segunda-feira, 21 de março de 2016

A influência das religiões para inovação e empreendedorismo

(mais um capítulo do futuro livro "As origens do nosso atraso")



A História do Brasil está intimamente relacionada ao domínio da Igreja Católica. A Igreja Católica historicamente foi contra inovações. Foi ela que fez a Inquisição na Europa, indo contra o conhecimento científico. A Inquisição dominava Portugal e Espanha e só acabaria nestes países respectivamente em 1821 e 1826, quando a Revolução Industrial já estava a pleno vapor. Conforme Landes (1998), em 1558, a pena de morte foi instituída para quem importasse livros estrangeiros sem permissão. Livros foram taxados de perigosos. Para Eduardo Bueno (2006), “a reforma luterana estava toda ligada à leitura – da Bíblia e dos panfletos de Lutero. E na contra-reforma, articulada no Vaticano, mas posta em prática em Portugal e na Espanha, a leitura era tida como algo prejudicial."

Para mais histórias sobre destruição de livros, ver Báez (2004).

Já comentamos antes, que, por aversão ao novo, a Revolução Industrial não aconteceu na China, que era mais desenvolvida na Idade Média, mas tinha um imperador que era contra tecnologias e estrangeirismos.

Nosso atraso tecnológico, em parte, é explicado pelas limitações impostas pela Igreja Católica a Portugal. Laurentino Gomes (2014) lembra: “a segunda explicação para a decadência [de Portugal] era política e religiosa. De todas as nações da Europa, Portugal continuaria sendo, no começo do século XIX, a mais católica, a mais conservadora e a mais avessa às ideias libertárias que produziam revoluções e transformações em outros países. Por três séculos, a Igreja havia mantido submissos o povo, seus nobres e reis. Por escrúpulos religiosos, a ciência e a medicina eram atrasadas ou pouco conhecidas. Dom José, herdeiro do trono e irmão mais velho do príncipe regente, dom João, havia morrido de varíola porque sua mãe, Dona Maria I, tinha proibido os médicos de lhe aplicar vacina. O motivo? Religioso. A rainha achava que a decisão entre a vida e a morte estava nas mãos de Deus e que não cabia à ciência interferir nesse processo.”

Talvez isto explique o porquê de os primeiros experimentos na educação serem iniciados aqui (Brasil Colônia). Tratava-se de um local onde não existiam leis rígidas, não habitando também homens com culturas tradicionais como os nobres e clero em Portugal.” (Franco, 2007)

Entretanto, no Brasil, tivemos o caso infeliz do padre Landell de Moura, um dos inventores do rádio, que foi obrigado a desistir de suas pesquisas por pressão da Igreja Católica.

Na Europa, judeus e protestantes aceitavam bem o empreendedorismo e tinham a riqueza como recompensa de Deus pelo bom trabalho.

Segundo Landes (1998), o protestantismo tinha um apelo forte para certos tipos de pessoas, como homens de negócios e artesãos, cujos valores incluíam trabalho duro e sucesso nos negócios. Havia também uma relação forte entre o protestantismo e a ciência moderna.

Para Moog (1957), o catolicismo é incompatível com o capitalismo doutrinariamente. “Protestantismo e capitalismo têm afinidades. Calvino era contra a má aplicação da riqueza para ostentação (e não para acumulação). Empréstimo grátis só a pobres. Ociosidade é pecado contra Deus. Riqueza é resultado palpável de que a ação está correta”. Para o protestante, o trabalho é uma dádiva de Deus. Para o católico, o trabalho é uma punição.

Para Landes (1998), o Protestantismo acredita que os valores pessoais levam a trabalho duro e sucesso nos negócios, e tudo isto ligado ao incremento da ciência moderna. Já o Catolicismo tem certa aversão ao empreendedorismo e, por esta razão, segundo Landes, haveria mais empregados católicos nas fábricas dos protestantes ou ligados à agricultura: protestantes eram os empregadores e católicos eram os empregados. Na Suíça, regiões protestantes eram centros de exportação enquanto que as regiões católicas eram agrícolas. Na Inglaterra, os protestantes influenciaram a Revolução Industrial.

O avanço tecnológico na América do Norte pode estar relacionado à religião. Karnal et al. (2007) lembram que, nos EUA, “a pobreza era quase sempre vista como castigo advindo aos indolentes. Logo, acreditava-se ser imoral que o Estado ou qualquer organização privada interviesse nos assuntos econômicos. Alguns religiosos protestantes, influenciados pela ética calvinista de realização e responsabilidade individuais, justificavam essa concorrência com argumentos éticos e religiosos: ‘a santidade é aliada da riqueza’.”

De certa forma, assim como os judeus ocupando a terra santa, os colonos norte-americanos acreditavam estar cumprindo um destino divino. Karnal et al. (2007) explicam: “A ocupação das terras indígenas por parte dos colonos baseava-se em argumentos de ordem teológica. Os peregrinos haviam se identificado com o povo eleito que Deus conduzia a uma terra prometida. Tal como Deus dera força a Josué (na Bíblia) para expulsar os habitantes da terra prometida, eles acreditavam no seu direito de expulsar os que habitavam a sua Canaã. John Cotton, pastor puritano, fez vários sermões nos quais destacou a semelhança entre a nação inglesa e a luta pela terra prometida descrita no antigo testamento.”

