sábado, 16 de maio de 2015

A História da Inovação no Brasil - parte 1

Para entender como se desenvolveu a inovação no Brasil é preciso estudar um pouco da sua História. Nesta parte I, começaremos falando do Brasil antes de Cabral e seguimos pela chegada dos Europeus e primeiras colonizações, incluindo os ciclos econômicos.
Depois, nas partes seguintes, será necessário estudar o Brasil de Getúlio Vargas e JK, o milagre econômico, a abertura da economia pós-ditadura, as crises monetárias e a inflação, o Plano Real, a reserva de mercado da Informática,
No Brasil mais recente, é necessário falar do custo Brasil, do endividamento do brasileiro, dos (poucos) investimentos na infraestrutura do país, da Ciência e Tecnologia e da desigualdade.
Terminaremos falando de grandes empreendedores brasileiros ou imigrantes que aqui fizeram seu nome.
Por fim, tentaremos entender as razões para nosso atraso.


O Brasil antes de Cabral


No Brasil pré-Cabral, havia uma vasta rede de caminhos e trocas, que se estendia até as estradas do Império Inca (que também eram vastas). Eram comercializados sal extraído do mar, conchas ornamentais, mandioca, feijão, milho, penas de aves grandes para enfeites. Os Incas davam cobre, bronze, prata e ouro.

Nossos indígenas descobriram e desenvolveram a agricultura, domesticando plantas e enriquecendo solo com adubos. Daí tiravam seu sustento e faziam remédios eficazes, além de produzirem outros artefatos (inventaram a rede de dormir).

A vida parecia boa tanto que serviu de inspiração para a Utopia de Thomas Morus. Entretanto, eles não eram sustentáveis nem nobre selvagens, pois faziam queimadas e desmatamentos, matavam bebês deficientes, guerreavam entre si, fazendo alianças com europeus para combater outras tribos.

Os primeiros habitantes do Brasil viviam em constando e violento conflito, inclusive utilizando armas químicas (por exemplo, pimenta na fogueira para fumaça tóxica chegar até inimigos), flechas com venenos e incendiárias e terminando em banquetes antropofágicos.

A antropofagia é diferente do canibalismo. Enquanto neste último caso as pessoas comem carne humana por necessidade, na antropofagia é por tradição. Não pelo gosto da carne, mas pelo ritual, para ganhar a força dos guerreiros derrotados que serão devorados e também para não ter que fazer prisioneiros (para não precisar alimentar, e também porque não havia prisões).

Uma das perguntas que surge é como os indígenas se sujeitaram aos jesuítas e às invasões ? Provavelmente aceitando pequenos presentes. Muitos aceitavam ser escravos para poder viajar até a Europa.

Expedições exploratórias e os primeiros empreendedores 


O período entre o Descobrimento e as primeiras colonizações formais foi marcado pela presença de náufragos, traficantes e degredados.

Traficantes procuravam o famoso pau-brasil, para tingir tecidos na Europa, já que a seda púrpura da China estava difícil de conseguir (uma vez que os turcos tomaram Constantinopla em 1453 e fecharam o comércio entre Europa e Ásia, pelo Mediterrâneo e por terra).

Neste período surgem os primeiros empreendedores. D. Manuel (rei de Portugal) arrenda o Brasil para comerciantes portugueses ricos (entre eles, Fernando de Noronha), os quais financiavam expedições para o Brasil em busca do pau-brasil. Entretanto, isto não era muito rentável, pois a tinta do pau-brasil não era igual à púrpura asiática. Por isto, muitos comerciantes continuaram a ir até Ásia passando pela África. A função dos índios era cortar, preparar e embarcar o pau-brasil nos navios. Também não havia muito interesse no Brasil porque aqui não acharam ouro nem prata. A consequência foi a exterminação do pau-brasil.

Nesta época, surge, segundo Darcy Ribeiro, o Cunhadismo: os estrangeiros casavam com índias e faziam parte da tribo, inclusive participando na tomada de decisões. Começa o criatório de gente (a miscigenação). E nascem os primeiros intérpretes e intermediários.

As Capitanias Hereditárias (1532-1549) são um fracasso. Foram criados engenhos para produção de açúcar (da cana) mas o comércio era somente com Portugal.

O Governo Geral (em 1548, tendo em Salvador a primeira capital do país) tinha como objetivo viabilizar a criação de novos engenhos, a integração dos indígenas com os centros de colonização, o combate do comércio ilegal, construir embarcações, defender os colonos e realizar a busca por metais preciosos. Mas aí começam as invasões holandesas e francesas.

Bandeirantes X Pioneiros


Talvez uma das causas para nossa colonização não ter dado certo é porque só havia extrativismo. Os Bandeirantes entravam e extraiam, mas não ficavam. Os Pioneiros  colonizavam, criando infraestrutura e assumindo o país como sua terra. Esta é a diferença da ocupação do oeste do Brasil em relação ao oeste americano e Austrália. O oeste brasileiro só foi realmente povoado com a criação de Brasília.

