Eu tenho descoberto o quanto os Mapas Mentais ou Mapas
Conceituais são úteis para representar Conhecimento. Eles já são muito usados
na Gestão do Conhecimento. Mas o que poucos fazem e comentam é que tais mapas
podem ser também muito úteis para analisar conhecimento e até para gerar novos
conhecimentos. Este é o tema desta postagem.
Começo dizendo que não vou me ater aqui à discussão sobre a
diferença entre mapa mental e mapa conceitual. Esta diferença existe e é
conceitual. Mas o que me interessa é mostrar o poder deste tipo de mapa.
Muito se fala em Gestão do Conhecimento e muitas pessoas
empresas querem implantar este tipo de paradigma. Entretanto, as empresas
enfrentam uma tremenda dificuldade para coletar conhecimento, ou seja, como fazer
com que as pessoas documentem conhecimento ? Não quero discutir a questão de
motivação para isto. Quero me ater ao problema técnico, de processo.
(quem não tiver paciência para ler esta parte mais teórica,
pode passar para o meio da postagem, onde comento casos práticos de uso de
mapas mentais, de análise destes mapas e descobertas sensacionais).
Eu vejo 3 formas principais para representar conhecimento,
comentadas a seguir:
a) textos
Esta é a forma mais simples, do ponto de vista empresarial e
formal. As pessoas simplesmente devem escrever o que sabem. O problema é recuperar
conhecimento nesta forma. Aí caímos no problema que o Google enfrenta desta sua
fundação. Hoje, o que temos de mais comum são buscas por palavras presentes no
texto (como faz o Google). Entretanto, todos sabem que isto não é muito eficaz.
Tanto que o Google está tentando todo dia criar novos algoritmos, para sua
busca ser mais "semântica", ou seja, para responder perguntas de pessoas
e não para trazer textos onde a resposta pode estar contida (ou não).
Outra forma de recuperar textos é por classes, assuntos ou
categorias. Mas para isto precisamos de um esquema de classificação, uma
taxonomia, como a usada em bibliotecas (de livros, né), chamada de thesaurus. O
problema é que pessoas devem fazer a classificação e o que dificulta é saber
qual o melhor assunto principal e quais são os assuntos secundários ou
periféricos.
b) diagramas específicos
O ser humano técnico cria suas próprias formas de
representação. Veja o caso de arquitetos, engenheiros civis, elétricos, e
desenhos de circuitos integrados, etc. Na área da TI (tecnologia da informação)
temos fluxogramas, diagramas de ação, de atividades, de dados, etc.
Estes diagramas são bons para representar informações
específicas e geralmente são somente conhecidos por pessoas da área.
b) mapas mentais ou conceituais
Os mapas mentais ou conceituais são mais genéricos que os
diagramas e servem para representar qualquer tipo de conhecimento. É claro que,
se você precisa representar um fluxo, use fluxogramas; se você quer representar
a disposição de móveis numa casa, use uma planta baixa. Os mapas mentais então
são melhores para representar conhecimento que a gente não consegue colocar nos
diagramas conhecidos. Por eles serem mais genéricos e suas regras menos rígidas
que outros diagramas, eles permitem representar qualquer tipo de conhecimento.
Mas a contrapartida é que são bem mais ambíguos, isto é, duas pessoas vão
entender coisas diferentes sobre o mesmo mapa mental.
Para uma boa história sobre diagramas que mudaram o mundo,
leia o livro:
CHRISTIANSON,
Scott. 100 diagrams that changed the world: from the earliest cave paintings to
the innovation of the ipod. New York: Penguin books, 2012.
"O eu é inefável"
O que Buyssens (1974) quer dizer com esta frase é que é
muito difícil uma pessoa conseguir colocar em meio físico tudo o que sabe. Na
Gestão de Conhecimento, chamamos isto de Conhecimento Tácito. Quando alguém
consegue colocar o conhecimento que tem na cabeça em um texto escrito num
papel, ou num desenho na areia, ou faz uma
escultura na pedra, então o conhecimento virou Explícito (para mais sobre esta
discussão, ver os livros de Nonaka e Takeuchi).
BUYSSENS, E. Semiologia e comunicação linguística. 2.ed. São
Paulo: Cultrix/USP, 1974.
O problema a que Buyssens se refere é que nesta passagem
(chamada de Externalização por Nonaka e Takeuchi), muito do conhecimento se
perde. A razão é simples: não há como colocar tudo o que a gente sabe em meios
físicos; só se o meio físico fosse outro cérebro e tivéssemos um meio para
copiar as conexões neuronais de um para outro (e há cientistas pesquisando
isto).
Mas os mapas mentais justamente tentam minimizar tal
problema. A ideia é poder representar graficamente, com desenhos, aquilo que a
gente não consegue colocar em palavras, ou seja, o que a gente não consegue
formalizar ou externalizar de modo completo.
O documentário "Como a Arte fez o Mundo",
produzido pela BBC em 2005 e dirigido pelo professor de Oxford Dr. Nigel
Spivey, conta um pouco deste problema. Ele nos diz que as imagens vieram antes
da linguagem escrita. Os desenhos nas cavernas serviram para externar o que
estavam pensando os Homens primitivos, o que eles tinham na cabeça e não
conseguiam dizer em palavras, seja porque a escrita ainda não havia sido
inventada ou porque não estava bem evoluída. A geometria (cuja origem é
"medir terras ou espaços") surgiu como uma forma de ajudar a pensar.
No caso, como calcular impostos de quem tinha terras, estimando a produção pelo
tamanho da terra.
Quem toca algum tipo de música, sabe como é difícil tentar
representar os sons que tem na cabeça ou está "tirando" no seu
instrumento. A notação científica é uma linguagem para isto, mas o fato é que é
impossível colocar todo sentimento da música em algum tipo de escrita. E pior
ainda é tentar reproduzir o mesmo som apenas "lendo" as notações
musicais.
É por isto que, num momento de criatividade, devemos desenhar
e não tentar escrever o que estamos pensando. Lembre-se: as imagens vêm antes
da linguagem escrita (e os sons vêm antes ainda). Isto acontece porque o
cérebro humano é dividido em 2 hemisférios: o esquerdo é lógico e está
associado à linguagem, enquanto que o direito é criativo e está associado aos
sentidos, incluindo imagens. Acredita-se que as ideias nasçam no hemisfério
direito. Então devemos ficar por ali mesmo, desenhando as ideias. Ao tentar
escrever a ideia, estaremos passando para o lado esquerdo e algo pode se perder.
O que é um Mapa Mental
Um mapa mental é um tipo de grafo, e um grafo é um conjunto
de nodos (representados por círculos) e arestas (ligações entre os círculos).
As arestas podem ser direcionadas ou não, podem contar
significados explícitos, representados por cores ou palavras associadas a elas
(palavras nas ligações representam o significado da relação entre 2 nodos).
A Teoria dos Grafos surgiu com o artigo de Leonhard Euler,
publicado em 1736, sobre o problema das sete pontes de Königsberg. O original
em latim está no link abaixo (não sei nem como referenciar).
Os nodos, no mapa mental, representam conceitos ou ideias do
mundo real ou que estão na cabeça das pessoas. E as ligações podem ser de
qualquer tipo (causa, efeito, consequência, explicação, similaridade,
contrariedade, etc.).
Os mapas também representar fluxo de informações. Por
exemplo, imagine que os nodos representem pessoas numa organização e as arestas
direcionadas (setas) indicam de onde a informação vem (de que pessoa) e para
onde vai (para que pessoa).
Os nodos também poderiam representar grupos de pessoas, tais
como setores ou departamentos (ao invés de indivíduos).
Os nodos podem possuir características ou atributos e isto
pode ser representado por cores ou pelo tamanho do nodo. Então podemos
representar competências das pessoas com cores diferentes, ou o setor de cada
indivíduo. O tamanho do nodo pode indicar o tempo da pessoa na empresa (mais
antigos = círculos maiores) ou o tamanho de sua competência. Ou então, ao invés
de usar círculos, podem ser usados outros tipos de ícones, podendo representar
cargos ou funções ou máquinas.
Análise de Mapas Mentais ou Conceituais
O mais interessante no fato de que mapas mentais ou
conceituais podem representar conhecimento é que podemos fazer análises e
inferências em cima do mapa. E isto inclusive pode nos levar a novos
conhecimentos ou pelo menos hipóteses. Seria como não precisar ler um livro
para poder levantar hipóteses novas sobre o conhecimento que ele representa (se
todo o conteúdo do livro pudesse ser representado por um mapa mental).
Para descobrir conhecimento novo (novas hipóteses)
Swanson no artigo abaixo conta como descobriu conhecimentos
novos pela análise de textos e de relações escondidas nos textos. Aqui vou
representar o problema através de mapas mentais. Ele encontrou artigos que
estavam relacionados de alguma forma (por terem palavras do mesmo assunto). Mas
os artigos não referenciavam um ao outro. Lendo os artigos ele levantou uma
hipótese e depois se juntou ao médico Smalheiser para confirmá-la.
SWANSON, Don R.; SMALHEISER, N. R. An interactive
system for finding
complementary literatures: a stimulus to scientific
discovery. Artificial
Intelligence, Amsterdam, v.91,
n.2, p.183-203, Apr. 1997.
Um dos artigos falava da síndrome de Raynaud, que tem como
sintoma a vasoconstrição (problemas de circulação do sangue). Já o outro artigo
falava do óleo de peixe como um tratamento para problemas de circulação. A
hipótese de Swanson é que o óleo de peixe poderia ajudar no tratamento da tal
síndrome. E isto foi confirmado cientificamente depois.
O mapa abaixo representa os conceitos principais deste
problema e suas relações. Note que a relação entre a síndrome de Raynaud e o
óleo de peixe não existia na literatura científica do ramo. Ou seja, usando um
mapa mental poderíamos levantar a hipótese de uma nova relação entre estes 2
conceitos.
Neste caso, o mapa mental seria útil para suscitar novas
relações entre conceitos. Depois é claro seria necessário investigar tal
hipótese.
O poder do mapa está em podermos fazer inferências como na
lógica. Se há uma regra que diz que "Para todo P, se P é verdade então Q
também é verdade", então se acharmos uma instância de P que seja
verdadeira, então Q pode ser deduzido como verdadeiro também. Imagine que P
seja um atributo de pessoas (alegre, por exemplo) e Q seja outro (por exemplo,
cantam). Então se acharmos uma pessoa que tenha o atributo P (é alegre), então
podemos dizer que esta pessoa também possui Q (também canta).
A analogia não é exatamente a mesma, mas serve para mostrar
que estamos raciocinando sobre conceitos e relações genéricas e não sobre
especificidades (mas estas podem ser derivadas pela análise genérica).
Desta forma, generalizando o problema de Swanson, poderíamos
ter um mapa como abaixo. Se A e B são conceitos relacionados, e cada um deles
se relaciona as outros diferentes (A com C e B com D), então é possível que
haja uma certa relação direta entre os conceitos associados (C e D).
Poderia também haver a característica de transitividade, ou
seja, A estar relacionado a D e B relacionado a C. São hipóteses para
investigar.
Abaixo temos um exemplo prático deste tipo de análise.
O mapa representa conhecimentos sobre uma impressora e como
entender e resolver alguns problemas relacionado a ela.
Abaixo, traçamos algumas relações que não existiam no mapa
original.
É claro que não vamos testar todas as relações. Usando algum
tipo de conhecimento prévio, vamos filtrar as hipóteses de novas relações,
eliminando o que achamos ser muito "fora do possível".
Mas note que levantou-se a possibilidade de haver uma
relação entre o conceito "reciclado" (referindo-se a toner) e o
conceito "impressão falhada ou fraca". Não sabemos se isto é verdade
ou não, ou seja, se toner reciclado realmente gera impressões falhadas ou
fracas. Mas é uma hipótese interessante para ser investigada.
Outra relação nova possível é entre o conceito
"lubrificar" e o conceito "folha trancada". Isto levanta a
hipótese de que o ato de lubrificar pode evitar o problema de folhas trancadas.
Também deverá ser investigado.
Por fim, neste exemplo, há uma hipótese de relação entre
"toner muito leve" e "impressão falhada e fraca". Ou seja,
quando uma impressão sair falhada ou fraca, seria interessante verificar se o
toner está muito leve. E isto poderia ser uma causa para o problema.
Análises semelhantes podem ser feitas sobre mapas que
representem mercados. Abaixo temos um exemplo reduzido de um mapa representando
conhecimentos sobre o mercado de uma empresa (incluindo conceitos sobre
produtos da empresa, produtos concorrentes e alguns mercados onde atuam).
Algumas hipóteses que surgem deste mapa:
a) em cima: será que existe alguma relação entre o
concorrente XYZ e o KLM, ou é possível que isto venha a acontecer no futuro ?
b) ao centro, em baixo: será que nosso produto B poderia ter
a característica E, que o produto Y do concorrente possui ?
c) à direita: como nosso produto B é concorrente do produto
Y da empresa KLM, seria possível B também ser oferecido para a clientela de Y
(clientes classe A) ? E seria um problema se o produto Y também começasse a
atuar no nosso mercado de clientes classe B e C.
d) à esquerda: já que a empresa concorrente XYZ está atuando
num novo mercado com seu produto X e nosso produto A é concorrente deste, seria
possível gerar um produto novo, por inovação incremental sobre o produto A,
para concorrer neste mercado ? Ou seria possível, através deste produto novo,
fazer uma parceria com a empresa XYZ para atuar neste mercado novo.
Para analisar fluxo de informações
Outro tipo de análise interessante sobre mapas mentais é
fazê-los representando fluxos de informações, ou seja, quem fornece informação
para quem. Nodos representam pessoas e arestas (setas) representam o fluxo de
informação de uma pessoa para outra. As cores indicam o departamento ou setor
de cada pessoa. A largura da seta representa o quanto de informação que passou
naquela via. A figura abaixo mostra um exemplo.
Várias análises podemos fazer a partir deste mapa:
a) podemos notar uma sub-rede isolada à esquerda com duas
pessoas do departamento amarelo (identificadas como 1 e 2). Elas não trocam
informações com pessoas de outro departamento. Além disto, há uma pessoa do
departamento "amarelo" (3) que não interage com estas duas para
trocar informações, mas que está bem "enturmada" com pessoas de
outros departamentos. Provavelmente isto indica um problema a ser contornado. É
necessário que esta 3a pessoa (identificado por 3) interaja com seus pares. E
também seria possível pensar em como fazer com que os 2 funcionários
"amarelos" (1 e 2) pudessem interagir com pessoas de outros
departamentos.
b) podemos notar que há uma pessoa (11) que só recebe
informações. Pode ser um novato, ainda aprendendo. E há alguém (12) que só
fornece; pode ser alguém experiente, mas será que ele ou ela não deve receber
algum tipo de informação de alguma outra pessoa ?
c) a pessoa identificada como 8 está interligando duas
sub-redes, a azul e a amarela, provavelmente um elo ligação importante para juntar
duas áreas de conhecimento.
d) a pessoa identificada por 9 está isolada, tendo somente
contato com a pessoa identificada por 10. Pode ser que 9 seja um aprendiz, que
deve ser "sombra" de 10.
e) fora a pessoa 9, a rede azul é a mais conectada, pois
todos as pessoas deste setor interagem entre si. Já na sub-rede vermelha, o
nodo 4 não interagem com 6 e 7. Há que se investigar o porquê disto, se é
planejado assim ou se é um problema.
Outros tipos de análise
Agora imagine que no mapa abaixo os nodos representam
pessoas e o tamanho do nodo indica o grau de competência da pessoa em sua área
de expertise. As arestas indicam tarefas de processos e a direção representa que
algum tipo de material ou informação está passando entre pessoas, como parte do
processo.
A primeira coisa a notar é que a pessoa identificada por 4,
é uma das mais competentes mas somente recebe (informação ou material, que pode
ser um relatório). Ela não dá nenhum feedback para as demais. A pessoa 6 está
sobrecarregada, pois interage com todos do grupo.
Agora o mapa abaixo, com nodos indicando pessoas e as setas
o fluxo de ideias para inovações da empresa. Note que cada pessoa está alocada
num dos 3 níveis organizacionais (estratégico, tático e operacional). As cores
indicam o tempo da pessoa na empresa, do mais novo (amarelo) para os mais
antigos (vermelho), passando por níveis intermediários (laranja). Alguns
achados:
a) note que apenas uma pessoa do nível estratégico está
envolvida com a inovação na empresa. Será que deveria ser assim ?
b) o mais novato (12) é quem mais fornece ideias. Ele não
recebe de ninguém, então provavelmente são ideias suas (e não repassadas).
c) há uma pessoa (4) no nível operacional que centraliza as
ideias. Somente ela se comunica com o nível acima. Deveria ser assim ?
d) não há comunicação entre os níveis estratégico e
operacional. Deveria ser assim ?
e) a pessoa identificada como 5 participa do processo de
inovação dando ideias e não só recebendo, mostrando que tem interesse ativo na
gestão da inovação.
f) a pessoa 7 só recebe ideias e nem mesmo repassa. Seria o
inventor final, o gênio que não se comunica com ninguém e sai do laboratório
com incríveis invenções ?