quinta-feira, 4 de julho de 2013

Determinismo tecnológico: sistemas complicados X sistemas complexos, analisar passado para prever futuro, dar incentivos para influenciar mercados

Sistemas complicados são aqueles cujos componentes são conhecidos (apesar de muitos e diversos), suas interconexões também são bem estabelecidos e por isto seu funcionamento também é conhecido. Portanto, o resultado é previsível, ou seja, podemos prever o resultado a partir das entradas. Como exemplos temos um computador, um foguete, um carro. O mau funcionamento pode ser rastreado e podemos encontrar a causa devido a falha em alguma componente ou uma conexão mal sucedida. Podemos prever o resultado mas não o futuro. Ou seja, podemos saber o que pode acontecer caso algum componente falhe, mas não possamos saber quando um componente irá falhar (Sargu and McGrath, 2011).

Sistemas complexos, por sua vez, podem até ter poucos componentes, mas as interações não estão bem estabelecidas e, portanto, os resultados não podem ser previstos. Podemos até modelar os possíveis resultados, mas não podemos prevê-los a partir das entradas estabelecidas. As relações podem mudar e por isto são também chamados sistemas vivos ou dinâmicos. Há decisões complexas e há o livre arbítrio; os componentes podem decidir entre caminhos possíveis. São exemplos destes sistemas tudo o que envolve seres vivos (ecossistemas) e principalmente o Homem (sistemas sociais). As relações econômicas dentro de um país ou entre países são sistemas complexos. Uma empresa, uma equipe esportiva, uma família e até mesmo um casal (Sargu and McGrath, 2011).

A tecnologia é um sistema complicado. Mas quando inserida na Sociedade, torna-se parte de um sistema complexo. McLuhan previu (em A Galáxia de Gutenberg) que a Humanidade não está preparada para entender, prever e muito menos controlar as mudanças causadas pela tecnologia. Eric McLuhan  (filho do mais famoso) diz que as novas tecnologias, quando entram em funcionamento na sociedade, espalham-se como vírus. 

A Teoria dos Jogos é uma tentativa de tentar prever resultados em sistemas complexos. Através da análise da combinação de diferentes estratégias dos jogadores (componentes do sistema que possuem poder de decisão), pode-se prever os resultados possíveis. A dificuldade está em prever as decisões que serão tomadas. Se tivéssemos como prever o que as pessoas farão (como no filme Minority Report), poderíamos saber o resultado final do jogo. Analisar o histórico pode ser uma alternativa. Se pudermos encontrar padrões no passado, é possível que se repitam no futuro. Gorr (1999) discute a perspectiva de analisar dados históricos para entender estratégias e tentar prever eventos futuros. Maltz e Klosak-Mullany (200) utilizaram a técnica de sequência de tempo (um tipo de Data Mining) para encontrar padrões estatísticos no comportamento de jovens delinquentes nos EUA e antever eventos ruins em suas vidas, para intervir antes que aconteçam.

Os estudos de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner em Freakonomics sugerem haver relação entre a legalização do aborto e a redução de crimes 20 anos depois. A teoria não foi provada. Há sim uma correlação estatística entre os 2 eventos, mas não se pode ainda comprovar que o primeiro é causa do segundo. O perigo de analisar as correlações é que muitas vezes deixamos de fora algumas variáveis importantes, que influenciam no sistema. Por exemplo, anos atrás os americanos achavam que o sorvete era causador da pólio, porque os gráficos eram muito semelhantes; as vendas de sorvete e os casos de pólio cresciam no verão.
  
Estudos sobre Sabedoria das Massas ou Multidões (Wisdom of Crowds) também possuem tal pretensão. Observando-se o que a maioria das pessoas está fazendo, seria possível prever resultados ou entender o que está acontecendo. Por exemplo, o Google Trends é usado para monitorar epidemias nos EUA. Quando há muitas pesquisas no Google, vindas de uma mesma região, por palavras-chave relacionadas a uma determinada doença, isto significa que o número de casos desta doença está aumentando nesta região. Há um experimento do Google (http://www.google.org/flutrends/br/#BR) para monitorar casos de gripe. O artigo de Dugas et al. também trata do mesmo assunto.

A análise de redes sociais virou uma maneira fácil de observar as multidões. Um artigo de 2011 (Bollen et al.), conseguiu provar a correlação entre o tipo de humor nas postagens do twitter e o índice Dow Jones da bolsa de valores americana. Outros artigos provaram ser possível prever receitas de filmes, aumento no número de turismo e mesmo prever eventos futuros analisando postagens ou buscas (Asur et al. 2010; Mishne, 2006; Radinsky & Horvitz, 2013; Choi & Varian, 2012).

A grande dúvida é se podemos prever o resultado de inovações tecnológicas.

Adam Smith acreditava que as inovações surgem do individualismo e não devem ser controladas para que haja um equilíbrio natural. Muitos já entenderam que isto não funciona. Schumpeter acreditava que as inovações eram o principal fator para o desenvolvimento econômico. Daí, acredita-se que o Estado deva intervir incentivando as inovações. Manuel Castells afirma "... foi o Estado, e não o empreendedor de inovações em garagens (empréstimos inovadores, como os que deram início ao Vale do Silício ou aos clones de PCs em Twain) , que iniciou a revolução da informação, tanto nos Estados Unidos como em todo o mundo".

Tanto que Governos tentam direcionar as inovações para certos setores, seja para aumentar produtividade interna ou melhorar a balança comercial com mais exportações e menos importações. Então o Governo usa de subsídios, desoneração de impostos e até mesmo de editais para fomentar inovação e empreendedorismo através de verbas não reembolsáveis (subvenção econômica). Mesmo os americanos, defensores do capitalismo e do liberalismo, intervém nos mercados através do Estado.

O Estado pode tanto inibir o desenvolvimento (China e Rússia em alguns momentos) como incentivar (Japão e Alemanha pós-guerra e Índia atualmente). Uma das formas de incentivo é fomentar a produção intelectual através do apoio à pesquisa. E isto é medido erroneamente pelo número de artigos científicos publicados ou pelo número de patentes registradas. Só estes indicadores não são suficientes (papo para outro artigo).

Thomas Malthus criou a teoria de que as populações humanas crescem em progressão geométrica, enquanto que os meios de subsistência (produção de alimentos) crescem somente em progressão aritmética. Isto nos levaria inevitavelmente à fome caso não houvesse um controle imediato da natalidade. Somente aumentar a produção não seria suficiente. Malthus também defendia o padrão conhecido como a Lei dos Rendimentos Decrescentes (proposta pelo economista inglês David Ricardo), também conhecida por Lei das proporções variáveis ou Lei da produtividade marginal decrescente. Esta lei diz que o aumento nos fatores de produção nem sempre leva a aumento de produção. Há um limiar ótimo, depois do qual a produção tende até mesmo a cair.

Outro estudo que desestimula tal perspectiva é o de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner em Freakonomics. Eles entendem que as pessoas (e consequentemente as empresas) vivem atrás de incentivos, que podem ser criados para direcionar comportamentos. Mas os incentivos funcionam por um tempo e para algumas pessoas (não todas). O problema é que não temos como prever o que acontecerá depois de um tempo, pois é um sistema complexo. Pessoas tomam decisões, podem mudar seu comportamento, podem mudar suas relações com outras pessoas, podem perder o interesse pelos incentivos. É como uma caça ao rato: dá-se um pedaço de queijo e conseguimos direcionar um pouco o comportamento dele. Depois de um tempo, ele já entende nossa estratégia e não cai mais na armadilha.   

Eu teria muito mais a falar sobre isto, mas vou deixar para artigos futuros.


Referências bibliográficas:

BOLLEN, Johan; MAO, Huina; ZENG, Xiao-Jun. Twitter mood predicts the stock market. Journal of Computational Science, 2(1), March 2011, 1-8.

ASUR, Sitaram; HUBERMAN, Bernardo A. Predicting the Future with Social Media.
Proceedings WI-IAT '10 IEEE/WIC/ACM International Conference on Web Intelligence and Intelligent Agent Technology - v.1, 2010, p. 492-499.

CHOI, H.; VARIAN, H. Predicting the Present with Google Trends. Economic Record, special issue selected Papers from the 40th Australian Conference of Economists, v. 88, n.1, p.2–9, June 2012.

DUGAS, A. F. et al. Influenza Forecasting with Google Flu Trends. PLoS One, 8(2), 2013. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3572967/

GORR, Wilpen L. et al. Forecasting Crime. 1999.

MALTZ, Michael D.; KLOSAK-MULLANY, Jacqueline. Visualizing Lives: New Pathways for Analyzing Life Course Trajectories. Journal of Quantitative Criminology, v.16, n.2, June 2000, p.255-281.

MISHNE, Gilad. Predicting movie sales from blogger sentiment. In AAAI Spring Symposium on Computational Approaches to Analysing Weblogs (AAAI-CAAW) 2006.

RADINSKY, Kira; HORVITZ, Eric. Mining the web to predict future events. Proceedings WSDM '13 Proceedings of the sixth ACM international conference on Web search and data mining, 2013, p. 255-264.

SARGUT, Gökçe; McGRATH, Rita Gunther. Learning to Live with Complexity. Harvard Business Review, special issue on Complexity, September 2011.

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