A privacidade acabou. Em 4 passos.
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Passo 1: coleta e armazenamento de dados
Com esta onda de Big Data por aí, está todo mundo coletando
dados sobre todos. A operadora de celular sabe por onde a gente anda e quando.
Qual o caminho que costumamos fazer, por onde costumamos andar em cada dia da
semana e horário. E se instalarmos aplicativos tipo o Waze no nosso celular, a
Google (que comprou o Waze) vai saber até a que velocidade estamos andando. E
daí inferir se estamos a pé ou de carro, ou num engarrafamento.
Aí alguém inventou a tecnologia de RFID, e ela está em
cartões com chips, carros, produtos novos e vai estar em sacolas, carrinhos de
supermercados, etc. Então não é só por celular. Os aplicativos e softwares que
usamos em celulares, tablets, notebooks e etc também estão avisando onde
estamos, se estivermos conectados via Wifi, 3G ou 4G.
A coleta também pode ser feita por observação. Não conheço
estabelecimento que faça isto, mas é um futuro provável. Quando você paga em
dinheiro num supermercado, este só registra o que você comprou e como; não ficam
registrados dados como seu sexo, idade, etc. Mas imagine que o operador do
caixa (check-out) possa observar o cliente e utilizar códigos para dar entrada
no sistema de dados que ele está vendo (sexo, faixa etária, estilo de se
vestir, se está acompanhado ou não).
Num futuro um pouco mais distante isto já poderá ser feito através
da análise de imagens gravadas com câmeras.
Experimento que, pelo contorno da pessoa diante de um
banner, era possível identificar o sexo e a faixa etária.
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Passo 2: enriquecimento de dados
Cada click na internet é monitorado. Aí eles cruzam estes
dados com o que a gente comprou pela internet. Aí eles cruzam estes dados com nossos
cadastros em lojas físicas. Aí eles cruzam com o que a gente comprou na loja
física, fora da Internet. Aí eles complementam estes dados sobre nós com nossos
perfis nas redes sociais e com o que estamos dizendo em fóruns e blogs (é o
Social CRM).
E é possível pegar dados públicos, disponíveis livremente na
Internet. Estes dados não identificam pessoas individualmente, mas dão
estatísticas sobre grupos de pessoas. Uma empresa pode comprar uma lista
telefônica com nome, endereço e telefone de clientes. Mas não sabe classificar
os clientes por dados sócio-demográficos. Então, a empresa pode consultar bases
públicas sobre setores censitários. Um setor censitário é diferente de um
bairro ou quadra; é uma região, geralmente menor que um bairro mas podendo
abranger partes de 2 bairros, que foi pesquisada pelo censo do IBGE (exemplos
na Figura 24).
Então, há informações estatísticas sobre cada setor específico. Imagine que a
empresa então possui os seguintes dados sobre uma pessoa: o nome é José da
Silva e mora na Rua X, n.41. Bom, usando um sistema de GIS simples, pode-se
saber o setor censitário onde ela mora. Depois, procuram-se dados estatísticos
sobre este setor e, digamos, temos que neste setor:
•
100% das
residências possuem 3 TVs;
•
98%
possuem 2 banheiros;
•
90%
possuem aparelhos de DVD;
•
90%
possuem TVs LCD;
•
etc.
Agora, de posse destas
informações estatísticas, podemos
estimar alguns dados sobre José da Silva. Que ele tem 3 TVs, com 100% de
chances, que há 98% de chances de ele ter 2 banheiros em casa, e assim por
diante.
Então, desta forma, uma
empresa combina a lista telefônica com dados censitários e poderá obter um
banco de dados de clientes potenciais.
Empresas parceiras também
costumam compartilhar dados sobre clientes, por exemplo, administradoras de
cartões de crédito, instituições financeiras, redes de varejo, escolas, postos
de gasolina, editoras, etc.
E a cada pesquisa que participamos, com o objetivo de
concorrer a prêmios, estamos fornecendo mais dados sobre nós.
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Passo 3: análises e inferências
Inferir é gerar uma informação a partir de outra. Se você
compra muito produto congelado no supermercado, a análise destes dados pode
ajudar a inferir que:
a) você tem um bom freezer em casa;
b) você não sabe cozinhar ou não gosta;
c) você é uma pessoa muita atarefada e não tem tempo nem
para cozinhar.
O nível de inferência é subjetivo de cada organização e certamente
aumenta a incerteza sobre a veracidade da informação. Mas muitas empresas
assumem o risco desta incerteza, porque mais incerto ainda é não saber nada
sobre o cliente.
Tempos atrás surgiram alguns artigos falando sobre
Phenomenal Data Mining. Que significa tentar inferir eventos ou atributos de entidades
a partir de coleções de dados. É na prática e com seriedade fazer aquela
brincadeira de analisar os restos no lixo de alguém. Aí você saberá que tipo de
pessoa é, pelo que compre e consome (marcas, tipos de produtos, faixas de
preços, etc). Assim, se você compra Xampu feminimo e desodorante feminino juntos na mesma compra,
você é uma mulher. Se comprar Xampu para carro, esponja para lavar carro e
creme para polimento de carro, você certamente tem um carro. É claro que há
margem para erros.
E utilizando a sabedoria das massas, se numa loja de
supermercado a venda de água mineral foi muito acima do normal, é porque faltou
água neste bairro. E se na mesma cidade, várias farmácias estão vendendo
antigripal, é porque há um surto de gripe. E provavelmente a temperatura também
esfriou ou a umidade aumentou.
E isto já chegou à Internet. O Facebook já consegue inferir nossa
orientação sexual e tendência política só analisando nossas
"curtidas" (ler a reportagem "Estudo mostra que botão ‘Curtir’
do Facebook revela muito mais do que se imagina sobre o usuário
Há uns tempos atrás, a Microsoft tinha um experimento para
inferir sexo e faixa etária de uma pessoa, pelo tipo de assunto que buscava na
Internet (http://adlab.msn.com/DPUI/DPUI.aspx). Veja as imagens abaixo. Olhei
agora e o experimento é outro (no redirecionamento deste link).
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Passo 4: ofertas personalizadas ou recomendações
Qual a diferença entre spam e recomendação (ofertas
personalizadas): se você receber um SMS às 3h da manhã avisando de promoção
(venda de um produto) e:
a) ficar irritado com a operadora: isto é spam;
b) ficar contente e agradecer a operadora porque no dia
seguinte irá comprar várias unidades: isto é recomendação.
A recomendação é direcionado a cada indivíduo e não por
grupos. É parte do chamado Marketing de Relacionamento ou Marketing 1-to-1
(Peppers & Rogers). Para isto, a empresa precisa saber muito sobre o
cliente. Mas é a forma que as empresas têm para diminuir a margem de erro. E
ninguém vai deixar de fazer propaganda.
O Google ganha dinheiro assim. Dependendo do que você está
procurando na Internet, isto é, das palavras que você coloca no buscador, as
propagandas serão diferentes. E elas serão contextualizadas também no seu
Gmail. E eles possuem tecnologias para identificar o assunto em vídeos no
Youtube, seja pelas palavras no título do vídeo, pelas tags marcadas por quem
postou o vídeo ou, com mais tecnologia, pelas palavras que estão no áudio do
vídeo.
A privacidade acabou então. Estamos combinados.
O que existe é política de privacidade. Onde a empresa diz
que dados está coletando das pessoas, como e para quê. E a pessoa assina ou
clica aceitando a política de privacidade. Dizem que apenas 0,4% dos visitantes
de um site leem a política de privacidade do site. E quem lê as várias páginas com
linhas pequenas nos contratos de serviços ?
O W3C está planejando um protocolo para ajudar usuários a
controlarem sua privacidade (o PPP). Funciona assim: cada usuário configura no
seu navegador o seu nível de privacidade, isto é, o que permite que um site
colete de informações, ao você entrar neste site. O site, embutido no seu
código HTML, colocará sua política de privacidade (é claro que estruturada
neste protocolo). Quando você estiver para entrar num site, o navegador compara
o nível de privacidade do usuário com a política do site. Em caso de
incompatibilidade, ele avisa o usuário ou não permite entrar.
Note que os aplicativos baixados para Android já avisam o
usuário deste tipo de informação (o que o aplicativo vai fazer, que tipo de
conexão ou transferência, ou que dados irá manipular no dispositivo móvel).
Outra iniciativa para controle de privacidade está no novo Código
de Defesa do Consumidor 2.0. Nele está dito que as empresas não podem passar
adiante dados coletados de uma pessoa. Isto é crime. O problema é como
controlar isto. Quando a gente recebe em casa uma propaganda pelo correio
normal, a quem vamos culpar ? Quem forneceu nossos dados para esta empresa que
enviou a propaganda ?
Alguns Procons já aceitam cadastros para listas brancas
contra telemarketing. Por exemplo, você cadastra seu telefone e nenhuma empresa
pode ligar para você, sob pena de receber multa. A questão é que as empresas
fazem as contas e verificam que é mais vantajoso continuar ligando e pagando a
multa.
Na Constituição brasileira está definido o direito de habeas data. Você pode entrar com uma ação
de habeas data para adicionar,
retirar ou retificar informações em cadastros existentes, desde que a
instituição seja pública ou de caráter público. O bom seria permitir a cada
cidadão poder fazer isto em qualquer tipo de banco de dados. Ou ao menos,
receber uma parcela dos ganhos de propaganda, quando nossos dados forem
utilizados.
Agora a Vivo criou um modelo novo de propaganda. Se você
aceitar ouvir uma ligação com propaganda no seu celular, você recebe bônus (ler
a reportagem "Vivo lança serviço de chamada patrocinada"
2 comentários:
Abração profº Stanley ! Algum tempo atrás vi ser ofertado uma caixinha para contar clientes. Oticamente, com lentes e sofwtare para identificar gente caminhando para dentro e para fora da loja.
No meu conhecimento parcial sobre comércio fiz a seguinte hipótese: o lojista tem parte do seu faturamento informal ou descolado do estoque, e quer monitorar se seus empregados não o estão fazendo vendas em seu lugar.
Ou ele deseja saber quantos clientes entram na loja mas não compram nada.
Enfim, um dispositivo que conta pessoas é um passo para um que as identifica.
Sobre privacidade, acabou mesmo. A única maneira de compatibilizar essa privacidade quase nula com segurança e bem estar é uma democracia radical, na qual ninguém tem nada a esconder de ninguém.
Se o cidadão tem sua vida completamente na mão do Big Brother, esse cidadão precisa de um controle fino sobre o Estado.
Mas isso é uma ideia, não se conhece situação que isso tenha funcionado.
Vou ler com calma seu artigo com mais calma.
Obrigado, Eduardo, por sua contribuição.
Há quem diga que é mais importante para uma loja saber quem entrou e não comprou nada. Assim, vale mais a informação do que a pessoa queria comprar e não comprou do que o que está registrado no banco de dados (suas compras). Assim, a loja pode adequar-se para não perder mais esta venda.
Sobre o Big Brother, saiu reportagem recente falando que já formas de identificar unicamente pessoas por tatuagens e pílulas. Já tem gente falando que é o 666 chegando.
Abraço.
http://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2013/05/google-quer-usar-tatuagem-e-pilulas-especiais-para-aposentar-senhas.html
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