O que BI tem a ver com criatividade ?
Estou aqui considerando que BI é um processo que procura por
causas (de problemas ou boas práticas). Por exemplo, não basta saber qual o
produto mais vendido, queremos saber por que ele é o mais vendido, para
replicar as boas práticas para outros produtos. Não basta saber que uma loja
não vende tão bem quantas as outras, queremos saber por que para eliminar ou
minimizar as causas do fracasso.
Hoje em dia, BI é muito confundido com apresentar
informações em dashboards. Mas para que as decisões sejam apoiadas adequadamente,
precisamos saber que informações devem ser apresentadas nos dashboards. E
muitas vezes este é um processo feito em parceria entre o Analista de BI e o
usuário/cliente (aquele que toma a decisão e precisa de informações).
O processo de BI é, de certa forma, semelhante a um músico
procurando uma nota que faça a conexão entre 2 partes de uma música, um
investigador policial procurando o autor de um crime, um mecânico investigando
a causa de um defeito em uma máquina, um pintor procurando um meio de expressar
suas ideias mentais e surpreender aqueles que olham sua obra.
Mas para que o momento Eureka ocorra, algumas coisas devem acontecer
antes. O insight da solução não vem por acaso, como Koestler e Johnson descrevem
em tantos exemplos nos seus livros. (Koestler: "a sorte favorece a mente preparada"; Johnson: "a sorte favorece a mente conectada").
Arquimedes só viu a solução porque tinha estudado
ardentemente o problema que lhe havia sido imposto, porque estava estudando outros
temas e conseguiu conectá-los.
Segundo Koestler e Johnson, 2 elementos principais são necessários
(entre outros):
a) Maturação de ideias
Koestler fala em ripeness.
Steven Johnson fala em palpite
lento (slow hunch).
Isto significa muito estudo. Coletar muitas informações,
propor teorias (hipóteses), testar a teoria com exemplos reais e refazer o
processo muitas vezes. Tim Berners-Lee maturou a ideia da WWW por mais de 10
anos. E perseverou. Christianson (2012) inclusive apresenta uma cópia do
manuscrito original, onde o orientador de Tim escreve a mão: "vago mas
excitante ...".
b) Junção de contextos diferentes
Koestler fala em bissociação de matrizes (bisociation of matrices); Johnson, em
colisão de ideias (collision of hunches).
Koestler descreve como passar repentinamente de um plano (assunto)
para outro (como Arquimedes), conectando as partes e gerando uma solução nova. Johnson
diz que é preciso completar nossas teorias com as ideias de outros.
É preciso também ter conhecimentos generalizados, além dos
especializados. Darwin foi influenciado pelo trabalho do economista Thomas
Malthus sobre o crescimento da população, a falta de alimento e a possível
morte de pessoas por causa desta disparidade. E Darwin iniciou sua jornada de
estudos investigando pedras (na área de geologia). Steve Jobs revolucionou as
interfaces homem-computador, criando telas encantadoras. Boa parte deste
sucesso se deve a seus estudos de caligrafia, que o ajudaram a criar as fontes
de textos.
A seguir, compilei algumas dicas que estou coletando ao
longo da minha vida de estudos, experimentos e descobertas.
Dicas
·
Analogias
Para juntar as matrizes ou
colidir ideias, muitas vezes podemos reutilizar soluções que deram certo em
outra área.
A técnica de benchmarking
significa olhar e aprender com outras empresas. A solução de um programa de
computador que não "roda" pode vir de uma ideia de um brinquedo que
não funciona.
Talvez, seja
necessário alguma adaptação na solução, pois ela provou funcionar em outra
área. Por isto, um esquema visual é importante, pois podemos visualizar problemas
e soluções. Se compararmos dois casos com informações diferentes, talvez o padrão
visual seja o mesmo. Mapas mentais, anagramas, grafos podem ajudar (adiante
veremos um caso com mapas mentais).
E também é preciso
ter informações e conhecimentos diversos. A causa para o custo elevado de um
produto pode estar na raiz da cadeia de suprimentos. A leitura de textos como o
de Schumpeter (1908) sobre o valor social das coisas e a formação de preços pode
ajudar ainda hoje, apesar da sua data de publicação. O vídeo de Annie Leonard (2007),
"A História das Coisas", sobre produção, consumo e sustentabilidade é
mais que atual e trata do mesmo assunto.
Por isto é tão importante conhecer vários assuntos e não ser
um "especialista burro".
·
"Reframe", repensar o problema
Eu gosto do termo "reframe" associado a
criatividade e solução de problemas. Repensar o problema com outros esquemas, elementos,
dados, contextos, regras, pode ser a solução. Talvez o momento Eureka dependa
de vermos o problema com outros olhos, sem mesmo precisar mudar as informações
ou o contexto. Basta "pensar diferente".
