domingo, 6 de julho de 2014

O Colapso do Consenso - como conviver com tantas diferenças

Alvin Toffler, na década de 80 no seu livro "A 3a Onda", escreveu uma seção com este título: o colapso do consenso. Ele já previa o surgimento cada vez maior de muitas minorias diferentes e a dificuldade de integração e convívio. É a superespecialização. Podemos ver isto na moda, nas tribos urbanas, nas religiões, partidos e ideologias políticas, nas diferentes filosofias, teorias científicas e educacionais que aparecem nos livros, ou seja, até mesmo nos produtos que consumimos (existem  revistas de Náutica especificamente sobre lanchas, comida indiana sem glúten, roupa masculina para ginástica em academias fechadas). E isto tudo também se reflete nas diferentes formas de agir do ser humano. Qual é a mais correta ?

Segundo Nelson Rodrigues, "o consenso é burro". A democracia melhorou as decisões nas antigas civilizações, evitando que tiranos centralizadores tomassem decisões sozinhos, sem olhar para o bem de todos. A liberdade de expressão é defendida até hoje como algo imprescindível ao bom convívio e necessária para que o bem sobreviva e os erros não sejam escondidos. A diversidade de opiniões é saudável e, assim como o casamento entre raças diferentes propicia uma melhor seleção de genes, pode gerar ideias e decisões melhores. O problema é que a diversidade está crescendo de forma exponencial.

E as diferenças estão se encontrando em grandes aglomerações. Primeiro, nas cidades. A população urbana é de 50% hoje (ou seja, metade da população mundial vive em cidades). Em 2050 será de 70% (Fonte: United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division: World Urbanization Prospects). Geoffrey West (A ciência das cidades) diz que as cidades estão ficando muito complexas, e por isto precisam ser administradas de forma sistêmica (trânsito, mercados, política, etc.).

Depois, esta superdiversidade se encontra nas escolas, nos shoppings e até nas manifestações de rua. Numa escola, professores devem aprender a lidar com crianças com etnias e credos muito diferentes. Para o marketing, está cada vez mais difícil fazer campanhas. Hoje se fala em microssegmentação do mercado, em atendimento e produtos personalizados.

Além disto,vivemos numa aldeia global. Um camponês na China que deixa o campo influencia o quitandeiro em Sapiranga, no Rio Grande do Sul. Isto porque ele irá trabalhar por baixos salários em indústrias plantadas na China por grandes empresas para baratear produção. Sendo estes produtos mais baratos, irão concorrer com fábricas de outros lugares. Assim, as indústrias de calçados em Sapiranga irão perder competitividade, fechar as portas e irão demitir seus empregados. Os quais deixarão de pagar suas contas no quitandeiro da esquina.

Seria o correto seguir pela maioria ? Já escrevi sobre a sabedoria das massas.  Ela pode ser útil e funcionar em vários momentos. Mas no final daquele post falei também da tolice das massas. Acrescento alguns exemplos mais: a ascensão de Hitler. Numa Alemanha humilhada, pobre, faminta, devedora, arrasada, surge um salvador da pátria proclamando vingança, nacionalismo e recuperação econômica. Na França, 10 anos após a Revolução Francesa e a Declaração Universal de Direitos Humanos (até hoje respeitada), Napoleão foi feito imperador e começou sua ditadura e política de expansão de territórios através de guerras. E o homem-massa de Ortega y Gasset vai atrás da maioria (manipulada ou não).

Nem sempre o que a maioria quer ou acredita ser mais correto é o mais certo. Lembro de um filme onde uma cidadezinha estava sendo aterrorizada por um demônio. Ele propôs um trato: levaria um consigo para deixar o povo. Alguns queriam aceitarar, acreditando que o sofrimento de um poderia livrar os demais. Outros não achavam justo que um pagasse por todos. Principalmente, porque o tal demônio queria uma criança. O povo Maia aceitava que uma jovem deveria ser dada em sacrifício aos deuses para uma boa colheita. A família da jovem escolhida se sentia lisonjeada por esta escolha.