Apesar da identificação com a religião, a ocupação tinha objetivo capitalista e não religioso, como foi na América Latina, onde portugueses e espanhóis tiveram o apoio de padres e jesuítas na conquista das terras e dos povos indígenas. Karnal et al. (2007) lembram que os ingleses que vieram para a América trouxeram uma tradição cultural diversa da espanhola ou portuguesa: eles conviviam com mais religiões. “O senso do relativo que a história inglesa ajudara a formar estabeleceria uma possibilidade de opção bem maior, uma visão de mundo mais diversificada para nortear as escolhas de vida feitas na nova terra. O Estado e a igreja oficial, na verdade, não acompanharam os colonos ingleses. Aqui eles teriam de construir muita coisa nova, inclusive a memória... nenhum projeto efetivo de catequese aconteceu na América [do Norte]. As companhias não estabeleceram práticas para a conversão dos índios ao cristianismo (conversão é atitude própria de epopeia, aventura, não de empresa capitalista).”

De forma semelhante, judeus também fizeram fortuna pelo mundo, acreditando ser essencial para sua sobrevivência a boa gestão financeira. O judeu manipula o dinheiro por necessidade e dá importância a ele por constantes expulsões de terras. Conforme Landes (1998), Ferdinand e Isabella expulsaram judeus da Espanha em 1492. Judeus também tiveram que criar empresas de vidros e cristais na Itália por terem sido expulsos da Turquia (Johnson, 2015).

Os judeus eram vistos com maus olhos pelos cristãos porque assumiram principalmente as atividades de comércio e bancos, na Idade Média. Havia um preconceito naquela época contra a esta prática e contra a usura e a busca pelo lucro, preconceito que era fortalecido pela Igreja Católica (Eco, 2010).

A cobrança de juros, durante a Idade Média, era considerada exploração, pois quem pedia emprestado estava passando por necessidades e não o fazia para especulação. Até mesmo entre os judeus, empréstimos para patrícios não deveria implicar em juros.Com o passar do tempo, o surgimento dos bancos e da inflação, o empréstimo de dinheiro com juros passou a ser uma atividade econômica comum e bem aceita. A ética protestante passou a aceitar lucro e juros, e isto acomodou bem a burguesia crescente. Sobre a história do lucro, ver Loh (2014).

Assim como lucro e juros eram rejeitados pelos religiosos, também muito do conhecimento inovador que os árabes tinham eram rechaçados devido às diferenças religiosas e principalmente porque estes conhecimentos eram originários da Grécia Antiga, onde a religião era politeísta.

Para Max Weber (em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”), os homens de negócios e donos do capital, assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das modernas empresas eram predominantemente protestantes: “entre os próprios formados católicos, a porcentagem dos que receberam formação em instituições que preparam especialmente para os estudos técnicos e ocupações comerciais e industriais, e em geral para a vida de negócios de classe média, é muito inferior à dos protestantes. Por sua vez, os católicos preferem o tipo de aprendizagem oferecido pelos ginásios humanísticos. Essa é uma circunstância à qual não se aplica a explicação acima apontada, mas que, ao contrário, é uma das razões do pequeno engajamento dos católicos nas empresas capitalistas. Em outras palavras, entre os diaristas católicos parece preponderar uma forte tendência a permanecer em suas oficinas, e tornar com frequência mestres artesãos, enquanto os protestantes são fortemente atraídos para as fábricas, para nelas ocuparem cargos superiores de mão de obra especializada e posições administrativas.

Para Jorg Spenkuch (2010), há defasagem de renda entre protestantes e católicos, com aqueles ganhando mais que estes. A explicação seria a seguinte:
1. Os protestantes tendem a trabalhar algumas horas a mais que os católicos por semana;
2. A probabilidade de os protestantes serem autônomos é maior que a dos católicos;
3. A probabilidade de as mulheres protestantes trabalharem em tempo integral é maior que a das católicas.

Independente de qual seja a religião, Bénabou et al. (2015) descobriram uma associação negativa entre religiosidade e patentes. Eles identificaram 11 indicadores individuais de abertura para inovação (por exemplo, atitudes favoráveis a ciência e tecnologia, novas ideias, mudança, risco e 5 diferentes medidas de religiosidade. A conclusão foi que uma religiosidade maior está associada a visões menos favoráveis à inovação. Por outro lado, tais autores citam outras pesquisas que descobriram que pessoas mais religiosas tendem a confiar mais em outras pessoas e instituições e respeitam mais as leis, taxas, etc.

Bénabou et al. (2015) também descobriram que regiões com maior grau de religiosidade possuem taxas menores de inovações, renda per capita e educação.

Na mesma linha de pesquisa, Audretsch et al. (2007) analisaram 90 mil trabalhadores na Índia e descobriram que a religião direciona o empreendedorismo. Algumas religiões, como Islã e o Cristianismo incentivam o empreendedorismo, enquanto que outas como Hinduísmo, inibem-no. Eles também descobriram que o contexto da pessoa também influencia: imigrantes indianos e asiáticos no Reino Unido e na América do Norte têm mais propensão ao empreendedorismo.

Outro estudo compara o número de patentes registradas por habitante com a quantidade de pessoas que se declaram religiosas (http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/paises-religiosos-sao-menos-inovadores), com as seguintes conclusões:

1. Os EUA são a única exceção à regra: são muito religiosos, mas se destacam nas patentes. Ainda assim, houve queda durante o governo Bush, quando o presidente proibiu pesquisas com células-tronco, baseando-se em crenças religiosas;
2. O Islã inibe a inovação: os 46 maiores países muçulmanos do mundo produzem apenas 1,16% da literatura científica;
3. O caso do Brasil: com cerca de 90% da população acreditando em Deus e mais de 70 parlamentares no Congresso na chamada "bancada evangélica", temos menos patentes que Irã, Polônia ou Rússia.