Não se pode simplesmente ficar em cima de um problema usando
os mesmos paradigmas; o resultado será sempre o mesmo. Repensar tem que ser
"reformular". Por isto que quando temos um problema devemos sair do
ambiente, fazer outra coisa (ex. Arquimedes). Muitas vezes fazemos isto e
quando voltamos "enxergamos" a solução de primeira e pensamos: "por
que não vi isto antes ?"
Para reformular, temos que nos libertar das regras que estamos usando. Einstein,
Galileu e Darwin quebraram paradigmas.
Mas para isto, precisaram se libertar das teorias aceitas em suas épocas. Se pensarmos
que um problema só tem uma solução possível (ou caminho para a solução), a
tendência é tentar colocar os dados num esquema que leve por este caminho. É
por isto que muitas soluções aparecem em sonhos, porque quando dormimos a parte
do cérebro que dita regras e conexões lógicas está dormindo também. Por isto é
que sonhamos coisas estranhas, sem lógica. Mas é também o que permite conectar
diferentes matrizes e fazer associações novas (que acordados não fazemos).
Uma sugestão é
utilizar esquemas diferentes para representação ou descrição do problema.
Podemos usar diagramas (esquemas visuais), textos, imagens em sequência (storytelling), planilhas e até mesmo
gravações de áudio (segundo a Neurolinguística, algumas pessoas retém melhor as
informações ouvindo, outras vendo, outras tocando, etc.).
Precisamos voltar,
tomar direções diferentes, usar dados diferentes, observar detalhes que talvez
não fossem considerados tão importantes, refazer as perguntas.
·
Fazer as perguntas certas
O que diferenciou Darwin de outros pesquisadores que
acreditavam e estudavam a teoria da evolução foi que conseguiu provar a teoria
com o seu porquê e como. Mas para isto, ele precisou fazer as perguntas certas.
Neste caso, por que as espécies evoluíam e como (origem das modificações e como
passavam entre as gerações).
O começo é sempre com hipóteses. Segundo Darwin, "ninguém pode ser bom observador se não tiver uma teoria antes".
É preciso direcionar o foco da observação, porque pode haver muita
informação.
Isto não significa
apaixonar-se pela teoria e não enxergar outros caminhos. Darwin mesmo tinha
algumas teorias iniciais (vindas de Lamarck) que acabou refutando com suas
descobertas.
Fazer as perguntas certas significa coletar e armazenar os
dados certos, ou seja, já ter algumas hipóteses do que pode ser a causa ou o
que pode influenciar. Se a causa para quebras de máquinas é a temperatura
ambiente, então temos que coletar estes dados e inseri-los na base de dados
para depois poder utilizar as técnicas de análise com ajuda de software. Se
esta for a causa e tais dados não estiverem na base, ou não descobriremos nunca
a causa ou então estaremos calcados em descobertas enganosas.
Detalhes podem fazer a diferença. O ser humano tem a
tendência de analisar o que é comum, mais frequente, o que aparece mais. É
assim com a moda. Ninguém dá atenção para um tipo de acessório que só uma
pessoa usa. Se vários estiverem usando o mesmo estilo, isto chama a atenção das
pessoas comuns. Entretanto, num processo de descoberta ou investigação, os
pequenos sinais podem ser muito úteis. Pergunte a um investigador policial.
Então, num primeiro momento nada deve ser descartado. Todos os dados possíveis
devem ser coletados e analisados. Todos os caminhos devem ser considerados. E
várias hipóteses iniciais devem ser construídas.
Descobrir as hipóteses iniciais é um processo de tentativa e
erro. Podemos acelerar com analogias e benchmarking. Mas talvez seja necessário
fazer o processo de descoberta, analisar padrões ou causas possíveis, gerar
hipóteses, testá-las com casos reais e aí refazer tudo de novo.
·
Usar a técnica de análise certa
A figura abaixo apresenta o gráfico de vendas no tempo (linha
em vermelho) de um site de comércio eletrônico. A loja física já existia e aí
criaram o site para vender pela Web. Depois de algum tempo, os diretores
resolveram descontinuar o site de vendas porque a "média" das vendas
estava muito baixa. Na figura, a média é representada pela linha reta azul. O
erro foi no uso da técnica de média. Se eles tivessem analisado a tendência,
veriam que as vendas estavam subindo, inclusive no momento do encerramento, as
vendas estavam no topo (nunca antes atingido).
·
Visão
Holística
Significa a "Visão do Todo", ver todos os elementos
e suas relações. Isto ajuda a entender como o todo (problema) está composto e
pode ajudar a direcionar o foco ou mesmo ver detalhes pouco percebidos.