Antigamente o povo seguia o líder. Este era o detentor da verdade e da justiça. Foi assim com Abraão, Moisés, Salomão e outros reis da Bíblia. As primeiras cidades eram governadas por pessoas que assumiam os postos de sacerdote e rei ao mesmo tempo. Elas tomavam as decisões e eram respeitadas e obedecidas. Para mais detalhes, ver o livro de Fustel de Coulanges.

Nem maioria nem uma única liderança. Para Michael Sandel (The moral limits of markets, What money can´t buy, Justice), isto não é bom para a democracia. A democracia exige que pessoas diferentes se encontrem, se choquem e negociem as diferenças, para que cada pessoa possa se importar com o bem comum.

Entretanto, Sandel critica a estratificação beneficiada pelo dinheiro. Seu exemplo clássico são os estádios com lugares com preços bem diferentes. Em 1960, a diferença entre o ingresso mais caro e o mais barato era de 3 dólares. Era um lugar onde classes diferentes se encontravam e compartilhavam mesmas alegras e tristezas, inclusive a mesma comida. Ele chama o fenômeno atual de skyboxificação ou camarotização (lembram o Rei do Camarote ?). E isto está acontecendo não só nos esportes, mas também em escolas, bairros, transporte coletivo, etc. É claro que tal diferenciação não tem sua origem nos dias atuais. O famoso Coliseu de Roma já tinha divisão de lugares por classes sociais. Eu costumo dizer que os espetáculos de massa estão sendo elitizados Tudo está sendo transformado em Cirque du Soleil. O de lona já não é mais atrativo.

Uma das soluções possíveis é a representação. Na democracia grega, nem todos votavam; havia representações. A representação é confortável pois outra pessoa faz por mim (bom hoje em dia porque estamos sempre sem tempo). Aí entra o dinheiro e deturpa tudo. Na Grécia Antiga, quem não tinha tempo, pagava para outro lhe representar nas decisões. Mas num mundo complexo, com diferentes ideias, ideologias e filosofias, cheio de enganadores e com milhões de pessoas sendo representadas por apenas uma, a representação tende a não funcionar.

Além disto, é difícil determinar quem realmente tem direito a decidir. Os países colonizadores fizeram grandes conquistas e expansões, mas agora fecham suas fronteiras e segregam os imigrantes ou descendentes, dizendo que estes não possuem direitos.

E o que falar das mudanças de opinião. Nem o representante nem o povo representado tem obrigação de manter seus princípios e convicções por toda a vida. Mas Robespierre foi líder da revolução, chegou a governar a França por pouco tempo e logo depois foi guilhotinado. Para mais detalhes, ver o livro sobre a Revolução Francesa.

Vivemos numa época realmente difícil de definir e pré-determinar tudo. As definições hoje são nebulosas e não únicas ou imutáveis. O que é uma família, uma raça, um casamento, um casal, um filho, uma escola, uma empresa ?

E está cada vez mais difícil dizer o que é certo e o que é errado.

Para encerrar, um conselho dado por Bertrand Russell, numa entrevista (Face a Face com Bertrand Russell, BBC), em 1959:
"Neste mundo que está ficando cada vez mais interconectado, nós temos que aprender a tolerar uns aos outros. Nós temos que aceitar o fato de que algumas pessoas dizem coisas que não gostamos. Nós só podemos viver juntos desta forma, se nós vivermos juntos e não morrermos juntos. Nós precisamos aprender a bondade da caridade e da tolerância. O que é absolutamente vital para a continuação da vida humana neste planeta."



Referências:
  
BLUCHE, Frédéric; RIALS, Stéphane; TULARD, Jean. Revolução Francesa. Porto Alegre: L& PM, 2013.


FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga (4a ed.). São Paulo: Martins Fontes,1998. (original: La Cité Antique).

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