"Todas as coisas são números", já dizia Pitágoras
há mais de 2 mil anos atrás. Se as coisas não nascem números, nós as
transformamos em números. A representação por números começou para facilitar as
comparações e depois o comércio. E isto permitiu identificar padrões, para
entendermos o passado e podermos nos preparar para o futuro. Assim foi contando
dias, estações e anos. Só assim entendemos os ciclos da agricultura e de
morte-vida de animais, inclusive nós mesmos.
Mais tarde os números nos permitiram dar valor às coisas,
sejam materiais (quanto custa, por quanto posso trocar) e mesmo às nossas vidas
(por quanto tempo vamos viver, quanto tempo ainda temos, quanto vale nosso dia,
nossas horas e nosso trabalho).
É mais fácil para entender a natureza, os sistemas, os
comportamentos e relações, e até mesmo a complexidade.
A Teoria do Caos diz que há padrão em tudo, até mesmo no
nosso livre arbítrio. E tudo se reduz a funções matemáticas. A dificuldade não
é nem encontrar a função que rege cada sistema, mas sim saber quais variáveis
influenciam cada resultado, e depois conseguir coletar em tempo hábil cada
medida.
Se há padrão em tudo e se pudéssemos controlar as equações
que nos regem, nosso futuro já estaria determinado ? Haveria surpresas ?
Teríamos como mudar o futuro ? Judas teria sido apenas uma variável na equação
do cristianismo ? Ou ele teve o poder da decisão ?
Constatações - padrões numéricos na natureza
"A Matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o
Universo" (Galileu Galilei).
"Deus não joga dados com o Universo" (Einstein).
Muitos cientistas acreditam que a Matemática pode explicar
muitos eventos e pode ajudar a entender outros tantos. A Física e a Astronomia mesmo
só se desenvolveram por causa da Matemática.
Há quem veja números em tudo. Geralmente, seus números da
sorte. Outros acreditam que avistar o mesmo número mais de uma vez num dia, ou
sonhar com ele, pode ser um indicativo de que tal número vai aparecer de novo
(e geralmente na loteria).
Mas deixando de lado teorias não confirmadas, vamos ver o
que já foi constatado. A famosa série de Fibonacci foi encontrada em vários
casos na natureza (sementes de girassóis, caracóis, alinhamento de planetas). A
regra desta série é de que o próximo número é soma dos 2 anteriores (0, 1, 1,
2, 3, 5, 8, 13, 21, ...). Ela era utilizada na arquitetura antiga como uma
forma de estética e beleza.
Outra série famosa é a que virou a lei de Titius-Bode. Ela
foi formulada inicialmente por Johann Titius em 1776 e depois formulada como
uma expressão matemática por J. E. Bode em 1778. Esta série descreveria a distância
dos planetas ao sol (com algum ajuste). Com esta série William Herschel
descobriu um novo planeta além de Saturno: Urano (Losee, 2001). Também
procuraram o planeta que faltava entre Marte e Júpiter e descobriram os asteroides
Ceres e Pallas. É claro que os céticos falam em coincidência.
Outra relação interessante entre números é o próprio número
Pi: a razão entre a circunferência de qualquer círculo e seu diâmetro, a relação entre os números primos maiores, etc.
A Geometria, um ramo da matemática, também está presente na arquitetura
e nas relações do corpo humano.
O desenho do Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci apresenta
as proporções do corpo humano. E Da Vinci se inspirou em Vitrivius, que
acreditava que a arquitetura deveria imitar as proporções da natureza. (Christianson,
2012)
No Egito antigo, os desenhos de pessoas também respeitavam
proporções. Antes de pintar ou entalhar nas paredes, eram traçadas linhas
formando grades, para que fosse obtido um desenho proporcional do corpo humano.
E o que falar das Pirâmides, planejadas pela geometria e
satisfazendo as mesmas relações matemáticas que as 3 Marias (cinturão de Orion)
? E eles não estão alinhadas em uma reta. A menor está desalinhada.
Também não se pode deixar de falar do famoso teorema de
Pitágoras com diversas aplicações como por exemplo cálculo de distâncias, cálculo
de menor caminho, etc.