Procure observar as interações, não só estabelecendo as
conexões entre os elementos mas entendendo que tipo de conexão existe. X pode
estar conectado a Y por ser sua causa, mas pode estar conectado a Z por que são
ideias contrárias e pode estar conectado a W por outra razão diferente. Não
estabeleça regras de tipos de conexões, não fique preso a paradigmas, tenha
mente aberta.
Os gregos só conseguiram entrar em Troia porque estudaram o
povo troiano. Se tivessem visto o todo (problema) somente como uma
cidade-fortaleza com muros altos, poço de fogo, portão forte e guerreiros,
estariam até hoje tentando entrar. A ideia do Cavalo de Troia veio porque eles
entenderam que o problema incluía o povo troiano, e este detalhe fez a
diferença. Eles descobriram que o povo troiano era supersticioso, muito
religioso e acreditavam em presentes dos deuses. Daí veio o insight da solução.
Visão holística também tem a ver com Sinergia (o todo é
maior que a mera soma das partes). Se ao analisar a molécula de água (H2O),
observássemos os elementos hidrogênio e oxigênio em separado, não saberíamos
que o estado natural da água é líquido. Quando os elementos de um todo
interagem entre si, formam um sistema complexo que pode levar a resultados
imprevisíveis.
Só listar os elementos não é suficiente; temos que entender
as relações entre eles.
Análise Multidimensional X Mapas Mentais
Os mapas mentais são muito utilizados pela Gestão do
Conhecimento para representar conhecimento (e não informações). Já as
estruturas e análises multidimensionais são a base para o BI. Como juntar estes
dois paradigmas ?
A figura abaixo apresenta um mapa mental que representa
também a visão multidimensional dos dados envolvidos na venda de um produto. Se
alguém quiser ver pelo ponto de vista do BI tradicional, conseguirá ver uma
tabela fato sobre vendas, tabelas de dimensões (vendedores, loja, propaganda,
dados de clima, marca, data e hora) e tabelas secundários formando um esquema
tipo floco de neve (snowflake).
Como um mapa mental, podemos ver os fatores que influenciam
a venda. Diretamente, temos clima, loja, marca, propaganda, data hora e
vendedor. Entretanto, o esquema mostrar que o vendedor é influenciado pela sua motivação
e pelo treinamento que recebeu. E o treinamento possui 3 fatores que
influenciam.
Desta forma, podemos pensar nas causas para índices de
vendas bons ou ruins analisando as causas diretas ou indiretas. O diferencial
deste tipo de visualização é poder descobrir uma causa distante. Por exemplo,
um baixo índice de vendas pode estar associados a quem ministrou o treinamento
(que influencia a qualidade do treinamento, que por sua vez influencia o
desempenho do vendedor, que finalmente influencia as vendas). Ou quem sabe o
aumento das vendas pode ser devido à atitude dos vendedores, que por sua vez
receberam um bom treinamento, e este foi de qualidade porque o ambiente do
treinamento foi especial (quando e onde).
Exemplos
Houve o caso de uma empresa que queria entender por que um
produto X não vendia numa região do estado (em outras regiões vendia bem). Após
algumas análises descobriram:
- não era preço, pois havia produtos da mesma categoria com
preços iguais que vendiam bem neste região;
- não era marca, pois produtos da mesma marca vendiam bem
nesta região.
Também descobriram que não havia diferencial seja no
ambiente das lojas ou nos vendedores, seja nas características sócio-demográficas
dos clientes da região.
A causa na verdade tinha a ver com a religião predominante
naquela região (os pastores faziam propaganda negativa daquele tipo de produto).
Mas o banco de dados não tinha armazenado um campo tipo "religião" associado
aos clientes. A causa só foi encontrada porque um colaborador da empresa, ao
ouvir uma conversa sobre o problema durante o cafezinho, comentou que nos
cultos havia ouvido o pastor falar mal do tal tipo de produto. Este momento
Eureka aconteceu porque uma nova informação surgiu ao acaso. Mas também porque
a conversa não ficou fechada, restrita a um grupo (foi socializada no
cafezinho).
Outro caso foi de um produto Y que ora vendia bem, ora não
vendia numa rede de lojas numa cidade. A causa não era sazonabilidade, pois não
havia um padrão no tempo ou relativo ao clima. Também não havia um atributo
predominante, que diferenciasse os períodos de vendas. Todas as variáveis, como
promoções, diferenças de preços e descontos, presença de promotores, estavam
presentes em ambos os períodos (vendas no alto X vendas em baixa). A razão
estava na combinação com outros produtos. Quando o produto Z era vendido na
loja no mesmo período que o produto Y, as vendas do produto Y cresciam. Se o produto
Z não estivesse presente na loja, as vendas do produto Y caíam. E o produto Z
nem vendia tanto assim.
Entretanto, notem: os dois produtos Y e Z não apareciam juntos
nas vendas, com uma frequência significativa (ou seja, não era o caso de venda
cruzada e não podia ser detectado por Data Mining).
A explicação que os analistas encontraram foi que o produto
Z chamava a atenção do produto Y (os clientes lembravam do produto Y, ao ver o
produto Z). E ambos nem ficavam em prateleiras próximas, mas corredores
distantes.
Mas agora, como eles chegaram a tal conclusão ? A estratégia
foi analisar o que havia de diferente na loja em ambos os períodos.
Outro caso: uma empresa que fornece infraestrutura de móveis
(mesas, cadeiras, louças, copos, toalhas, etc.) para eventos precisava
descobrir porque em muitos casos seus materiais voltavam danificados.
Observando os dados na base, não conseguiam encontrar um padrão, ou seja, um
atributo que fosse comum a todos os casos em que algum material voltou com
estrago. Entre as variáveis eles incluíam o tipo e local do evento, distância
da empresa, tipo de transporte utilizado e até mesmo condições climáticas durante
o período (antes, durante e depois do evento). Sobre o evento, também
armazenavam informações como número de convidados, garçons, tamanho da cozinha,
número e tamanho de mesas, se havia dança, etc. A causa só foi descoberta
depois que utilizaram um software de Data Mining que relacionava variáveis ou
eventos. Ou seja, a causa dos estragos não era um fator único, mas uma
combinação de, no mínimo, 3 fatores diferentes.
Um dos casos mais interessantes de descoberta por mineração foi
feita por Swanson e Smalheiser (1997). Eles conseguiram encontrar uma possível
relação entre 2 textos de assuntos distintos. O texto 1 falava que “...o óleo
de peixe é bom para a circulação do sangue...”. O texto 2 dizia que “... a
síndrome de Raynaud está associada com a vaso-constrição nas pessoas ...”. A
partir da leitura destes 2 textos, eles chegaram à hipótese de que “o óleo de
peixe poderia ajudar no tratamento da síndrome de Raynaud”. Então partiram para
experimentos práticos e os resultados comprovaram a hipótese.
Este problema pode ser esquematizado utilizando-se um mapa
mental (ou grafo). Considerando os seguintes conceitos e suas relações:
·
Síndrome de Raynaud è vaso-constrição
·
Óleo de peixe è boa circulação
·
vaso-constrição ó boa circulação
Os conceitos e suas relações apareciam em muitos textos da
área médica. Entretanto, nenhum texto tratava dos conceitos "Síndrome de
Raynaud" e "óleo de peixe" juntos. Usando técnicas de text
mining (análise inteligente de textos), surgiu a relação entre estes dois
conceitos, justamente porque apareciam com alta frequência numa coleção de
textos sobre problemas de circulação sanguínea.
Este é um ótimo exemplo de como fazer as perguntas certas ajuda
a encontrar as respostas certas. No caso, os referidos autores perguntaram qual
a relação entre dois conceitos, que eles ainda não haviam notado em nenhum
texto.
O uso de mapas mentais pode ajudar neste tipo de
investigação, para encontrar hipóteses iniciais, necessitando pouco ou talvez
nenhum entendimento do domínio (para iniciar; depois sim será necessário um background especializado).
A partir da figura acima, relacionando conceitos, pode-se:
a) sugerir ligações para procurar (ex.: há ligação entre A e
D ? de que tipo ?);
b) procurar evidências que liguem os conceitos (ex.: há
algum texto falando de A e D juntos ? há alguma caso ? podemos fazer algum
experimento que concretize A e D ?);
c) procurar um conceito que ligue outros (ex.: existe um conceito
X, tal que A ó
X ó
D ?).
E fica o desafio: como os índios
descobriram que a mandioca não seria venenosa se cozinhada adequadamente ?
Referências
CHRISTIANSON,
Scott. 100 diagrams that changed the world: from the earliest cave paintings to
the innovation of the ipod. New York: Penguin books, 2012.
JOHNSON, Steven. Where good ideas come from -
the natural history of innovation. New York: Riverhead Books, 2010.
KOESTLER,
Arthur. The Act of Creation - a study of the conscious and unconscious
processes in humor, scientific discovery and art. New York: Arkana (The Penguin
Group), 1964.
LEONARD, Annie. The Story of Stuff (A história
das coisas). Video produced by Free Range Studios and directed by Louis Fox.
2007.
SCHUMPETER, Joseph. On the Concept of Social
Value. Quarterly Journal of Economics, v.23, 1908, p. 213-232.
SWANSON, Don R.; SMALHEISER, N. R. An interactive
system for finding
complementary literatures: a stimulus to scientific
discovery. Artificial Intelligence, Amsterdam, v.91, n.2, p.183-203,
Apr. 1997.
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