. Aí houve um salto na forma, no tipo de material. Uma rápida geração de inovações.

Alguns acham que foi de origem biológica, por mudança drástica nos genes e em pouco tempo (Cochran e Harpending, 2010). A revolução no cérebro pode ter acontecido por introgressão de genes alelos vindos de Neandertais, pois aconteceu na mesma época em que sapiens e neandertais se encontraram na Europa. Há 75 mil anos a população humana deixou de crescer, muito provavelmente devido à catástrofe de Toba, uma explosão vulcânica, que, segundo alguns cientistas, até fez a população descer para 10 mil indivíduos no mundo todo, criando um efeito de gargalo na evolução humana.

Nesta época, também surgem os funerais, a arte e o sagrado, o misticismo e a imaginação, a consciência da existência própria, a linguagem complexa, assim como poder pensar no passado e no futuro. Muitos lembram a metáfora da maçã de Eva.

A evolução na criatividade é mais evidenciada pela Arte rupestre, que datam deste período, principalmente na Europa mas também em outros lugares do mundo. Também foram encontrados outros artefatos de arte (esculturas em barro, osso, madeira e pedra), e evidências de simbologia, sugerindo abstração, como estatuetas e ossos com sinais (Leakey).

A arte pode ter surgido para transmitir informação para pessoas cooperarem em ambientes hostis. Mas Chase (1994) diz que a cultura simbólica não era essencial para sobrevivência. Foi uma era caracterizada por novas invenções de coisas que não existiam no mundo real e que foram planejadas no mundo imaginário.

Esta revolução deu origem ao Homo sapiens sapiens (Leakey).
A dúvida é: por que aconteceu com descendentes de chimpanzés e não com golfinhos?


A Inteligência

Conforme Pinker (1998), inteligência é a habilidade de alcançar objetivos frente a obstáculos por meio de decisões baseadas em regras racionais.

A origem da inteligência é muito controversa. Uma das teorias evolucionistas é que o cérebro humano atual é formado por 3 camadas (Sagan, 1986). A primeira camada é o complexo Reptiliano, que existe nos répteis (de onde descendemos), que é responsável por controlar as funções básicas do corpo como respiração, alimentação e locomoção. A segunda camada é o sistema límbico, responsável pelas emoções. Somente os mamíferos possuem esta 2a camada. Isto significa que nem todos animais têm emoções. A 3a camada é o neocórtex, responsável pela inteligência, pela capacidade de pensar no passado, planejar o futuro, raciocinar, avaliar, decidir, etc. É a parte frontal do cérebro. Nos Neandertais, esta parte não era tão desenvolvida, por isto a testa deles era menor. Uma das razões possíveis, alegada por um recente estudo, é que eles tinham olhos maiores, pois viviam em regiões com menos luz, na Europa e assim precisavam de mais áreas do cérebro para controlar a visão (apesar de terem um cérebro maior que o Homo sapiens).

Segundo Cochran e Harpending (2010), houve um grande salto no desenvolvimento da inteligência humana quando a agricultura começou há 10 mil anos. Aqueles autores falam em indícios de muitas mutações em muitos genes, em pouco tempo. Em 10 mil anos, teríamos evoluído 100 vezes mais rápido que nos períodos anteriores (Ward, 2008). As causas possíveis podem ser devido à transição da caça-colheita para a agricultura: a mudança na dieta, a miscigenação devido ao aumento da população e mais contatos em grupos maiores vivendo em cidades, ao surgimento de doenças pelo contato com animais domesticados e pela pouca higiene por viver em um único lugar. Estes autores acreditam que a inteligência pode ser hereditária e cita o caso dos judeus asquenazes.

Por outro lado, Shenk (2011) conclui de seus estudos que o desempenho, seja físico ou mental, é decorrente da combinação de genes e ambiente, e não devido a somente um destes fatores.

Gabora e Kaufman (2010) afirmam que a diferença para nossos ancestrais está não somente no aumento na capacidade de memória mas também numa nova forma de utilizar a memória.

