segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Tudo são Números: por que o mundo e as pessoas não podem viver sem a Matemática

"Todas as coisas são números", já dizia Pitágoras há mais de 2 mil anos atrás. Se as coisas não nascem números, nós as transformamos em números. A representação por números começou para facilitar as comparações e depois o comércio. E isto permitiu identificar padrões, para entendermos o passado e podermos nos preparar para o futuro. Assim foi contando dias, estações e anos. Só assim entendemos os ciclos da agricultura e de morte-vida de animais, inclusive nós mesmos.

Mais tarde os números nos permitiram dar valor às coisas, sejam materiais (quanto custa, por quanto posso trocar) e mesmo às nossas vidas (por quanto tempo vamos viver, quanto tempo ainda temos, quanto vale nosso dia, nossas horas e nosso trabalho).

É mais fácil para entender a natureza, os sistemas, os comportamentos e relações, e até mesmo a complexidade.

A Teoria do Caos diz que há padrão em tudo, até mesmo no nosso livre arbítrio. E tudo se reduz a funções matemáticas. A dificuldade não é nem encontrar a função que rege cada sistema, mas sim saber quais variáveis influenciam cada resultado, e depois conseguir coletar em tempo hábil cada medida.

Se há padrão em tudo e se pudéssemos controlar as equações que nos regem, nosso futuro já estaria determinado ? Haveria surpresas ? Teríamos como mudar o futuro ? Judas teria sido apenas uma variável na equação do cristianismo ? Ou ele teve o poder da decisão ?

Constatações - padrões numéricos na natureza


"A Matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o Universo" (Galileu Galilei).
"Deus não joga dados com o Universo" (Einstein).

Muitos cientistas acreditam que a Matemática pode explicar muitos eventos e pode ajudar a entender outros tantos. A Física e a Astronomia mesmo só se desenvolveram por causa da Matemática.

Há quem veja números em tudo. Geralmente, seus números da sorte. Outros acreditam que avistar o mesmo número mais de uma vez num dia, ou sonhar com ele, pode ser um indicativo de que tal número vai aparecer de novo (e geralmente na loteria).

Mas deixando de lado teorias não confirmadas, vamos ver o que já foi constatado. A famosa série de Fibonacci foi encontrada em vários casos na natureza (sementes de girassóis, caracóis, alinhamento de planetas). A regra desta série é de que o próximo número é soma dos 2 anteriores (0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, ...). Ela era utilizada na arquitetura antiga como uma forma de estética e beleza.








Outra série famosa é a que virou a lei de Titius-Bode. Ela foi formulada inicialmente por Johann Titius em 1776 e depois formulada como uma expressão matemática por J. E. Bode em 1778. Esta série descreveria a distância dos planetas ao sol (com algum ajuste). Com esta série William Herschel descobriu um novo planeta além de Saturno: Urano (Losee, 2001). Também procuraram o planeta que faltava entre Marte e Júpiter e descobriram os asteroides Ceres e Pallas. É claro que os céticos falam em coincidência.

Outra relação interessante entre números é o próprio número Pi: a razão entre a circunferência de qualquer círculo e seu diâmetro, a  relação entre os números primos maiores, etc.

A Geometria, um ramo da matemática, também está presente na arquitetura e nas relações do corpo humano.

O desenho do Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci apresenta as proporções do corpo humano. E Da Vinci se inspirou em Vitrivius, que acreditava que a arquitetura deveria imitar as proporções da natureza. (Christianson, 2012)






No Egito antigo, os desenhos de pessoas também respeitavam proporções. Antes de pintar ou entalhar nas paredes, eram traçadas linhas formando grades, para que fosse obtido um desenho proporcional do corpo humano.




E o que falar das Pirâmides, planejadas pela geometria e satisfazendo as mesmas relações matemáticas que as 3 Marias (cinturão de Orion) ? E eles não estão alinhadas em uma reta. A menor está desalinhada.




Também não se pode deixar de falar do famoso teorema de Pitágoras com diversas aplicações como por exemplo cálculo de distâncias, cálculo de menor caminho, etc.

Já as leis gerais da geometria do grego Euclides são usadas até hoje para posicionamento em mapas, inclusive em espaços com mais de 3 dimensões. Até em funções computacionais de avaliação de similaridade e raciocínio baseado em casos (RBC), a distância euclidiana é utilizada.


Os números não mentem


Números são usados para tomada de decisão. "Quem não tem dados, não toma decisão, joga dados". Os analistas reduziram os esportes a estatísticas. E assim criam modelos para fazer previsões. O livro-filme Moneyball  fala do uso de estatísticas para ajudar a selecionar jogadores, e como isto revolucionou o esporte (Lewis, 2004).

E os investidores das Bolsas de Valores pelo mundo todo ? Eles se baseiam em gráficos para tomar decisões. Como este abaixo, que representa o valor das ações do Facebook no 1o semestre de Junho de 2012 a Agosto de 2013.


Mas para transformar o gráfico em números, em algo mais palpável para análise, seja humana ou computacional, as séries temporais são então utilizadas para representar a variação do valor das ações ao longo do tempo. Na figura abaixo, uma parte do gráfico anterior com sinais indicando padrões matemáticos identificados no sobe-desce da linha.




A vida em números


Até a vida das pessoas está sendo representado em números. O método do biorritmo pretende mostrar as características físicas, emocionais, intelectuais e intuitivas em momentos no tempo. Isto permitiria considerar o momento de cada dimensão para tomar decisões. O pressuposto é que a vida de uma pessoa, representada por estas 4 dimensões, segue ciclos de períodos regulares (contados em dias). A figura abaixo mostrar o meu Biorritmo no dia 18 de agosto de 2013, calculado pelo site http://www.profcardy.com/numerologia/biorritmo.php




E a próxima figura mostra a previsão para os próximos 2 meses. Quando as 4 linhas estiverem lá embaixo, não vou marcar nenhum compromisso.



O comportamento das pessoas em números


O Prêmio Nobel de Economia geralmente é dado a matemáticos, porque estes descobrem funções matemáticas para explicar comportamentos econômicos. Um destes casos é o de John Nash. No filme "Uma Mente Brilhante", a vida deste gênio é bem retratada. Em algumas passagens podemos ver como sua mente funcionava, tentando encontrar padrões matemáticos em tudo, por exemplo, pássaros voando, pessoas caminhando no campus da universidade.

O humor da humanidade já pode ser representado por uma série temporal, a partir da análise de postagens no Twitter. E já se pode entender o aumento de vendas pela análise dos gráficos do Google Trends. E isto inclui prever a bilheteria de um filme analisando blogs. Os artigos de Bollen et al. (2011), Choi e Varian (2012) e Mishne (2006) explicam o que eu estou dizendo.


Qualitativo para quantitativo


Usamos números e funções matemáticas para facilitar o entendimento de situações complexas, para encontrar padrões, para fazer raciocínio probabilístico e previsões, para tomar decisões com base em probabilidades .

Tornar o subjetivo em objetivo, o abstrato em mensurável, o incompreendido e intocável em algo simples: este é o nosso desafio.  

O programa Soundhoud que "escuta" um trecho de música e nos diz que música é, transforma música em números para poder fazer a comparação rápida. Os softwares de biometria (identificação por características físicas da pessoa) também transformam um ser humano em números. Nossas características (traços do rosto ou das impressões digitais, atributos de nossa voz ou pupilas) são transformadas para equações matemáticas para uma rápida análise. Provavelmente isto tudo é feito em nosso cérebro, mas não de forma consciente, sobre a qual possamos raciocinar. Mas colocando as intuições em números, podemos entender as regras, ver o que está certo ou errado e construir ferramentas computacionais para nos ajudar a lidar com tanto volume de dados.

Nas empresas, os projetos são medidos pelo chamado ROI (retorno do investimento). Significa traduzir uma complexidade a um único número: o que vamos ganhar financeiramente.

No nosso dia a dia, também usamos simplificações deste tipo. Por exemplo, para representar a qualidade de um filme ou uma música, usamos estrelas. Quanto mais estrelas, melhor a qualidade. Mas como traduzir um conjunto de diretores, atores, temas, cenários, etc. a um único número.

Já há estudos para análise automatizada de textos e imagens. Isto certamente passa por números e fórmulas matemáticas. Só assim poderemos num futuro breve pesquisar no Youtube por um vídeo onde apareça um casal numa praia com coqueiros, ao entardecer.


Perigos do reducionismo


Reduzir sistemas complexos a sistemas simples ou a um conjunto de regras simples é perigoso. A Teoria de Newton, que fazia isto (apesar de tantos acertos) caiu. A de Einstein, sucessora da de Newton, também possui lacunas. As leis da macro Física não se ajustam aos comportamentos no mundo micro.

Esta é uma tendência perigosa do ser humano: criar um modelo ou teoria e sair procurando casos que confirmem a sua validade. Por isto é que Popper (1980) diz que Astrologia e Numerologia explicam tudo.

Daqui a pouco vamos estar categorizando e estereotipando pessoas, como fazemos com grupos musicais e criações artísticas. O perigo do rótulo é não conseguir sair dele.  

Tentar encontrar padrão em tudo pode virar um TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) dos números. E tentar usar fórmulas matemáticas para tudo pode complicar a Matemática do amor. No filme "Quero ficar com Polly", a personagem de Ben Stiller é um analista de riscos para uma seguradora e utiliza seu software para saber o risco de casar com a personagem de Jeniffer Aniston.

Como Popper (1980, p.17) nos diz:
"... fenômeno psicológico do pensamento dogmático ou, de modo geral, do comportamento dogmático: esperamos encontrar regularidades em toda parte e tentamos descobri-las mesmo onde elas não existem; os eventos que resistem a essas tentativas são considerados como 'ruídos de fundo'; somos féis a nossas expectativas mesmo quando elas são inadequadas - e deveríamos reconhecer a derrota."

Nem sempre os números são melhores que nossas intuições e sentimentos. E as emoções e sentimentos também nos ajudam a tomar melhores decisões (Damasio, 2005). Algumas vezes as decisões inconscientes funcionam melhor que raciocínios complexos e lógicos (Gladwell, 2005; Kahneman, 2012; Wilson, 2004). Até mesmo a repetição, o hábito, pode ser melhor em muitas situações (Duhigg, 2012).

Nate Silver relata que olheiros humanos tiveram melhores desempenhos que as estatísticas do sistema Pecota em vários casos no baseball (Silver, 2013). Apesar de Lewis (2004) relatar alguns casos contrários, (em Moneyball, as estatísticas foram melhores que olheiros), a conclusão é que ambos devem se ajudar.

A prova disto é que a equipe de Obama mesclou dados e sentimentos das pessoas para fazer uma campanha vitoriosa (Moraes, 2012).


Determinismo X Livre arbítrio


Outro perigo é deixar que os modelos guiem nossas vidas, como se não pudéssemos nos desvencilhar deles.

Anos atrás, um clube de futebol utilizou o Biorritmo para escalar jogadores. Só entrariam em campo os que tivessem os gráficos em alta. Certamente não deu certo, porque não se ouviu mais falar disto. É o perigo de uma teoria não comprovada dominando pessoas e decisões.

Certa vez conhecia uma pessoa que sofria de depressão. Ela havia criado uma espécie de biorritmo (uma série temporal) da sua bi-polaridade de humor. Então ela já sabia quando estaria bem e quando estaria deprimida. O problema é saber quem determina quem. O perigo era a série influenciar o humor desta pessoa ("se o gráfico diz que amanhã não vou estar bem, então nem vou tentar nada para fazer diferente").

Não acredito no Demônio de Laplace, segundo o qual, se houvesse uma função matemática relacionando todos elementos físicos e soubéssemos seus estados, poderíamos prever o futuro e dele não escaparíamos.

Voltando ao tema levantado na introdução, seria como se Judas tivesse sido apenas uma variável na equação do cristianismo, sem poder decidir. Há pesquisadores que dizem que somos condicionados pelo meio. Há outros que dizem que somos condicionados por nossos neurônios (ver http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/planeta-ciencia/noticia/2013/08/sob-o-imperio-do-cerebro-4235395.html). Fukuyama (The End of History and the Last Man) acreditava que o equilíbrio já tinha sido alcançado e nada poderia mudar nas relações macro sócio-econômicas do mundo.

Eu acredito no livre arbítrio e no não-determinismo. Acho que podemos construir o futuro, moldá-lo e até mesmo tentar controlá-lo. Não é certo que vamos conseguir 100% de sucesso. Mas não podemos ficar presos ao laissez-faire.


Conclusão


A Matemática está presente em tudo o que fazemos, queiramos ou não. Precisamos dominá-la, não para tentar prever o futuro, mas para podermos viver num mundo feito de números.

Há padrões e fórmulas matemáticas em várias situações. Mas talvez não deva ser nossa obsessão tentar descobri-los. Um pouco de surpresa e indeterminismo pode nos trazer uma vida mais prazerosa. Quem quer saber quando irá casar ? Ou quem ? E a data de sua morte ?

Também temos que equilibrar o mundo qualitativo com o quantitativo. Ou alguém quer ser chamado por um número ? Ou ser categorizado ? E saber dosar dados, estatísticas, intuições, instintos, emoções e sentimentos.

Nossos professores de Matemática precisam contextualizar o ensino, explicando seu uso e aplicações cotidianas. Mostrar a beleza de sua presença na natureza, no Homem, nas relações e comportamentos, mais como uma forma de arte do que estatística e regras.

Assim, nossas crianças vão continuar contando a História da Matemática, desde sumérios e babilônios, até o Futuro. Uma evolução que acompanha a do Homem.

E se alguém se opuser, que seja admoestado pelos números nas avaliações finais. Para que aprenda o misterioso segredo da Matemática. Pelo menos para não ser enganado no troco.

Referências


BOLLEN, Johan; MAO, Huina; ZENG, Xiao-Jun. Twitter mood predicts the stock market. Journal of Computational Science, v.2, n.1, Março de 2011, p.1-8.

CHOI, Hyunyoung; VARIAN, Hal. Predicting the Present with Google Trends. The Economic Record, v.88, n.1, 2012, p.2-9.

CHRISTIANSON, Scott. 100 diagrams that changed the world: from the earliest cave paintings to the innovation of the ipod. New York: Penguin books, 2012.

DAMASIO, Antonio. Descartes' Error: Emotion, Reason, and the Human Brain Paperback. Penguin Books, 2005.

DUHIGG, Charles. O Poder do Hábito - Por que fazemos o que fazemos na vida e nos Negócios. Objetiva, 2012.

GLADWELL, Malcolm. Blink - A Decisão Num Piscar de Olhos. Rocco, 2005.

KAHNEMANN, Daniel. Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar. Objetiva, 2012.

LEWIS, Michael. Moneyball: The Art of Winning an Unfair Game. W. W. Norton & Company, 2004.

LOSEE, John. A Historical Introduction to the Philosophy of Science. 4a.ed. New York: Oxford University Press, 2001. (original 1972)

MISHNE, Gilad. Predicting movie sales from blogger sentiment. In AAAI Spring Symposium on Computational Approaches to Analysing Weblogs (AAAI-CAAW) 2006.

MORAES, Maurício. Big Brother Obama. Revista Info, Editora Abril, n.324, dezembro de 2012.

POPPER, Karl R. Conjecturas e Refutações. Brasília: Editora da UnB. 1980.

SILVER, Nate. O sinal e o ruído: por que tantas previsões falham e outras não. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.


WILSON, Timothy D. Strangers to Ourselves: Discovering the Adaptive Unconscious. Belknap Press of Harvard University Press, 2004.

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