segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O segredo do sucesso do Vale do Silício



Resumo do Livro:
SCARUFFI, Piero. A History of Silicon Valley - Almost a 3rd Edition (ebook).

Este livro conta a história das tecnologias da informação desde 1900, com muitos detalhes, incluindo nomes de pessoas que fizeram acontecer, lugares, datas, etc.

Fala de todas as tecnologias, incluindo a história do computador, computador pessoal, PC, mouse, vídeo games, software, automação de escritórios, redes de computadores, Internet, etc. Conta a história das empresas, como nasceram, cresceram e até mesmo daquelas que já morreram. O foco é nas empresas do Vale do Silício e como esta região se desenvolveu de 1900 até os dias atuais.
Mas como mesmo o autor enfatiza, é preciso conhecer a história como um todo. Por isto, ele descreve a história das tecnologias no mundo todo e como o Vale se inseriu neste contexto.

Mas o principal no livro é destacar os motivos que fizeram o sucesso do Vale do Silício.

Aí vai um resumo dos fatores impulsionadores.

- Os Hobbistas
Esta é a ideia de prosumidor, que consome e produz algo, já foi descrita em outros livros (“A 3ª Onda”, de Alvin Toffler e “The Zero Marginal Cost Society” de Jeremy Rifkin).
No Vale, eram pessoas que tinham por hobby trabalhar com eletrônica e tecnologias (depois passou a software). Usando kits amadores, construíam novos produtos. O mais conhecido deles talvez tenha sido Steve Wozniak que criou junto com Steve Jobs o primeiro computador pessoal.
Eles trocavam conhecimentos em Comunidades e davam suporte. Produziam e consumiam computadores, modems, software, etc. E davam suporte aos novatos, como uma empresa hoje em dia dá suporte pago. Aqui no Brasil talvez o caso mais conhecido seja das BBS que deram origem a provedores de Internet.
No início, lá no Vale, era só uma paixão individual, até que marketeiros ou empresas ou universidades viam potencial para desenvolvimento de produtos para o mercado.
Por isto, muitas empresas começaram em garagens (como Apple e Microsoft).
Scaruffi conta que os jovens nerds do Vale eram muito individualistas e não chegavam a ter grandes acontecimentos sociais. Ficavam muito em casa e não gostavam de trabalhar em empresas com hierarquias e regras. A maioria nem frequentava universidades. Adeptos do “faça você mesmo”, estavam focados em usar e criar tecnologias.
Ali nasceram lojas especializadas para hobbistas e muitas deles cresceram sendo pioneiras na comercialização das inovações, que inicialmente eram para outros hobbistas mas que logo chegaram à vista de consumidores comuns. Este foi o caso do computador Apple II.
Os hobbistas, seus clubes e comunidades e as lojas especializadas afrontaram as grandes empresas.


- Pequenas empresas e spin-offs
Scaruffi fala sobre várias empresas pequenas com menos de 10 funcionários criando inovações. Algumas, como dito antes, saíram de garagens. Outras foram criadas a partir de projetos em Universidades, as chamadas spin-offs (falarei das Universidades mais adiante).
Muitas delas não sobreviveram mas deram origem a novas empresas, ou então, seus engenheiros e empreendedores acabaram em outras empresas do Vale.
Scaruffi defende que, como células de um organismo vivo, o importante não era manter as células vivas mas sim o organismo. E para tanto, células velhas deviam ser eliminadas naturalmente.

- Rotatividade de pessoal
Este processo dinâmico de geração e morte de empresas, também gerava muito turnover nas empresas. Até porque elas estavam próximas umas das outras e certamente era relativamente fácil sair de uma empresa e ir para outra com um projeto ou salário melhor. As pessoas preferiam a mobilidade horizontal (entre empresas) mais que a vertical (subir na hierarquia dentro da mesma empresa).
A rotatividade de pessoal técnico foi essencial para o Vale porque gerou troca e aperfeiçoamento de conhecimentos.
No Vale também, teve início a cultura de tratar os empregados como família e fazê-los sócios, dando ações da empresa (stock options), além de permitir que os donos da empresa fossem tratados pelo primeiro nome. Também não havia regras para horas de trabalho nem vestimentas (dress code). As empresas se esforçavam em transformar seu ambiente num campus colegial.
As empresas do Vale ficaram conhecidas (e são até hoje) por contratarem os melhores dos melhores.


- Competição e cooperação entre empresas
As empresas “conversavam” entre si, trocando conhecimento mas também utilizando produtos umas das outras. Havia uma simbiose, que ora se manifestava como uma cooperação ora como uma competição, onde uma tentava copiar e fazer melhor algo que outra havia inventado.
As empresas guardavam seus segredos industriais, mas olhavam para o que outras estavam fazendo, e não tinham medo de abrir seus projetos para trabalhar em conjunto com outras empresas. Foi assim que nasceu o DOS da Microsoft, a interface gráfica do Macintosh. Por outro lado, a Netscape morreu pela competição desleal da MS.
A concentração física das empresas também funcionava como vitrine para olhares de investidores e facilitava atrair mão de obra altamente qualificada.