Segundo o psicólogo evolucionário Pinker (1998), a mente não é uma entidade única mas uma combinação de faculdades especializadas para resolver diferentes problemas adaptativos. Apesar de neurocientistas poderem identificar regiões onde certas operações acontecem, a plasticidade do cérebro indica que este órgão pode-se adaptar e nova regiões podem substituir operações feitas por regiões danificadas. 

Cosmides e Tooby (1997) definiram 5 princípios sobre a mente:
1. O cérebro é um sistema físico que funciona como um computador. Seus circuitos são projetados para gerar comportamento que é apropriado às circunstâncias ambientais.
2. Nossos circuitos neurais foram projetados por seleção natural para solucionar problemas que nossos ancestrais enfrentaram durante a evolução da espécie.
3. A consciência é só a ponta do iceberg. A maioria das coisas que acontece na nossa mente não é entendida por nós.
4. Circuitos neurais diferentes são especializados para resolver diferentes problemas adaptativos.
5. Nosso crânio moderno acomoda uma mente da idade da pedra.



FOXP2

O gene/proteína FOXP2 é responsável pela fala. É este gene que coordena a formação das cordas vocais. Quem não possui este gene não consegue articular a fala. E não é devido a causas neurológicos, mas sim por mal formação da garganta. Uma variante do foxp2 surgiu há 42 mil anos (Cochran e Harpending, 2010). Entretanto, conforme Kirkpatrick Sale, o gene já existia há 100 mil anos atrás, provavelmente não na forma como conhecemos hoje.

Krause et al. (2007) confirmam que os neandertais também tinham este gente, dando a entender que eram capacitados para fala e linguagem. Segundo Cochran e Harpending (2010), o tal gene pode ter surgido pelo cruzamento de sapiens e neandertais.

Entretanto, segundo Laitmanm (1983) apud Hassen Chaabani, registros arqueológicos indicam que modificações anatômicas, necessárias para produzir os principais sons que fazemos hoje, já estavam presentes no gênero Homo entre 400 e 300 mil anos atrás.

Uma teoria é que este gene, além de permitir a fala, também foi responsável pelo rápido desenvolvimento da inteligência. Aí fica a dúvida se a fala veio antes ou depois da inteligência. Segundo Dunbar, a inteligência aumentou porque o cérebro aumentou e este aumentou porque precisávamos controlar um grupo social maior (e aí a fala pode ter sido essencial).


A Criatividade


Segundo Leakey, o Homo erectus conseguia imaginar o formato das ferramentas e fazia pedras talhadas em simetria. Leakey afirma que a evolução humana produziu um mundo mais ordenado, com processos mentais sequenciais dominando a forma de pensar. Isto significa que o lado esquerdo do cérebro era mais desenvolvido e maior, fazendo prevalecer a formalidade e a linguagem.

Conforme Carl Sagan no livro "Os Dragões do Éden", o lado esquerdo do cérebro é que domina os humanos. Este lado é lógico, sistemático. É ele que avalia o passado e planeja o futuro. É responsável pela matemática e pela linguagem. É também o lado onde estão os escrúpulos. É ele que nos controla para não fazermos (ou mesmo pensarmos) coisas imorais ou fora da realidade. É sequencial, pois trata cada unidade de informação a seu tempo.

Já o lado direito é o lado criativo, responsável pelas imagens. E as imagens vieram antes da linguagem. É o lado que não tem regras nem controles. É também quem recebe os estímulos do mundo externo. É o agora, o presente e o local. É paralelo, pois trata todos os estímulos simultaneamente.

A brilhante palestra da Dra. Jill Bolte Taylor (acessar aqui https://www.youtube.com/watch?v=UyyjU8fzEYU) fala sobre como uma neurocientista estudou o derrame cerebral acontecendo consigo mesma e dá boas informações comparando os 2 lados do nosso cérebro.

Durante o dia, quem domina é o lado esquerdo. Temos regras, bom senso, não fazemos nem pensamos coisas erradas. Mas de noite, quando dormimos, o lado esquerdo está dormindo e aí o lado direito é que toma conta. Por isto sonhamos coisas loucas (por exemplo, infringindo leis da Física) e impróprias (sem escrúpulos).

Certos tipos de atividades exigem mais do lado direito. Criar ou solucionar problemas por exemplo. É por isto que muitas soluções e ideias criativas acontecem durante a noite, quando estamos sonhando ou quase dormindo. A revista Info da Editoral abril, na edição de janeiro de 2012, fez uma reportagem de como interferir nos sonhos para ter mais criatividade. Dizem que Paul McCartney sonhou com a música "Yesterday". E assim há outros tantos casos de ideias e soluções que surgiram durante uma noite de sonhos.

Segundo os estudos apontados por Sawyer (2006), criatividade não tem relação com QI, mas tem a ver com motivação.

Sawyer (2006) afirma que o Racionalismo é a crença em que a criatividade é gerada pela consciência, de forma deliberada, racional e inteligente. O Romantismo acredita que a criatividade surge espontaneamente a partir de eventos inconscientes e irracionais, exigindo uma regressão a um estado da mente dominado por emoções e instinto, uma fusão entre eu-próprio e o mundo, livre de racionalidade e convenções.

Pringle (2013) sugere que a criatividade se desenvolve quando há grande número de pessoas conectadas, onde uma "infecta" outra e novas ideias surgem. Koestler (1964), Johnson (2010) e Sawyer (2006) falam da importância de conectar ideias e amadurecê-las. Num grupo maior, este processo é acelerado. Geoffrey West diz que a inovação aumenta em grandes centros urbanos (assista a palestra dele aqui https://www.youtube.com/watch?v=XyCY6mjWOPc).

Basalla (1988) cita alguns autores falando sobre criatividade:
·      Karl Marx: a invenção é um processo social, baseado na acumulação  de muitos melhoramentos pequenos e não no esforço heroico de alguns poucos gênios.
·      Ogburn: à medida que população cresce, a probabilidade de inventores também aumenta; se inventores nascem numa cultura que provê treinamento técnico e premia inovação, inventores irão aparecer em grande quantidade; o surgimento é devagar, mas a acumulação de inventos acelera porque há mais elementos para combinar; a reação em cadeia que acelera inovações.
·      Eugene Ferguson: pensamento visual, não-verbal domina criatividade; primeiro acontece a imagem ou visualização na mente do inventor



O Fim da Evolução ?

Segundo a opinião de Cochran e Harpending (2010), a Evolução Humana parou (ou desacelerou) quando o ambiente ficou mais estável (como se a espécie tivesse atingido seu ponto ótimo para aquele ambiente).

O que estaria evoluindo seria a cultura e não os genes. A teoria é que vivemos num mundo tão estável que não haveria mais seleção natural por adaptação ao meio; já estamos adaptados totalmente ou então adaptamos o meio ao nosso desejo.

Os próprios Cochran e Harpending acreditam nesta estabilidade: criamos casas e roupas para frio, remédios para doenças, ferramentas e máquinas para o trabalho pesado. Não precisamos mais evoluir no corpo. E até  o cérebro humano parou de crescer. Talvez estejamos só evoluindo na capacidade do cérebro.

Por outro lado, estamos vendo indícios de atavismos. Por exemplo, muitas pessoas com intolerância a lactose. Antigamente, adultos não tomavam leite. E crianças só tomavam o leite materno. Com a domesticação de animais (cabras e vacas), todos passaram a tomar leite. A seleção natural fez sobreviver os que tinham o gene que permitia aceitar o leite que não era humano. Mas os antigos genes, que não toleravam leite de outras espécies, podem estar voltando. Da mesma forma, pessoas que não podem consumir glúten podem indicar a volta de um gene que não se deu bem com a agricultura. E quem sabe até os distúrbios de atenção (discutidos mais adiante quando falarmos da revolução cerebral que a Internet está causando).

E, por fim, há também indícios pequenos de evolução genética. Há um caso de uma mulher na África que é imune ao HIV. Se seus genes forem difundidos, talvez daqui a algumas centenas de anos a maioria dos humanos poderá ser imune a este vírus.

Em outro capítulo, será discutida em detalhes a maior revolução que aconteceu na evolução do Homem: a criação da agricultura.

Referências Bibliográficas


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