Já as leis gerais da geometria do grego Euclides são usadas até
hoje para posicionamento em mapas, inclusive em espaços com mais de 3
dimensões. Até em funções computacionais de avaliação de similaridade e
raciocínio baseado em casos (RBC), a distância euclidiana é utilizada.
Os números não mentem
Números são usados para tomada de decisão. "Quem não
tem dados, não toma decisão, joga dados". Os analistas reduziram os esportes
a estatísticas. E assim criam modelos para fazer previsões. O livro-filme
Moneyball fala do uso de estatísticas
para ajudar a selecionar jogadores, e como isto revolucionou o esporte (Lewis,
2004).
E os investidores das Bolsas de Valores pelo mundo todo ?
Eles se baseiam em gráficos para tomar decisões. Como este abaixo, que
representa o valor das ações do Facebook no 1o semestre de Junho de 2012 a Agosto
de 2013.
Mas para transformar o gráfico em números, em algo mais
palpável para análise, seja humana ou computacional, as séries temporais são então
utilizadas para representar a variação do valor das ações ao longo do tempo. Na
figura abaixo, uma parte do gráfico anterior com sinais indicando padrões
matemáticos identificados no sobe-desce da linha.
A vida em números
Até a vida das pessoas está sendo representado em números. O
método do biorritmo pretende mostrar as características físicas, emocionais,
intelectuais e intuitivas em momentos no tempo. Isto permitiria considerar o
momento de cada dimensão para tomar decisões. O pressuposto é que a vida de uma
pessoa, representada por estas 4 dimensões, segue ciclos de períodos regulares
(contados em dias). A figura abaixo mostrar o meu Biorritmo no dia 18 de agosto
de 2013, calculado pelo site http://www.profcardy.com/numerologia/biorritmo.php
E a próxima figura mostra a previsão para os próximos 2
meses. Quando as 4 linhas estiverem lá embaixo, não vou marcar nenhum
compromisso.
O comportamento das pessoas em números
O Prêmio Nobel de Economia geralmente é dado a matemáticos,
porque estes descobrem funções matemáticas para explicar comportamentos
econômicos. Um destes casos é o de John Nash. No filme "Uma Mente
Brilhante", a vida deste gênio é bem retratada. Em algumas passagens
podemos ver como sua mente funcionava, tentando encontrar padrões matemáticos
em tudo, por exemplo, pássaros voando, pessoas caminhando no campus da
universidade.
O humor da humanidade já pode ser representado por uma série
temporal, a partir da análise de postagens no Twitter. E já se pode entender o aumento
de vendas pela análise dos gráficos do Google Trends. E isto inclui prever a bilheteria
de um filme analisando blogs. Os artigos de Bollen et al. (2011), Choi e Varian
(2012) e Mishne (2006) explicam o que eu estou dizendo.
Qualitativo para quantitativo
Usamos números e funções matemáticas para facilitar o entendimento
de situações complexas, para encontrar padrões, para fazer raciocínio
probabilístico e previsões, para tomar decisões com base em probabilidades .
Tornar o subjetivo em objetivo, o abstrato em mensurável, o
incompreendido e intocável em algo simples: este é o nosso desafio.
O programa Soundhoud que "escuta" um trecho de
música e nos diz que música é, transforma música em números para poder fazer a
comparação rápida. Os softwares de biometria (identificação por características
físicas da pessoa) também transformam um ser humano em números. Nossas
características (traços do rosto ou das impressões digitais, atributos de nossa
voz ou pupilas) são transformadas para equações matemáticas para uma rápida
análise. Provavelmente isto tudo é feito em nosso cérebro, mas não de forma
consciente, sobre a qual possamos raciocinar. Mas colocando as intuições em
números, podemos entender as regras, ver o que está certo ou errado e construir
ferramentas computacionais para nos ajudar a lidar com tanto volume de dados.
Nas empresas, os projetos são medidos pelo chamado ROI
(retorno do investimento). Significa traduzir uma complexidade a um único
número: o que vamos ganhar financeiramente.
No nosso dia a dia, também usamos simplificações deste tipo.
Por exemplo, para representar a qualidade de um filme ou uma música, usamos
estrelas. Quanto mais estrelas, melhor a qualidade. Mas como traduzir um
conjunto de diretores, atores, temas, cenários, etc. a um único número.
Já há estudos para análise automatizada de textos e imagens.
Isto certamente passa por números e fórmulas matemáticas. Só assim poderemos num
futuro breve pesquisar no Youtube por um vídeo onde apareça um casal numa praia
com coqueiros, ao entardecer.
Perigos do reducionismo
Reduzir sistemas complexos a sistemas simples ou a um conjunto
de regras simples é perigoso. A Teoria de Newton, que fazia isto (apesar de
tantos acertos) caiu. A de Einstein, sucessora da de Newton, também possui
lacunas. As leis da macro Física não se ajustam aos comportamentos no mundo
micro.
Esta é uma tendência perigosa do ser humano: criar um modelo
ou teoria e sair procurando casos que confirmem a sua validade. Por isto é que Popper
(1980) diz que Astrologia e Numerologia explicam tudo.
Daqui a pouco vamos estar categorizando e estereotipando
pessoas, como fazemos com grupos musicais e criações artísticas. O perigo do
rótulo é não conseguir sair dele.
Tentar encontrar padrão em tudo pode virar um TOC (transtorno
obsessivo-compulsivo) dos números. E tentar usar fórmulas matemáticas para tudo
pode complicar a Matemática do amor. No filme "Quero ficar com Polly",
a personagem de Ben Stiller é um analista de riscos para uma seguradora e
utiliza seu software para saber o risco de casar com a personagem de Jeniffer
Aniston.
Como Popper (1980, p.17) nos diz:
"... fenômeno psicológico do pensamento
dogmático ou, de modo geral, do comportamento
dogmático: esperamos encontrar regularidades em toda parte e tentamos descobri-las
mesmo onde elas não existem; os eventos que resistem a essas tentativas são
considerados como 'ruídos de fundo'; somos féis a nossas expectativas mesmo
quando elas são inadequadas - e deveríamos reconhecer a derrota."
Nem sempre os números são melhores que nossas intuições e
sentimentos. E as emoções e sentimentos também nos ajudam a tomar melhores
decisões (Damasio, 2005). Algumas vezes as decisões inconscientes funcionam
melhor que raciocínios complexos e lógicos (Gladwell, 2005; Kahneman, 2012;
Wilson, 2004). Até mesmo a repetição, o hábito, pode ser melhor em muitas
situações (Duhigg, 2012).
Nate Silver relata que olheiros humanos tiveram melhores desempenhos
que as estatísticas do sistema Pecota em vários casos no baseball (Silver,
2013). Apesar de Lewis (2004) relatar alguns casos contrários, (em Moneyball,
as estatísticas foram melhores que olheiros), a conclusão é que ambos devem se
ajudar.
A prova disto é que a equipe de Obama mesclou dados e
sentimentos das pessoas para fazer uma campanha vitoriosa (Moraes, 2012).
Determinismo X Livre arbítrio
Outro perigo é deixar que os modelos guiem nossas vidas,
como se não pudéssemos nos desvencilhar deles.
Anos atrás, um clube de futebol utilizou o Biorritmo para
escalar jogadores. Só entrariam em campo os que tivessem os gráficos em alta.
Certamente não deu certo, porque não se ouviu mais falar disto. É o perigo de
uma teoria não comprovada dominando pessoas e decisões.
Certa vez conhecia uma pessoa que sofria de depressão. Ela
havia criado uma espécie de biorritmo (uma série temporal) da sua bi-polaridade
de humor. Então ela já sabia quando estaria bem e quando estaria deprimida. O
problema é saber quem determina quem. O perigo era a série influenciar o humor desta
pessoa ("se o gráfico diz que amanhã não vou estar bem, então nem vou
tentar nada para fazer diferente").
Não acredito no Demônio de Laplace, segundo o qual, se
houvesse uma função matemática relacionando todos elementos físicos e
soubéssemos seus estados, poderíamos prever o futuro e dele não escaparíamos.
