Nesta época, de convulsão em Brasília e próximo do feriado
de 21 de abril, nada mais apropriado que relembrar a história de Tiradentes e
da Inconfidência Mineira.
Aqui vai um pequeno resumo com base no livro que acabei de
ler:
DORIA, Pedro. 1789 - Os Contrabandistas, Assassinos e Poetas
que sonharam a Independência do Brasil. Casa dos Livros, 2014.
Começa pelo adjetivo regionalista "mineira". Sim,
Minas Gerais era a região mais importante da época, pelas atividades econômicas
relativas à extração de ouro e pedras, mas também pelos impostos que pagava. Ali
se formou o grupo que pensou num levante. Mais especificamente em Vila Rica (hoje
Ouro Preto). O nome já diz tudo: era a capital econômica do Brasil. Ali estavam
famílias muito ricas, que faziam a elite desde muito tempo antes.
Os inconfidentes incluíam pessoas de classe média e ricos. Comerciantes,
funcionários públicos, juízes e
militares. Não havia pobres. Mesmo Tiradentes era alferes, empresário e
dentista nas horas vagas. Todos tinham casas boas em Vila Rica ou fazendas. Nestas
casas se reuniam para pensar a revolução. E também nas tabernas, onde bebiam,
filosofavam e tentavam aliciar novos inconfidentes.
E não havia entre eles escravos. Estes apenas serviam de
pombo correio. Assim como na independência americana, não foi prometido o fim total
da escravidão. Apenas para alguns com algumas regras restritas. Lembremos que,
na Revolução Farroupilha, escravos participaram ativamente com a promessa de
dupla liberdade.
Mas os inconfidentes tinham contatos em São Paulo e Rio de
Janeiro. A maioria era comerciante que cedia suas casas para inconfidentes de
passagem. Apenas os mineiros foram condenados.
A data 21 de abril refere-se ao dia de 1792 em que
Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier) foi enforcado no centro do Rio de
Janeiro. Mas as prisões começaram em 1789. As ideias de libertação vieram
antes.
A morte na forca e depois o esquartejamento foi para servir
de exemplo. Assim, como Jesus Cristo, pelo crime de sedição. Se não havia
perdão dos romanos no século I, também não houve por parte de Portugal no
século XVIII. Mas na verdade, somente Tiradentes morreu enforcado. Vários
outros foram condenados à mesma morte, mas a pena foi comutada para degredo ou
prisão em alguma colônia portuguesa na África.
Assim como Cristo, também os inconfidentes tiveram seu traidor.
Que o fez por espontânea vontade. Por dinheiro. O contratador Joaquim Silvério
dos Reis, cheio de dívidas. Alguma semelhança ? Bom, Tiradentes sugeriu que na
bandeira do novo Brasil tivesse um triângulo para lembrar a Santíssima
Trindade.
Mas também houve delatores que o fizeram por pressão, por
medo. Mesmo assim a delação não foi premiada: foram condenados.
Os grupos. Havia os revolucionários como Tiradentes, que
queriam acabar com o jugo português. Inspirados pela Independência dos Estados
Unidos um pouco antes (1776). Inclusive alguns tiveram contato com Thomas
Jefferson e Benjamin Franklin. Mas estes não puderam apoiar o movimento (apenas
apoio moral), porque ainda estavam fazendo seu novo país (e eram embaixadores
em Paris e Londres).
Por falar em apoio, alguns inconfidentes conseguiram a
promessa de apoio bélico (incluindo navios e homens) de comerciantes ingleses e
franceses . O que não aconteceu de fato.
Havia os pensadores e filósofos. Inspirados pelas ideias
iluministas dos franceses. Conseguiam alguns poucos livros, geralmente em
inglês ou francês, incluindo a Declaração de Independência dos Estados Unidos.
Os livros eram comprados em sebos ou de pessoas na Europa. Aqui no Brasil,
passavam de mão em mão.
Havia entre eles vários poetas. O mais famoso, Tomás Antônio
Gonzaga, que escreveu "Marília de Dirceu". Este também tinha sido desembargador
em Minas Gerais. Era uma época romântica. Vários casais apaixonados. Cartas e
poemas. Namoros proibidos. Filhos fora do casamento. Tanto era assim que havia
casas que recebiam bebês recém nascidos durante a noite, para que não fossem
abandonados na rua (porcos que viviam nas ruas poderiam devorar as crianças).
Então havia também juristas, pensando na constituição e na
forma do novo governo. Há quem diga que há haviam escrito tudo, mas tais documentos
não foram encontrados (ainda). Talvez foram queimados para não haver provas.
Por falar nisto, Tiradentes foi o único réu confesso.
Havia padres. Casados, ou solteiros com filhos, comerciantes,
ricos, contrabandistas, donos de fazendas. Foram deportados do Brasil e punidos
pela própria Igreja Católica.
Havia comerciantes, fazendeiros e contratadores. Entre
estes, João Rodrigues de Macedo, que foi casado com Xica da Silva. Um
contratador servia para recolher o ouro extraído em nome de Portugal. Como
diz o nome, fazia um contrato com o Rei
para entregar uma certa quantia de ouro. Se extraísse mais, era dele. Muitas
vezes acontecia o contrário. Assim, na época da conjuração, o metal já estava
escasso e as dívidas dos contratadores só aumentava.
Os contratadores eram escolhidos por privilégios. Esta é uma
característica do estilo português e até hoje não perdemos esta mania. E Portugal
sempre utilizava intermediários. Não queriam sujar as mãos. Só receber sua
parte. Alguma semelhança hoje em dia ? Foi assim com os primeiros exploradores
de pau-brasil (entre eles Fernando de Noronha, que inclusive pôde comprar uma
ilha, famosa hoje).
Os motivos da insurreição. Um dos mais importantes foi o
pagamento de impostos a Portugal. Minas Gerais era rica e achava que pagava
pelo Brasil todo e sustentava Portugal.
Havia 3 impostos: o Dízimo (obrigatório, e pago diretamente
à Igreja), o Quinto (20% das extrações, pago diretamente ao Rei) e as Entradas (uma
espécie de ICMS da época). Naquela época, havia muito contrabando de ouro e
pedras, porque os impostos eram altos. O Rei inclusive fez Estradas Reais. As
pessoas só podiam passar por elas. Se fossem pegas viajando fora delas, eram
contrabandistas.
O tiro pela culatra dos inconfidentes e a salvação de Portugal
foi que uma cobrança monstro de impostos atrasados (chamada Derrama) não
aconteceu. Portugal indicou novo governador para cobrar o seu quinto, que
estava atrasado. O problema é que a quantia era muito grande. Toda a população
teria que pagara. Dividindo igualitariamente cada um teria que pagar o que não
ganharia na vida toda. Os impostos também foram motivos para a independência
americana e toda a revolta dos judeus contra romanos.
Os inconfidentes esperavam (e até sugeriam que fosse feita)
a Derrama para começar a revolução com um grande motivo. Certamente, toda a
população iria participara do movimento. Mas a Derrama não aconteceu. Antes
disto, o vice-rei ficou sabendo de tudo e abortou a operação. Prendeu todos os
líderes e simpatizantes. Eram poucos. Talvez aí também esteja uma causa para o
fracasso.
Mas também os governantes e juízes eram escolhidos por
Portugal. Bem como as leis. E havia muita corrupção. Servidores públicos
ficavam ricos e favoreciam seus amigos. Governantes podiam criar companhias
militares e delegar postos como quisessem. Todos com altos salários. Havia até
regimentos fantasmas. Alguma semelhança hoje em dia ?
Ricos ficavam mais ricos. Pobres, mais pobres. Os brasileiros
não gostavam de Portugal. Mas não sabiam como se livrar. E não estavam tão
organizados como os norte-americanos. Ou não tinham líderes tão inteligentes. Somente
alguns poucos brasileiros conseguiam fazer cursos universitários na Europa.
Aqui não havia isto. Foram estes que começaram o movimento.
Outro motivo do levante foram as ideias libertárias que
chegavam do norte da América e da Europa. A época é a mesma da Revolução
Francesa. E os eventos aconteceram praticamente juntos. Só que na França, o
povo todo participou da revolução. Aqui, apenas alguns sonhadores. O romantismo,
apoiado na influência de norte-americanos e franceses, inflamado pelos escritos
de filósofos e poetas, estrangeiros ou nacionais, acenou com o sentimento de
liberdade e mudança. Próprio de jovens. Mas os inconfidentes não eram jovens. A
maioria já próximos ou passando os 40 anos.
O fracasso também pode ser associado às deserções.
Comerciantes foram aliviados de algumas dívidas. A ameaça de morte afugentou os
mais indecisos. E militares foram seduzidos com cargos. Alguma semelhança hoje
em dia ?
Não foi a primeira revolta. Mas foi uma que chegou perto de
um novo país. Por isto, talvez tenha sido novidade para alguns que
participaram. E por isto a data é comemorada com tanta importância quanto o 7
de setembro (com feriado nacional). Tiradentes foi mártir e líder inspirador de
liberdade e mudança.
Nem foi a última revolta. Talvez as manifestações atuais
sejam reflexo da rebeldia e do sonho daquela época.
Veja uma lista de revoltas no Brasil em
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