Estou lendo o livro de Kevin Kelly (What technology wants) que
nos alerta sobre o domínio da tecnologia sobre a Humanidade. Ele dá diversos
exemplos de como é difícil viver sem tecnologia. Até mesmo se formos morar numa
casa construída só com materiais da natureza, sem luz, sem esgoto tratado e
água encanada, até mesmo ali vamos estar usando tecnologias (não de metal, mas
no sentido de beneficiar ou modificar a natureza). Vamos precisar algumas
ferramentas. Pode até mesmo ser um martelo rústico. Mas isto é tecnologia. Um
recente post
do Prof. Palazzo fala de um número mínimo de ferramentas. Talvez possamos
viver com um mínimo possível.
Mas não há como obrigar todos a voltarem a estilos de vida
anteriores, mais simples. Unabomber tentou isto mas de uma forma pouco
inteligente: mandava cartas-bomba para pessoas incentivadoras de tecnologias e
queria que seu manifesto fosse publicado pelos grande jornais. Ele matou 3
pessoas e está preso. Ele mesmo usou tecnologias: uma velha máquina de escrever, papel, caneta e
fez uso do serviço de correios, que também usa tecnologias e consome petróleo.
Falando nisto, é também pouco inteligente que alguns ativistas verdes queiram
acabar com a tecnologia de uma hora para outra. Não há como viver sem petróleo
no momento. A comida não vai chegar até as pessoas. E se não tiver
eletricidade, a comida não se conserva. Sem estas tecnologias, é fome na certa.
A Matrix do filme já está entre nós. A tecnologia já domina
a nossa vida. Em tudo o que fazemos há tecnologia. E não tem como parar.
Houve uma época em que o Homem conseguiu dominar a natureza,
isto foi com a criação da agricultura, há 10 ou 12 mil anos atrás. Agora, estamos dominados pela
tecnologia. Kevin Kelly diz:
"About 10,000 years ago, humans
passed a tipping point where our ability to modify the biosphere exceeded the
planet's ability to modify us. That threshold was the beginning of the
technium. We are at a second tipping point where the technium's ability to
alter us exceeds our ability to alter the technium. Some people call
this the Singularity."
E não há como voltar atrás. Precisamos de tecnologias. Não
há como viver numa grande cidade sem tecnologia. Imagine um centro de cidade
sem sinaleira; mesmo se todos andarem de bicicleta a confusão será grande. Não
há como viver no mundo sem tecnologia, mesmo se todos tiverem sua casinha sem
luz no campo: vamos acabar com os recursos naturais. Precisamos de tecnologias
para uma vida sustentável, para reciclar material usado, para usar menos
recursos naturais.
Pervasividade
O problema não é a tecnologia. O problema está em que somos
7 bilhões de pessoas no mundo. A indústria da tecnologia não é tão limpa assim.
E a reciclagem de eletrônicos não é tão
eficiente quanto se imagina. Assista ao vídeo "A história das
eletrônicos" de Annie Leonard. Não há como todos viverem uma vida rústica como
descrito acima. Não há pedaços de terra para todos. São 149 milhões de km
quadrados de terra na superfície do planeta. Isto dá 47 pessoas por km2. Pensando
nos números seria possível. Mas há 2 problemas fundamentais: (1) quem vai
querer viver no deserto do Saara ou nas regiões geladas; (2) a população
mundial cresce 1,2% ao ano. E não haverá comida para todos sem tecnologia.
Estamos acabando com os recursos naturais. Se não for hoje,
será amanhã. O desastre de Fukushima é uma bomba relógio. Além disto, estamos
extinguindo espécies. A 1a delas foi o Neanderthal. Kevin Kelly tem uma conta
para isto (número de espécies extintas pelo Homem a cada ano). Não é pouco. A
nossa evolução é o declínio das outras espécies. Isto é seleção natural ? Ou já
estamos fazendo a seleção artificial, baseada em nossos vícios ?
As grandes revoluções - agricultura e indústrias
Minha sugestão é que devemos viver em
pequenos governos. Assim fica mais fácil controlarmos uns aos outros. E
estabelecer vínculos fortes de confiança. Robin Dunbar, nos seus estudos,
conclui que os seres humanos devem viver em grupos de no máximo 150 pessoas.
Outros autores já falaram em 500 fazendo cálculos por tribos de
caçadores-coletores. George Miller na metade do século passado chegou ao número
mágico 7 mais ou menos 2 (fica mais fácil coordenar grupos de 5 a 9 elementos).
Granovetter diz que muitos laços fracos acabam enfraquecendo os laços fortes
existentes. Grupos podem existir como estados independentes e cooperar entre
si, formando alianças e coalizões, em níveis crescentes (estados, países,
uniões entre países). O fenômeno deve ser de expansão e contração: quando
necessário agrupar, formamos grupos maiores; se não for mais necessários,
voltamos a manter as diferenças em grupos menores.
A revolução da agricultura nos fez dependentes demais uns
dos outros. Não conseguimos mais fazer as coisas sem precisar de outras
pessoas. Will Smith no filme "Eu sou a lenda" só conseguiria viver
alguns dias sozinho num mundo sem ninguém. O lado bom desta revolução é a
cooperação e a reciprocidade entre os homens de boa vontade. Foi assim que
surgiu o comércio (no sentido de "trade" ou troca). Por que fazer
algo que não sei fazer tão bem ? Deixo para outros fazerem. Eu faço aquilo que
sei fazer bem. Faço em maior quantidade e poderei trocar com outros. É assim
que nos explica Matt Ridley no livro "The origins of virtue - human
instincts and the evolution of cooperation'. É bom que as pessoas entendam que
precisam umas das outras. Isto fomenta a colaboração e a ajuda mútua. Se alguém
não colabora ou não participa, é excluído ou punido.
O lado ruim desta história é que dependemos também das
tecnologias. Não há como produzir os bens necessários para muitas pessoas sem
eficácia. Aí é que entra a Revolução Industrial. A princípio, benéfica. Pois
gera fartura e eficiência. É possível produzir mais, para atender à demanda de
todos, para não faltar. E tudo isto usando menos recursos. Mas também surgem
descontroles. Não há como calcular o quanto cada um precisa, para produzir na
medida certa. Ou falta, ou sobra. Aí começam as desigualdades, pois algumas
coisas são mais valiosas que outras. O trabalho de alguns vale mais que o
trabalho de outros. Começam os conflitos entre trabalho e lucro, tanto
discutidos por Karl Marx. E a sociedade foi evoluindo de forma não consciente
muito menos planejada. O grande grupo fez a Humanidade perder o controle de
quanto produzir e consumir.
A tecnologia não é ruim; o problema é o descontrole
Mas por enquanto ainda precisamos de pessoas para algumas
tarefas e profissões. Então a tecnologia pode ajudar nas tarefas do dia a dia
ou mesmo nas especializadas. E há benefícios para o Homem. A telemedicina ajuda
a tratar doentes em lugares de difícil acesso. As biotecnologias diminuirão o
sofrimento de pessoas. E mesmo um computador pode fazer tarefas mecânicas
ingratas para pessoas, como por exemplo cálculos difíceis com volumes grandes
de dados.
O problema está no descontrole do uso. Não estamos
planejando a geração de inovações. Não estamos pesquisando suas consequências.
Vemos benefícios aparentes. Robôs fazendo o nosso serviço é bom. Mas estamos
agora querendo computadores para pensar por nós, já que é muito trabalhoso
pensar, raciocinar, decidir. Não queremos mais que o Google nos dê respostas.
Queremos que ele nos diga o que perguntar.
Logo as tecnologias terão capacidade para raciocinar e
decidir. E mais: para se reproduzir por conta própria. É como um DNA embutido
nelas. Alguém um dia vai fazer isto. E como foi com os seres vivos, a
reprodução dos genes evoluiu de forma natural e aleatória, assim será com as
tecnologias. Elas estão evoluindo aleatoriamente.
Se as máquinas pensarem por nós, se perdermos este hábito,
qual será o nosso futuro ? Nicholas Carr escreve sobre a superficialidade em
que vivemos hoje. E ele diz que isto é uma evolução natural. Pode ser uma nova
revolução, pois está transformando nosso cérebro, nossa forma de leitura, observação
e raciocínio.
Uma nova revolução
A evolução da tecnologia não tem volta. Mas podemos fazer
uma nova revolução. Basta usar o conhecimento focado em objetivos maiores que o
lucro. Por exemplo: precisamos de calçamento nas ruas. Mas por que usar asfalto
? Precisamos combustíveis: vamos usar os mais naturais e menos poluidores. Precisamos
veículos para deslocamento: vamos inventar veículos verdes. E isto já está
acontecendo. Vamos ter como objetivo individual, empresarial e global criar e
usar tecnologias para gerar menos agressão ao meio, seja na extração seja na
construção ou no consumo. Kevin Kelly conclui que a solução não é destruir
tecnologias, mas substituí-las. Precisamos inovar, usar nosso conhecimento,
gerar novos conhecimentos para substituir as tecnologias "ruins"
pelas "boas".
Sou consultor e professor de Gestão da Inovação e procuro
incentivar inovações para o bem da humanidade. É claro que estamos também
trabalhando para vender mais, lucrar mais, mas este não pode ser nosso único
objetivo. O lucro tem que vir do trabalho honesto e que gere benefícios para a
sociedade. Esta frase não é minha, peguei do artigo abaixo:
COLLINS, James C.; PORRAS, Jerry I. Porras. “Building your company’s vision”.
Harvard Business Review, sept-oct. 1996.
É parte dos core
values da Merck, empresa
farmacêutica: responsabilidade social, excelência em todos os aspectos, inovação baseada na Ciência,
honestidade e integridade, lucro a partir do trabalho que beneficia a
Humanidade.
Himanen
brilhantemente anteviu que a Era do Conhecimento e Informação seria dividida em
duas fases. A 1a seria utilizar a tecnologia para eficiência no trabalho. A 2a
fase teria como foco inovações em cultura/diversão (música, televisão, cinema,
jogos, literatura, aprendizagem) e biotecnologia (medicina, saúde,
longevidade). E Steve Jobs fez a Apple seguir neste rumo. De produção de
computadores para gadgets de diversão e entretenimento.
O foco deve estar na Inovação social, comprometida com (1)
bem estar das pessoas (e não só com consumo) e com (2) a sustentabilidade.
O Marketing e a Compra por impulso
A compra sem racionalidade foi o que levantou os EUA depois
do grande crash da bolsa em 1929. O desemprego chegou a quase 30%. Marketeiros
e políticos fizeram campanhas para a população não economizar, gastar, porque
isto daria empregos (ver "O fim dos empregos" de Jeremy Rifkin).
Também surgiu a obsolescência percebida. E novas campanhas: era vergonhoso ter
algo inferior que seu vizinho. Surge a importância do status. A Cadilac chega a
dizer que seus carros concorrem com diamantes e casacos de pele. Esta é a
origem do Rei dos Camarotes.
Querer vender mais não é pecado. É uma forma de
sustentabilidade. O tamanho do lucro talvez seja (mas isto é papo para outro
post). O marketing é necessário porque a competição entre as empresas é grande.
Há muitas e os clientes são poucos (com pouco para gastar). Se a empresa não
utilizar campanhas de marketing não vende e por consequência não sobrevive.
Além disto, o marketing pode ajudar às pessoas a comprarem
melhor. Quando menos é mais. Tecnologias de apoio ao marketing podem sugerir
soluções mais apropriadas às reais necessidades dos clientes. E permitir que o
cliente esteja no comando, com poder de escolha e barganha.
O ecomarketing (ou green marketing) deve ser prioridade. E
ajuda a vender: muitas pessoas decidem suas compras pensando em como ser mais
sustentável. Por isto, há gente comprando carros elétricos, mesmo eles sendo
muito mais caros.
O menos é mais.
Num post anterior eu já comentei um pouco sobre a necessidade
de refrear o consumo (clique
aqui para ler o post), sobre o determinismo tecnológico. Isto servirá para
salvar o planeta e para fazer pessoas mais felizes. Olhem o quadro abaixo: ele
tenta explicar o que muitas pessoas já entenderam. A felicidade é igual à diferença
entre nossas realizações e nossas expectativas (felicidade = realizações -
expectativas). Se tivermos menos ambições, principalmente no campo material,
temos mais chances de sermos felizes.
A economia mundial depende da tecnologia
Se houver uma mega-crise econômica global, todos serão
afetados. Menos aqueles que conseguirem subsistirem de seu próprio trabalho:
uma casa no campo, sem eletricidade, animais domesticados e pequenas plantações
de vegetais para comer. Eu toparia. Mas será que minhas filhas iam gostar
depois de terem conhecido a cidade grande ?
Além disto, nadar contra a corrente é um esforço hercúleo. A
ordem mundial é outra: ser dependente. Não sei se é intencional, mas tudo
concorre para que as pessoas dependam de grandes empresas. Aquele que quiser
morar isolado no mato não vai conseguir nem água, pois as fontes estão
controladas.
O problema é que poucos estão dominando o mercado e
concentrando as decisões. Veja
este post de um outro autor sobre como 10 empresas controlam a maioria dos
produtos consumidos. Acho que foi Peter Drucker (não consegui recuperar a
fonte) que disse que em cada mercado será dominado por 2 ou 3 grandes empresas.
As pequenas, ou serão adquiridas ou deverão ser fornecedores exclusivos das
grandes.
Nial Ferguson (no livro "A grande degeneração")
aponta a crise ocidental na democracria, no capitalismo, no respeito às leis e
na sociedade civil. Estamos de novo passando por uma crise ou revolução em
sociedade. A 1a foi a da agricultura e domesticação de animais, há 10 ou 12 mil
anos atrás. A 2a foi a revolução industrial, que começou em meados do século
XVIII e adentrou o século XX. A 3a revolução é a do Conhecimento e da
Informação, bem representada pelos computadores e pela Internet, a qual está
reinventando as famílias, amizades, grupos sociais e até mesmo o poder (pelas
redes, como argumenta Manuel Castells).
Ferguson defende menos regulação por parte dos governos. Eu
acredito que sem governo (contrato social) não há como viver em sociedade (não
podemos mais voltar ao tempo das savanas e cavernas). O problema é que governos
nem sempre são inteligentes, nem sempre representam a maioria e o bem comum. E
por outro lado, o anarquismo originário na França e o liberalismo de Adam Smith
também já provaram não dar certo. O comunismo na prática também não funciona.
Ferguson talvez esteja propondo um socialismo capitalista ou um capitalismo
socialista. Ou seja, uma nova ordem econômica, que possa guiar os mercados de
forma sustentável, diminuir as desigualdades econômicas, manter as diferenças
culturais.
Um comentário:
Acabei de ler isto:
"A longo prazo, isso fará com que seja impossível, para grupos cada vez maiores, participar do sistema econômico tradicional, levando-os a procurar alternativas, como uma (sub)sociedade baseada em permuta, incitando um retorno ao protecionismo."
em
http://www.baguete.com.br/noticias/07/11/2013/gartner-preve-a-ti-pos-2014
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