Para mais detalhes ver:
MOOG, Clodomir Vianna. Bandeirantes E Pioneiros - Paralelos Entre Duas Culturas. 22a ed. José Olympio, 2011.


Os Principais Ciclos Econômicos


A economia do Brasil começa com a exploração do pau-brasil. Com o auxílio de índios em troca de presentinhos, principalmente os traficantes dominaram este ciclo, levando as toras para fazer tintura para roupas na Europa. Época que não teve muito interesse do governo de Portugal. A exploração era feita por comerciantes portugueses licenciados, como Fernando de Noronha, que bancavam os custos.

Depois veio o ciclo da cana-de-açúcar, onde se destaca a mão de obra de escravos afrodescendentes. A Coroa Portuguesa começa a se interessar pela terra, bem como estrangeiros (principalmente holandeses e franceses). Apesar da extração estrangeira, eles acabaram deixando várias feitorias por aqui, inclusive uma parte da renda pela exploração.

O ciclo do Ouro começa após o declínio da produção açucareira. Aqui começam as Entradas e Bandeiras pelo interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, com fins puramente extrativistas (sem deixar infraestrutura, mas apenas devastação, inclusive de índios). A Coroa Portuguesa arrendava a exploração e ficava com parte dos lucros. Este período econômico inclui a extração de outros metais preciosos (prata, cobre, diamante, esmeraldas). Mas o Brasil não era o México e o ciclo foi curto. Mas serviu para aumentar o afluxo de populações vindas Portugal, fortalecendo o comércio interno entre vilas e cidades.

O ciclo do Algodão também foi baseado no trabalho escravo, na grande propriedade  e monocultura.

O ciclo da Pecuária permitiu fornecer couro e carnes para o consumo interno das grandes propriedades, fortalecendo as povoações e o comércio. No Sul, destaca-se o charque (carne seca) gerando riqueza e poder para os estancieiros, origem da Revolução Farroupilha.

O ciclo da Borracha foi caracterizado pela atividade extrativista do látex na Amazônia, alcançado destaque mundial principalmente com a recém criada indústria de automóveis. E mais desenvolvimento urbano, na região norte do país. Mas o ciclo encerrou-se devido à concorrência internacional e a infraestrutura criada criou mato no meio da selva.

O ciclo do Café fortaleceu São Paulo e Rio de Janeiro. Impulsionou o crescimento da malha ferroviária e da industrialização.


A Escravidão


Este foi um período que manchou a nossa História e a da Humanidade. Milhões de afrodescendentes trazidos à força para trabalhar e apanhar.

Segundo Darcy Ribeiro, a proporção de homens para mulheres na importação de escravos foi de quatro para um. Muitas mulheres chegaram sem entrar para as estatísticas, por altos preços, para serem amantes de senhores de engenho e capatazes. A Coroa Portuguesa estipulava um limite para importação de escravos. Mas como a necessidade era muito maior, o tráfico negreiro foi um dos melhores negócios desta época.

Os escravos afrodescendentes começaram trabalhando em engenhos de cana de açúcar e depois na mineração, algodão, tabaco, cacau e café.

Antes dos negros, o trabalho era feito por indígenas, escravos ou assalariados (em troca de pequenos presentes). A força do negro sobre o indígena (aparente vantagem) foi a má sorte do negro. Muitos índios morreram por doenças. Além disto, não eram habituados ao trabalho pesado. Não que fossem preguiçosos, mas estavam acostumados a trabalhar apenas para a sua subsistência e colhendo muita coisa da natureza. Também gastavam muita energia em rituais e celebrações, além das guerras entre tribos. A Coroa Portuguesa também proibiu a escravidão de indígenas, por pressão dos jesuítas. Mas estes mesmos se beneficiavam do trabalho “voluntário” de índios. Ser “bom cristão” significava assumir hábitos de trabalho dos europeus (Fausto, 1996).

O custo para trazer e manter escravos era alto. Segundo Marquese (2006), um escravo africano custava, na segunda metade do século XVI, cerca de três vezes mais que um escravo índio. Mas foi a mão de obra escrava que permitiu ao açúcar brasileiro ser competitivo frente aos concorrentes de outras partes do mundo. Foi o mesmo tipo de competição nas fazendas de algodão do Sul dos EUA versus o trabalho pago do Norte, uma das causas da Guerra de Secessão (onde se destacou Abraham Lincoln).

Os índios pareciam ser melhor organizados para resistência à escravidão, seja pela guerra, fuga ou simplesmente recusando trabalho compulsório. E a vantagem também estava em conhecer melhor o ambiente e numa melhor adaptação (Fausto, 1996).

Segundo Darcy Ribeiro, os povos africanos não eram unidos nem na África. Tinham línguas e culturas diferentes e fazem isto até hoje (criam diferenciação entre as tribos através de especializações de culturas e dialetos).

Conforme Marquese (2006), a resistência negra se deu principalmente através dos Quilombos, onde se concentravam escravos fugidos ou alforriados. Por diversas pressões (governos estrangeiros e intelectuais), o número de alforriados também aumentou. Mestiços ou nascidos aqui conseguiam a liberdade. Mas para continuar a produtividade extrativista, mais escravos eram trazidos. A Guerra dos Palmares ocorreu no maior quilombo, que tinha de 6 a 30 mil habitantes. Após esta guerra, a resistência diminuiu. Começaram as hierarquias sociais entre os afrodescendentes. O libertado ajudava a comandar os escravos. O mestiço, agora um brasileiro, também queria ser senhor.

Os escravos trouxeram sua cultura, incluindo comidas, artes, religiões, línguas, etc. E se mesclaram às demais raças criando o povo brasileiro.

Tabela adaptada de Darcy Ribeiro sobre a população brasileira:


Ano
Brancos
Escravos
Índios “integrados”
Índios isolados
Total
1500
0
0
0
5 milhões
5 milhões
1600
50 mil
30 mil
120 mil
4 milhões
4,2 milhões
1700
150 mil
150 mil
200 mil
2 milhões
2,5 milhões
1800
2 milhões
1,5 milhão
500 mil
1 milhão
5 milhões


Os Imigrantes


A ocupação inicial da América se deu por povos vindos da Ásia pelo Estreito de Bering, há 15 mil anos (Cochran e Harpending, 2009). Após a colonização de portugueses e  invasores estrangeiros, incluindo a miscigenação com escravos afrodescendentes, dá-se início à imigração de alemães em 1824 e de italianos em 1875. Espanhóis e japoneses chegam para as fazendas de café em São Paulo no final do século XIX.

Conforme o artigo da Superinteressante, a 2a Guerra Mundial não trouxe tantos imigrantes assim como se pensa.

Nas décadas de 50 e 60, o Brasil atrais estrangeiros porque era o país do futuro (os 50 anos em 5 de JK). A partir de 1980, com inflação alta, muitos estrangeiros saem do Brasil.

Por que os imigrantes vieram ? No século XIX, o Brasil era visto na Europa e na Ásia como um país de muitas oportunidades. Pessoas em países com dificuldades econômicas tinham melhores chances de prosperidade no Brasil. Após a abolição da escravatura no Brasil, muitos fazendeiros contratavam imigrantes para não pagar salários aos ex-escravos. Por isto, nesta época, o governo brasileiro fez campanhas para atrair imigrantes europeus para o Brasil. Muitos imigrantes também vieram fugindo das duas grandes guerras mundiais que atingiram o continente europeu.

A contribuição dos imigrantes nem precisa ser discutida aqui, pois é vista em cada canto deste país.

O imigrante era um inovador e empreendedor por natureza. Quando aqui chegou, só tinha a terra e a força de seu corpo. Teve que produzir sua comida, levantar sua casa, construir moinhos de água. Aos poucos evoluiu para comércio e outros pequenos negócios.

Podemos notar bem a diferença entre localidades povoadas por portugueses versus as povoadas por  imigrantes olhando a diferença de economias e cultura no estado do Rio Grande do Sul. Enquanto o Sul do estado, colonizado por portugueses e seus descendentes, vive basicamente da agricultura e pecuária, o Norte, colonizado por imigrantes principalmente italianos e alemães, concentra a maior parte das indústrias e culturas intensivas. O Sul é formado por poucos municípios com tamanhos grandes. O Norte, por muitos municípios pequenos. O mesmo acontece com as propriedades: no Sul, grandes fazendas e no Norte pequenas propriedades. Enquanto a cultura no Sul é produzir com base na natureza, o Norte cria pequenas indústrias e empresas. A cidade de Pelotas já foi a cidade com maior nível de poupança. Lá os investimentos pessoais vão para imóveis, carros e aplicações financeiras. No Norte, quando sobra alguma grana, as pessoas investem em criar ou ampliar sua pequena empresa.  Esta diferença pode estar na herança dos primeiros habitantes: a cultura portuguesa de aqui chegar, semear e colher, colocar bois nas pastagens e esperar engordar (e o trabalho forçado era feito por escravos) versus o pioneirismo dos imigrantes que não tinham nada além da terra e deviam criar todo o resto.

Referências Bibliográficas


BUENO, Eduardo. Náufragos, traficantes e degredados: as primeiras expedições ao Brasil: 1500-1531. Volume II. Objetiva, 2006.

COCHRAN, Gregory & HARPENDING, Henry. The 10,000 year explosion: how civilization accelerated human evolution. NY: Basic Books, 2009.

FAUSTO, Boris. História do Brasil - cobre um período de mais de quinhentos anos, desde as raízes da colonização portuguesa até nossos dias. EDUSP, 1996.

MARQUESE, Rafael de Bivar. A Dinâmica da Escravidão no Brsail - resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. Novos Estudos, v. 74, Março de 2006,
p.107-123.

PEIXOTO, Afrânio. História do Brasil. Cia. Editora Nacional, 2008.

RIBEIRO, Darcy. A História do Povo Brasileiro - a formação e o sentido do Brasil. 2a.ed. Companhia das Letras, 1995.


URBIM, Emiliano. 1499 - o Brasil antes de Cabral. Revista Superinteressante, ed. 329, Fevereiro de 2014.

Nenhum comentário: