sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O poder dos mapas mentais na Gestão do Conhecimento

Eu tenho descoberto o quanto os Mapas Mentais ou Mapas Conceituais são úteis para representar Conhecimento. Eles já são muito usados na Gestão do Conhecimento. Mas o que poucos fazem e comentam é que tais mapas podem ser também muito úteis para analisar conhecimento e até para gerar novos conhecimentos. Este é o tema desta postagem.

Começo dizendo que não vou me ater aqui à discussão sobre a diferença entre mapa mental e mapa conceitual. Esta diferença existe e é conceitual. Mas o que me interessa é mostrar o poder deste tipo de mapa.

Muito se fala em Gestão do Conhecimento e muitas pessoas empresas querem implantar este tipo de paradigma. Entretanto, as empresas enfrentam uma tremenda dificuldade para coletar conhecimento, ou seja, como fazer com que as pessoas documentem conhecimento ? Não quero discutir a questão de motivação para isto. Quero me ater ao problema técnico, de processo.

(quem não tiver paciência para ler esta parte mais teórica, pode passar para o meio da postagem, onde comento casos práticos de uso de mapas mentais, de análise destes mapas e descobertas sensacionais).

Eu vejo 3 formas principais para representar conhecimento, comentadas a seguir:

a) textos
Esta é a forma mais simples, do ponto de vista empresarial e formal. As pessoas simplesmente devem escrever o que sabem. O problema é recuperar conhecimento nesta forma. Aí caímos no problema que o Google enfrenta desta sua fundação. Hoje, o que temos de mais comum são buscas por palavras presentes no texto (como faz o Google). Entretanto, todos sabem que isto não é muito eficaz. Tanto que o Google está tentando todo dia criar novos algoritmos, para sua busca ser mais "semântica", ou seja, para responder perguntas de pessoas e não para trazer textos onde a resposta pode estar contida (ou não).
Outra forma de recuperar textos é por classes, assuntos ou categorias. Mas para isto precisamos de um esquema de classificação, uma taxonomia, como a usada em bibliotecas (de livros, né), chamada de thesaurus. O problema é que pessoas devem fazer a classificação e o que dificulta é saber qual o melhor assunto principal e quais são os assuntos secundários ou periféricos.

b) diagramas específicos
O ser humano técnico cria suas próprias formas de representação. Veja o caso de arquitetos, engenheiros civis, elétricos, e desenhos de circuitos integrados, etc. Na área da TI (tecnologia da informação) temos fluxogramas, diagramas de ação, de atividades, de dados, etc.
Estes diagramas são bons para representar informações específicas e geralmente são somente conhecidos por pessoas da área.

b) mapas mentais ou conceituais
Os mapas mentais ou conceituais são mais genéricos que os diagramas e servem para representar qualquer tipo de conhecimento. É claro que, se você precisa representar um fluxo, use fluxogramas; se você quer representar a disposição de móveis numa casa, use uma planta baixa. Os mapas mentais então são melhores para representar conhecimento que a gente não consegue colocar nos diagramas conhecidos. Por eles serem mais genéricos e suas regras menos rígidas que outros diagramas, eles permitem representar qualquer tipo de conhecimento. Mas a contrapartida é que são bem mais ambíguos, isto é, duas pessoas vão entender coisas diferentes sobre o mesmo mapa mental.

Para uma boa história sobre diagramas que mudaram o mundo, leia o livro:
CHRISTIANSON, Scott. 100 diagrams that changed the world: from the earliest cave paintings to the innovation of the ipod. New York: Penguin books, 2012.

"O eu é inefável"

O que Buyssens (1974) quer dizer com esta frase é que é muito difícil uma pessoa conseguir colocar em meio físico tudo o que sabe. Na Gestão de Conhecimento, chamamos isto de Conhecimento Tácito. Quando alguém consegue colocar o conhecimento que tem na cabeça em um texto escrito num papel, ou num desenho na areia, ou faz  uma escultura na pedra, então o conhecimento virou Explícito (para mais sobre esta discussão, ver os livros de Nonaka e Takeuchi).

BUYSSENS, E. Semiologia e comunicação linguística. 2.ed. São Paulo: Cultrix/USP, 1974.