- Imigrantes
Scaruffi cita o nome de vários imigrantes de várias nacionalidades (russos, poloneses, judeus, chineses, europeus, etc) que tiveram participações importantes nas inovações geradas no Vale. Sem eles, até mesmo para a mão de obra mais básica, o Vale não teria sobrevivido. Mas muitos deles foram os que tiveram as ideias principais.

- Contracultura e informalidade geram criatividade
A Califórnia era conhecida como o centro da contracultura. Se no lado leste, todos eram formais e bem comportados, no lado oeste até mesmo empreendedores e bilionários usam jeans. Havia o espírito de rebeldia, que se manifestava na música, nas artes e no início do ativismo gay.
Scaruffi acredita que este tipo de ambiente, longe das regras, deve ter favorecido a criatividade também na área técnica.
Esta contracultura era caracterizada pelo sentimento de ir contra tudo e todos e calcada fortemente na ideia de que era possível mudar o mundo.
Só para lembrar, Steve Jobs foi um hippie antes de fundar a Apple e disse que queria deixar “um dente no Universo”.


- Universidades
Elas têm um papel fundamental no Vale. Dali partiram as ideias iniciais das grandes inovações. Muito investimento recebido foi utilizado para criar laboratórios de inovações nas Universidades. Professores eram contratados e projetos financiados. Alunos se engajavam curiosos no início, mas depois tornaram-se engenheiros de computação, eletrônica ou de software. E este era um status maior que executivos de marketing e só ficava atrás dos empreendedores.
Nas Universidades do Vale, o espírito é bem diferente do quase feudalismo nas universidades da Europa, onde o Professor só fala com os alunos com reuniões marcadas.
Durante a Grande Depressão que iniciou em 1929, muitos professores estimularam seus alunos a criarem seus próprios negócios. E este sentimento continua até hoje.


- Capital de risco: anjos retribuindo
Sem dúvida, muito do dinheiro que chegou no Vale foi pelas mãos de investidores anjos. Ou de empresas de Venture Capital criadas por milionários. Muitos destes se fizeram no Vale mesmo. E daí assumiram a condição de serem responsáveis por retribuir investindo em novos empreendedores, como os mecenas nas artes. Uma espécie de gratidão pelo Vale ter lhes feito milionários.
A concentração de empresas e criatividade facilitava a atração de investidores anjos. E muitos bilionários chegaram mesmo a fazer filantropia para projetos em universidades e empresas. “Seja criativa enquanto você não é rico, e suporte a criatividade quando você for rico”.

- Capital de risco: assumir o risco do negócio
Um dos destaques do referido livro é que os empreendedores do Vale assumiam a condição de risco dos negócios. Era sabido e parte do investimento. Scaruffi chega a dizer que o pessoal do Vale transformou a capacidade de assumir riscos numa ciência.


- Estratégia
O Vale usava como estratégia identificar áreas promissores ou tecnologias disruptivas.
Aí empresas, universidades, governo e investidores focavam na tentativa de gerar inovações nestas novas áreas.
As inovações eram pensadas para nichos de mercado ou para criar novos mercados (tecnologias disruptivas). E o Vale conseguia prever a mudança de tecnologias.
Foi assim que muitas empresas de hardware se direcionaram para software.


- Papel do Governo Americano
Ao contrário do que defendia Adam Smith e corroborando a teoria de Keynes, o Governo foi muito importante para o desenvolvimento do Vale do Silício.
Primeiro porque o Governo era o principal cliente durante as duas guerras mundiais e foi também cliente durante a guerra fria. Os departamentos de defesa, espacial, de inteligência, etc, sabiam que só poderiam estar à frente dos inimigos ou competidores se tivessem novas e melhores tecnologias. A guerra tornou grandes as pequenas empresas.
Segundo o Governo interviu através de políticas, tais como dando ou evitando monopólios. A AT&T ganhou monopólio e com isto conseguiu desenvolver tecnologias de comunicação que foram importantes para a guerra e acabaram chegando ao mercado. Por outro lado, o PC só se popularizou porque a IBM foi obrigada pelo Governo a abrir a arquitetura do PC, o que permitiu que várias empresas (inclusive pequenas) criassem peças e software para microcomputadores.
O Governo também estimulou a cooperação entre universidades e empresas, desempenhando um papel importante ao juntar ambos lados em projetos estratégicos.
As inovações geradas para a área militar acabavam voltando para as empresas, gerando novos produtos para o mercado consumidor (por exemplo, o GPS).
O Governo também incentivou investimentos baixando o imposto sobre o capital de risco, o que fez com que muitas pessoas e empresas investissem nas startups do Vale.
E até mesmo chegou a arcar com uma parte dos investimentos. Durante a Guerra Fria, criou uma lei em 1958 pela qual o governo colocava 3 dólares para cada dólar investido numa startup por uma instituição financeira.


Scaruffi resume o espírito do Vale numa anedota: ele conta que quando trabalhava na Europa, quando alguém tinha uma ideia, o gerente perguntava: “Alguém já fez isto?”.
Se a resposta fosse sim, o gerente dizia “então estamos muito atrasados” e não valia a pena investir na ideia. Se a resposta fosse não, o gerente dizia “então não há necessidade para isto”.