Voltando ao tema levantado na introdução, seria como se Judas
tivesse sido apenas uma variável na equação do cristianismo, sem poder decidir.
Há pesquisadores que dizem que somos condicionados pelo meio. Há outros que
dizem que somos condicionados por nossos neurônios (ver http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/planeta-ciencia/noticia/2013/08/sob-o-imperio-do-cerebro-4235395.html).
Fukuyama (The End of History and the Last Man) acreditava que o equilíbrio já
tinha sido alcançado e nada poderia mudar nas relações macro sócio-econômicas
do mundo.
Eu acredito no livre arbítrio e no não-determinismo. Acho
que podemos construir o futuro, moldá-lo e até mesmo tentar controlá-lo. Não é
certo que vamos conseguir 100% de sucesso. Mas não podemos ficar presos ao laissez-faire.
Conclusão
A Matemática está presente em tudo o que fazemos, queiramos
ou não. Precisamos dominá-la, não para tentar prever o futuro, mas para podermos
viver num mundo feito de números.
Há padrões e fórmulas matemáticas em várias situações. Mas
talvez não deva ser nossa obsessão tentar descobri-los. Um pouco de surpresa e
indeterminismo pode nos trazer uma vida mais prazerosa. Quem quer saber quando
irá casar ? Ou quem ? E a data de sua morte ?
Também temos que equilibrar o mundo qualitativo com o
quantitativo. Ou alguém quer ser chamado por um número ? Ou ser categorizado ?
E saber dosar dados, estatísticas, intuições, instintos, emoções e sentimentos.
Nossos professores de Matemática precisam contextualizar o
ensino, explicando seu uso e aplicações cotidianas. Mostrar a beleza de sua
presença na natureza, no Homem, nas relações e comportamentos, mais como uma
forma de arte do que estatística e regras.
Assim, nossas crianças vão continuar contando a História da
Matemática, desde sumérios e babilônios, até o Futuro. Uma evolução que
acompanha a do Homem.
E se alguém se opuser, que seja admoestado pelos números nas
avaliações finais. Para que aprenda o misterioso segredo da Matemática. Pelo
menos para não ser enganado no troco.
Referências
BOLLEN, Johan;
MAO, Huina; ZENG, Xiao-Jun. Twitter mood predicts the stock market. Journal of
Computational Science, v.2, n.1, Março de 2011, p.1-8.
CHOI, Hyunyoung;
VARIAN, Hal. Predicting the Present with Google Trends. The Economic Record, v.88,
n.1, 2012, p.2-9.
CHRISTIANSON,
Scott. 100 diagrams that changed the world: from the earliest cave paintings to
the innovation of the ipod. New York: Penguin books, 2012.
DAMASIO, Antonio.
Descartes' Error: Emotion, Reason, and the Human Brain Paperback. Penguin
Books, 2005.
DUHIGG, Charles. O Poder do Hábito - Por que fazemos o que fazemos
na vida e nos Negócios. Objetiva,
2012.
GLADWELL, Malcolm. Blink - A Decisão Num Piscar de Olhos.
Rocco, 2005.
KAHNEMANN, Daniel. Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar.
Objetiva, 2012.
LEWIS,
Michael. Moneyball: The Art of Winning an Unfair Game. W. W. Norton &
Company, 2004.
LOSEE,
John. A Historical Introduction to the Philosophy of Science. 4a.ed. New York:
Oxford University Press, 2001. (original 1972)
MISHNE,
Gilad. Predicting movie sales from blogger sentiment. In AAAI Spring Symposium
on Computational Approaches to Analysing Weblogs (AAAI-CAAW) 2006.
MORAES, Maurício. Big Brother Obama. Revista Info, Editora
Abril, n.324, dezembro de 2012.
POPPER, Karl R. Conjecturas e Refutações. Brasília: Editora
da UnB. 1980.
SILVER, Nate. O sinal e o ruído: por que tantas previsões falham
e outras não. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.
WILSON,
Timothy D. Strangers to Ourselves: Discovering the Adaptive Unconscious. Belknap
Press of Harvard University Press, 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário