Para entender como se desenvolveu a
inovação no Brasil é preciso estudar um pouco da sua História. Nesta parte I, começaremos
falando do Brasil antes de Cabral e seguimos pela chegada dos Europeus e
primeiras colonizações, incluindo os ciclos econômicos.
Depois, nas partes seguintes, será
necessário estudar o Brasil de Getúlio Vargas e JK, o milagre econômico, a
abertura da economia pós-ditadura, as crises monetárias e a inflação, o Plano
Real, a reserva de mercado da Informática,
No Brasil mais recente, é
necessário falar do custo Brasil, do endividamento do brasileiro, dos (poucos)
investimentos na infraestrutura do país, da Ciência e Tecnologia e da
desigualdade.
Terminaremos falando de grandes
empreendedores brasileiros ou imigrantes que aqui fizeram seu nome.
Por fim, tentaremos entender as
razões para nosso atraso.
O Brasil antes de Cabral
No Brasil pré-Cabral, havia uma
vasta rede de caminhos e trocas, que se estendia até as estradas do Império
Inca (que também eram vastas). Eram comercializados sal extraído do mar,
conchas ornamentais, mandioca, feijão, milho, penas de aves grandes para enfeites.
Os Incas davam cobre, bronze, prata e ouro.
Nossos indígenas descobriram e
desenvolveram a agricultura, domesticando plantas e enriquecendo solo com
adubos. Daí tiravam seu sustento e faziam remédios eficazes, além de produzirem
outros artefatos (inventaram a rede de dormir).
A vida parecia boa tanto que serviu
de inspiração para a Utopia de Thomas Morus. Entretanto, eles não eram
sustentáveis nem nobre selvagens, pois faziam queimadas e desmatamentos,
matavam bebês deficientes, guerreavam entre si, fazendo alianças com europeus
para combater outras tribos.
Os primeiros habitantes do Brasil viviam
em constando e violento conflito, inclusive utilizando armas químicas (por
exemplo, pimenta na fogueira para fumaça tóxica chegar até inimigos), flechas
com venenos e incendiárias e terminando em banquetes antropofágicos.
A antropofagia é diferente do
canibalismo. Enquanto neste último caso as pessoas comem carne humana por
necessidade, na antropofagia é por tradição. Não pelo gosto da carne, mas pelo
ritual, para ganhar a força dos guerreiros derrotados que serão devorados e
também para não ter que fazer prisioneiros (para não precisar alimentar, e
também porque não havia prisões).
Uma das perguntas que surge é como os
indígenas se sujeitaram aos jesuítas e às invasões ? Provavelmente aceitando
pequenos presentes. Muitos aceitavam ser escravos para poder viajar até a
Europa.
Expedições exploratórias e os primeiros empreendedores
O período entre o Descobrimento e
as primeiras colonizações formais foi marcado pela presença de náufragos,
traficantes e degredados.
Traficantes procuravam o famoso pau-brasil,
para tingir tecidos na Europa, já que a seda púrpura da China estava difícil de
conseguir (uma vez que os turcos tomaram Constantinopla em 1453 e fecharam o
comércio entre Europa e Ásia, pelo Mediterrâneo e por terra).
Neste período surgem os primeiros
empreendedores. D. Manuel (rei de Portugal) arrenda o Brasil para comerciantes
portugueses ricos (entre eles, Fernando de Noronha), os quais financiavam expedições para o Brasil em
busca do pau-brasil. Entretanto, isto não era muito rentável, pois a tinta do
pau-brasil não era igual à púrpura asiática. Por isto, muitos comerciantes
continuaram a ir até Ásia passando pela África. A função dos índios era cortar,
preparar e embarcar o pau-brasil nos navios. Também não havia muito interesse
no Brasil porque aqui não acharam ouro nem prata. A consequência foi a
exterminação do pau-brasil.
Nesta época, surge, segundo Darcy
Ribeiro, o Cunhadismo: os estrangeiros casavam com índias e faziam parte da
tribo, inclusive participando na tomada de decisões. Começa o criatório de
gente (a miscigenação). E nascem os primeiros intérpretes e intermediários.
As Capitanias
Hereditárias (1532-1549) são um fracasso. Foram criados engenhos para
produção de açúcar (da cana) mas o comércio era somente com Portugal.
O Governo
Geral (em 1548, tendo em Salvador a primeira capital do país) tinha como
objetivo viabilizar a criação de novos engenhos, a integração dos indígenas com
os centros de colonização, o combate do comércio ilegal, construir embarcações,
defender os colonos e realizar a busca por metais preciosos. Mas aí começam as
invasões holandesas e francesas.
Bandeirantes X Pioneiros
Talvez uma das causas para nossa
colonização não ter dado certo é porque só havia extrativismo. Os Bandeirantes
entravam e extraiam, mas não ficavam. Os Pioneiros colonizavam, criando infraestrutura e
assumindo o país como sua terra. Esta é a diferença da ocupação do oeste do
Brasil em relação ao oeste americano e Austrália. O oeste brasileiro só foi
realmente povoado com a criação de Brasília.
Para mais detalhes ver:
MOOG, Clodomir Vianna. Bandeirantes E Pioneiros - Paralelos
Entre Duas Culturas. 22a ed. José Olympio, 2011.
Os Principais Ciclos Econômicos
A economia do Brasil começa com a
exploração do pau-brasil. Com o auxílio de índios em troca de presentinhos,
principalmente os traficantes dominaram este ciclo, levando as toras para fazer
tintura para roupas na Europa. Época que não teve muito interesse do governo de
Portugal. A exploração era feita por comerciantes portugueses licenciados, como
Fernando de Noronha, que bancavam os custos.
Depois veio o ciclo da cana-de-açúcar,
onde se destaca a mão de obra de escravos afrodescendentes. A Coroa Portuguesa
começa a se interessar pela terra, bem como estrangeiros (principalmente holandeses
e franceses). Apesar da extração estrangeira, eles acabaram deixando várias
feitorias por aqui, inclusive uma parte da renda pela exploração.
O ciclo do Ouro começa após o
declínio da produção açucareira. Aqui começam as Entradas e Bandeiras pelo
interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, com fins puramente
extrativistas (sem deixar infraestrutura, mas apenas devastação, inclusive de
índios). A Coroa Portuguesa arrendava a exploração e ficava com parte dos
lucros. Este período econômico inclui a extração de outros metais preciosos
(prata, cobre, diamante, esmeraldas). Mas o Brasil não era o México e o ciclo
foi curto. Mas serviu para aumentar o afluxo de populações vindas Portugal,
fortalecendo o comércio interno entre vilas e cidades.
O ciclo do Algodão também foi
baseado no trabalho escravo, na grande propriedade e monocultura.
O ciclo da Pecuária permitiu
fornecer couro e carnes para o consumo interno das grandes propriedades,
fortalecendo as povoações e o comércio. No Sul, destaca-se o charque (carne
seca) gerando riqueza e poder para os estancieiros, origem da Revolução
Farroupilha.
O ciclo da Borracha foi
caracterizado pela atividade extrativista do látex na Amazônia, alcançado
destaque mundial principalmente com a recém criada indústria de automóveis. E
mais desenvolvimento urbano, na região norte do país. Mas o ciclo encerrou-se
devido à concorrência internacional e a infraestrutura criada criou mato no
meio da selva.
O ciclo do Café fortaleceu São
Paulo e Rio de Janeiro. Impulsionou o crescimento da malha ferroviária e da
industrialização.
A Escravidão
Este foi um período que manchou a nossa
História e a da Humanidade. Milhões de afrodescendentes trazidos à força para
trabalhar e apanhar.
Segundo Darcy Ribeiro, a
proporção de homens para mulheres na importação de escravos foi de quatro para
um. Muitas mulheres chegaram sem entrar para as estatísticas, por altos preços,
para serem amantes de senhores de engenho e capatazes. A Coroa Portuguesa
estipulava um limite para importação de escravos. Mas como a necessidade era
muito maior, o tráfico negreiro foi um dos melhores negócios desta época.
Os escravos afrodescendentes começaram
trabalhando em engenhos de cana de açúcar e depois na mineração, algodão,
tabaco, cacau e café.
Antes dos negros, o trabalho era feito
por indígenas, escravos ou assalariados (em troca de pequenos presentes). A força
do negro sobre o indígena (aparente vantagem) foi a má sorte do negro. Muitos
índios morreram por doenças. Além disto, não eram habituados ao trabalho
pesado. Não que fossem preguiçosos, mas estavam acostumados a trabalhar apenas
para a sua subsistência e colhendo muita coisa da natureza. Também gastavam
muita energia em rituais e celebrações, além das guerras entre tribos. A Coroa
Portuguesa também proibiu a escravidão de indígenas, por pressão dos jesuítas.
Mas estes mesmos se beneficiavam do trabalho “voluntário” de índios. Ser “bom
cristão” significava assumir hábitos de trabalho dos europeus (Fausto, 1996).
O custo para trazer e manter escravos era alto. Segundo
Marquese (2006), um escravo africano custava, na segunda metade do século XVI,
cerca de três vezes mais que um escravo índio. Mas foi a mão de obra escrava
que permitiu ao açúcar brasileiro ser competitivo frente aos concorrentes de
outras partes do mundo. Foi o mesmo tipo de competição nas fazendas de algodão
do Sul dos EUA versus o trabalho pago do Norte, uma das causas da Guerra de
Secessão (onde se destacou Abraham Lincoln).
Os índios pareciam ser melhor organizados para resistência à
escravidão, seja pela guerra, fuga ou simplesmente recusando trabalho
compulsório. E a vantagem também estava em conhecer melhor o ambiente e numa
melhor adaptação (Fausto, 1996).
Segundo Darcy Ribeiro, os povos
africanos não eram unidos nem na África. Tinham línguas e culturas diferentes e
fazem isto até hoje (criam diferenciação entre as tribos através de
especializações de culturas e dialetos).
Conforme Marquese (2006), a resistência
negra se deu principalmente através dos Quilombos, onde se concentravam
escravos fugidos ou alforriados. Por diversas pressões (governos estrangeiros e
intelectuais), o número de alforriados também aumentou. Mestiços ou nascidos
aqui conseguiam a liberdade. Mas para continuar a produtividade extrativista,
mais escravos eram trazidos. A Guerra dos Palmares ocorreu no maior quilombo,
que tinha de 6 a 30 mil habitantes. Após esta guerra, a resistência diminuiu.
Começaram as hierarquias sociais entre os afrodescendentes. O libertado ajudava
a comandar os escravos. O mestiço, agora um brasileiro, também queria ser
senhor.
Os escravos trouxeram sua cultura,
incluindo comidas, artes, religiões, línguas, etc. E se mesclaram às demais
raças criando o povo brasileiro.
Tabela adaptada de Darcy Ribeiro sobre a população
brasileira:
Ano
|
Brancos
|
Escravos
|
Índios
“integrados”
|
Índios
isolados
|
Total
|
1500
|
0
|
0
|
0
|
5 milhões
|
5 milhões
|
1600
|
50 mil
|
30 mil
|
120 mil
|
4 milhões
|
4,2 milhões
|
1700
|
150 mil
|
150 mil
|
200 mil
|
2 milhões
|
2,5 milhões
|
1800
|
2 milhões
|
1,5 milhão
|
500 mil
|
1 milhão
|
5 milhões
|
Os Imigrantes
A ocupação inicial da América se
deu por povos vindos da Ásia pelo Estreito de Bering, há 15 mil anos (Cochran e
Harpending, 2009). Após a colonização de portugueses e invasores estrangeiros, incluindo a miscigenação
com escravos afrodescendentes, dá-se início à imigração de alemães em 1824 e de
italianos em 1875. Espanhóis e japoneses chegam para as fazendas de café em São
Paulo no final do século XIX.
Conforme o artigo da
Superinteressante, a 2a Guerra Mundial não trouxe tantos imigrantes assim como
se pensa.
Nas décadas de 50 e 60, o Brasil
atrais estrangeiros porque era o país do futuro (os 50 anos em 5 de JK). A
partir de 1980, com inflação alta, muitos estrangeiros saem do Brasil.
Por que os imigrantes vieram ? No
século XIX, o Brasil era visto na Europa e na Ásia como um país de muitas
oportunidades. Pessoas em países com dificuldades econômicas tinham melhores
chances de prosperidade no Brasil. Após a abolição da escravatura no Brasil,
muitos fazendeiros contratavam imigrantes para não pagar salários aos
ex-escravos. Por isto, nesta época, o governo brasileiro fez campanhas para
atrair imigrantes europeus para o Brasil. Muitos imigrantes também vieram
fugindo das duas grandes guerras mundiais que atingiram o continente europeu.
A contribuição dos imigrantes nem
precisa ser discutida aqui, pois é vista em cada canto deste país.
O imigrante era um inovador e empreendedor
por natureza. Quando aqui chegou, só tinha a terra e a força de seu corpo. Teve
que produzir sua comida, levantar sua casa, construir moinhos de água. Aos
poucos evoluiu para comércio e outros pequenos negócios.
Podemos notar bem a diferença entre
localidades povoadas por portugueses versus as povoadas por imigrantes olhando a diferença de economias e
cultura no estado do Rio Grande do Sul. Enquanto o Sul do estado, colonizado
por portugueses e seus descendentes, vive basicamente da agricultura e
pecuária, o Norte, colonizado por imigrantes principalmente italianos e
alemães, concentra a maior parte das indústrias e culturas intensivas. O Sul é
formado por poucos municípios com tamanhos grandes. O Norte, por muitos
municípios pequenos. O mesmo acontece com as propriedades: no Sul, grandes
fazendas e no Norte pequenas propriedades. Enquanto a cultura no Sul é produzir
com base na natureza, o Norte cria pequenas indústrias e empresas. A cidade de
Pelotas já foi a cidade com maior nível de poupança. Lá os investimentos pessoais
vão para imóveis, carros e aplicações financeiras. No Norte, quando sobra
alguma grana, as pessoas investem em criar ou ampliar sua pequena empresa. Esta diferença pode estar na herança dos
primeiros habitantes: a cultura portuguesa de aqui chegar, semear e colher,
colocar bois nas pastagens e esperar engordar (e o trabalho forçado era feito
por escravos) versus o pioneirismo dos imigrantes que não tinham nada além da
terra e deviam criar todo o resto.
Referências Bibliográficas
BUENO, Eduardo. Náufragos,
traficantes e degredados: as primeiras expedições ao Brasil: 1500-1531. Volume II. Objetiva, 2006.
COCHRAN, Gregory & HARPENDING, Henry. The 10,000 year explosion: how
civilization accelerated human evolution. NY: Basic Books, 2009.
FAUSTO, Boris. História do Brasil - cobre um período de mais
de quinhentos anos, desde as raízes da colonização portuguesa até nossos dias.
EDUSP, 1996.
MARQUESE, Rafael de Bivar. A Dinâmica da Escravidão no
Brsail - resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX. Novos
Estudos, v. 74, Março de 2006,
p.107-123.
PEIXOTO, Afrânio. História do Brasil. Cia. Editora Nacional,
2008.
RIBEIRO, Darcy. A História do Povo
Brasileiro - a formação e o sentido do Brasil. 2a.ed. Companhia das Letras,
1995.
URBIM, Emiliano. 1499 - o Brasil
antes de Cabral. Revista Superinteressante, ed. 329, Fevereiro de 2014.
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