O problema a que Buyssens se refere é que nesta passagem (chamada de Externalização por Nonaka e Takeuchi), muito do conhecimento se perde. A razão é simples: não há como colocar tudo o que a gente sabe em meios físicos; só se o meio físico fosse outro cérebro e tivéssemos um meio para copiar as conexões neuronais de um para outro (e há cientistas pesquisando isto).

Mas os mapas mentais justamente tentam minimizar tal problema. A ideia é poder representar graficamente, com desenhos, aquilo que a gente não consegue colocar em palavras, ou seja, o que a gente não consegue formalizar ou externalizar de modo completo.

O documentário "Como a Arte fez o Mundo", produzido pela BBC em 2005 e dirigido pelo professor de Oxford Dr. Nigel Spivey, conta um pouco deste problema. Ele nos diz que as imagens vieram antes da linguagem escrita. Os desenhos nas cavernas serviram para externar o que estavam pensando os Homens primitivos, o que eles tinham na cabeça e não conseguiam dizer em palavras, seja porque a escrita ainda não havia sido inventada ou porque não estava bem evoluída. A geometria (cuja origem é "medir terras ou espaços") surgiu como uma forma de ajudar a pensar. No caso, como calcular impostos de quem tinha terras, estimando a produção pelo tamanho da terra.

Quem toca algum tipo de música, sabe como é difícil tentar representar os sons que tem na cabeça ou está "tirando" no seu instrumento. A notação científica é uma linguagem para isto, mas o fato é que é impossível colocar todo sentimento da música em algum tipo de escrita. E pior ainda é tentar reproduzir o mesmo som apenas "lendo" as notações musicais.

É por isto que, num momento de criatividade, devemos desenhar e não tentar escrever o que estamos pensando. Lembre-se: as imagens vêm antes da linguagem escrita (e os sons vêm antes ainda). Isto acontece porque o cérebro humano é dividido em 2 hemisférios: o esquerdo é lógico e está associado à linguagem, enquanto que o direito é criativo e está associado aos sentidos, incluindo imagens. Acredita-se que as ideias nasçam no hemisfério direito. Então devemos ficar por ali mesmo, desenhando as ideias. Ao tentar escrever a ideia, estaremos passando para o lado esquerdo e algo pode se perder.

O que é um Mapa Mental


Um mapa mental é um tipo de grafo, e um grafo é um conjunto de nodos (representados por círculos) e arestas (ligações entre os círculos).

As arestas podem ser direcionadas ou não, podem contar significados explícitos, representados por cores ou palavras associadas a elas (palavras nas ligações representam o significado da relação entre 2 nodos).

A Teoria dos Grafos surgiu com o artigo de Leonhard Euler, publicado em 1736, sobre o problema das sete pontes de Königsberg. O original em latim está no link abaixo (não sei nem como referenciar).


Os nodos, no mapa mental, representam conceitos ou ideias do mundo real ou que estão na cabeça das pessoas. E as ligações podem ser de qualquer tipo (causa, efeito, consequência, explicação, similaridade, contrariedade, etc.).

Os mapas também representar fluxo de informações. Por exemplo, imagine que os nodos representem pessoas numa organização e as arestas direcionadas (setas) indicam de onde a informação vem (de que pessoa) e para onde vai (para que pessoa).

Os nodos também poderiam representar grupos de pessoas, tais como setores ou departamentos (ao invés de indivíduos).

Os nodos podem possuir características ou atributos e isto pode ser representado por cores ou pelo tamanho do nodo. Então podemos representar competências das pessoas com cores diferentes, ou o setor de cada indivíduo. O tamanho do nodo pode indicar o tempo da pessoa na empresa (mais antigos = círculos maiores) ou o tamanho de sua competência. Ou então, ao invés de usar círculos, podem ser usados outros tipos de ícones, podendo representar cargos ou funções ou máquinas.


Análise de Mapas Mentais ou Conceituais


O mais interessante no fato de que mapas mentais ou conceituais podem representar conhecimento é que podemos fazer análises e inferências em cima do mapa. E isto inclusive pode nos levar a novos conhecimentos ou pelo menos hipóteses. Seria como não precisar ler um livro para poder levantar hipóteses novas sobre o conhecimento que ele representa (se todo o conteúdo do livro pudesse ser representado por um mapa mental).


Para descobrir conhecimento novo (novas hipóteses)


Swanson no artigo abaixo conta como descobriu conhecimentos novos pela análise de textos e de relações escondidas nos textos. Aqui vou representar o problema através de mapas mentais. Ele encontrou artigos que estavam relacionados de alguma forma (por terem palavras do mesmo assunto). Mas os artigos não referenciavam um ao outro. Lendo os artigos ele levantou uma hipótese e depois se juntou ao médico Smalheiser para confirmá-la. 

SWANSON, Don R.; SMALHEISER, N. R. An interactive system for finding
complementary literatures: a stimulus to scientific discovery. Artificial Intelligence, Amsterdam, v.91, n.2, p.183-203, Apr. 1997.

Um dos artigos falava da síndrome de Raynaud, que tem como sintoma a vasoconstrição (problemas de circulação do sangue). Já o outro artigo falava do óleo de peixe como um tratamento para problemas de circulação. A hipótese de Swanson é que o óleo de peixe poderia ajudar no tratamento da tal síndrome. E isto foi confirmado cientificamente depois.

O mapa abaixo representa os conceitos principais deste problema e suas relações. Note que a relação entre a síndrome de Raynaud e o óleo de peixe não existia na literatura científica do ramo. Ou seja, usando um mapa mental poderíamos levantar a hipótese de uma nova relação entre estes 2 conceitos.
Neste caso, o mapa mental seria útil para suscitar novas relações entre conceitos. Depois é claro seria necessário investigar tal hipótese.
O poder do mapa está em podermos fazer inferências como na lógica. Se há uma regra que diz que "Para todo P, se P é verdade então Q também é verdade", então se acharmos uma instância de P que seja verdadeira, então Q pode ser deduzido como verdadeiro também. Imagine que P seja um atributo de pessoas (alegre, por exemplo) e Q seja outro (por exemplo, cantam). Então se acharmos uma pessoa que tenha o atributo P (é alegre), então podemos dizer que esta pessoa também possui Q (também canta).
A analogia não é exatamente a mesma, mas serve para mostrar que estamos raciocinando sobre conceitos e relações genéricas e não sobre especificidades (mas estas podem ser derivadas pela análise genérica).





Desta forma, generalizando o problema de Swanson, poderíamos ter um mapa como abaixo. Se A e B são conceitos relacionados, e cada um deles se relaciona as outros diferentes (A com C e B com D), então é possível que haja uma certa relação direta entre os conceitos associados (C e D).

Poderia também haver a característica de transitividade, ou seja, A estar relacionado a D e B relacionado a C. São hipóteses para investigar.





Abaixo temos um exemplo prático deste tipo de análise.
O mapa representa conhecimentos sobre uma impressora e como entender e resolver alguns problemas relacionado a ela.




Abaixo, traçamos algumas relações que não existiam no mapa original.

É claro que não vamos testar todas as relações. Usando algum tipo de conhecimento prévio, vamos filtrar as hipóteses de novas relações, eliminando o que achamos ser muito "fora do possível".

Mas note que levantou-se a possibilidade de haver uma relação entre o conceito "reciclado" (referindo-se a toner) e o conceito "impressão falhada ou fraca". Não sabemos se isto é verdade ou não, ou seja, se toner reciclado realmente gera impressões falhadas ou fracas. Mas é uma hipótese interessante para ser investigada.

Outra relação nova possível é entre o conceito "lubrificar" e o conceito "folha trancada". Isto levanta a hipótese de que o ato de lubrificar pode evitar o problema de folhas trancadas. Também deverá ser investigado.

Por fim, neste exemplo, há uma hipótese de relação entre "toner muito leve" e "impressão falhada e fraca". Ou seja, quando uma impressão sair falhada ou fraca, seria interessante verificar se o toner está muito leve. E isto poderia ser uma causa para o problema.





Análises semelhantes podem ser feitas sobre mapas que representem mercados. Abaixo temos um exemplo reduzido de um mapa representando conhecimentos sobre o mercado de uma empresa (incluindo conceitos sobre produtos da empresa, produtos concorrentes e alguns mercados onde atuam).



Algumas hipóteses que surgem deste mapa:
a) em cima: será que existe alguma relação entre o concorrente XYZ e o KLM, ou é possível que isto venha a acontecer no futuro ?
b) ao centro, em baixo: será que nosso produto B poderia ter a característica E, que o produto Y do concorrente possui ?
c) à direita: como nosso produto B é concorrente do produto Y da empresa KLM, seria possível B também ser oferecido para a clientela de Y (clientes classe A) ? E seria um problema se o produto Y também começasse a atuar no nosso mercado de clientes classe B e C.
d) à esquerda: já que a empresa concorrente XYZ está atuando num novo mercado com seu produto X e nosso produto A é concorrente deste, seria possível gerar um produto novo, por inovação incremental sobre o produto A, para concorrer neste mercado ? Ou seria possível, através deste produto novo, fazer uma parceria com a empresa XYZ para atuar neste mercado novo.




Para analisar fluxo de informações


Outro tipo de análise interessante sobre mapas mentais é fazê-los representando fluxos de informações, ou seja, quem fornece informação para quem. Nodos representam pessoas e arestas (setas) representam o fluxo de informação de uma pessoa para outra. As cores indicam o departamento ou setor de cada pessoa. A largura da seta representa o quanto de informação que passou naquela via. A figura abaixo mostra um exemplo.







Várias análises podemos fazer a partir deste mapa:

a) podemos notar uma sub-rede isolada à esquerda com duas pessoas do departamento amarelo (identificadas como 1 e 2). Elas não trocam informações com pessoas de outro departamento. Além disto, há uma pessoa do departamento "amarelo" (3) que não interage com estas duas para trocar informações, mas que está bem "enturmada" com pessoas de outros departamentos. Provavelmente isto indica um problema a ser contornado. É necessário que esta 3a pessoa (identificado por 3) interaja com seus pares. E também seria possível pensar em como fazer com que os 2 funcionários "amarelos" (1 e 2) pudessem interagir com pessoas de outros departamentos.

b) podemos notar que há uma pessoa (11) que só recebe informações. Pode ser um novato, ainda aprendendo. E há alguém (12) que só fornece; pode ser alguém experiente, mas será que ele ou ela não deve receber algum tipo de informação de alguma outra pessoa ?

c) a pessoa identificada como 8 está interligando duas sub-redes, a azul e a amarela, provavelmente um elo ligação importante para juntar duas áreas de conhecimento.

d) a pessoa identificada por 9 está isolada, tendo somente contato com a pessoa identificada por 10. Pode ser que 9 seja um aprendiz, que deve ser "sombra" de 10.

e) fora a pessoa 9, a rede azul é a mais conectada, pois todos as pessoas deste setor interagem entre si. Já na sub-rede vermelha, o nodo 4 não interagem com 6 e 7. Há que se investigar o porquê disto, se é planejado assim ou se é um problema.


Outros tipos de análise


Agora imagine que no mapa abaixo os nodos representam pessoas e o tamanho do nodo indica o grau de competência da pessoa em sua área de expertise. As arestas indicam tarefas de processos e a direção representa que algum tipo de material ou informação está passando entre pessoas, como parte do processo.





A primeira coisa a notar é que a pessoa identificada por 4, é uma das mais competentes mas somente recebe (informação ou material, que pode ser um relatório). Ela não dá nenhum feedback para as demais. A pessoa 6 está sobrecarregada, pois interage com todos do grupo.

Agora o mapa abaixo, com nodos indicando pessoas e as setas o fluxo de ideias para inovações da empresa. Note que cada pessoa está alocada num dos 3 níveis organizacionais (estratégico, tático e operacional). As cores indicam o tempo da pessoa na empresa, do mais novo (amarelo) para os mais antigos (vermelho), passando por níveis intermediários (laranja). Alguns achados:




a) note que apenas uma pessoa do nível estratégico está envolvida com a inovação na empresa. Será que deveria ser assim ?

b) o mais novato (12) é quem mais fornece ideias. Ele não recebe de ninguém, então provavelmente são ideias suas (e não repassadas).

c) há uma pessoa (4) no nível operacional que centraliza as ideias. Somente ela se comunica com o nível acima. Deveria ser assim ?

d) não há comunicação entre os níveis estratégico e operacional. Deveria ser assim ?

e) a pessoa identificada como 5 participa do processo de inovação dando ideias e não só recebendo, mostrando que tem interesse ativo na gestão da inovação.

f) a pessoa 7 só recebe ideias e nem mesmo repassa. Seria o inventor final, o gênio que não se comunica com ninguém e sai do laboratório com incríveis invenções ?








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