terça-feira, 9 de julho de 2013

Sabedoria das Massas e Inteligência Coletiva

A ideia de que algo feito por várias pessoas tende a ser melhor do que se fosse feito por apenas uma não é nova e virou dito popular. Em “Politics”, Aristóteles defendeu uma forma de democracia referenciada como “sabedoria das massas”: “Cada indivíduo será pior juiz que os especialistas, mas quando todos trabalham juntos, eles são melhores ou no mínimo iguais (com desempenho semelhante)”.

Surowiecki (2004) comenta diversos casos (não comprovados cientificamente) onde a coletividade suplanta os resultados de indivíduos. Há o caso de um experimento simples durante uma palestra, em que a plateia consegue acertar as medidas de uma pessoa. Cada pessoa sugere valores com base em sua intuição ou experiência, e a média das suposições gera erro zero. Surowiecki avaliou diversas situações num jogo de auditório tipo Quiz, nos EUA, semelhante ao Show do Milhão aqui no Brasil. Os especialistas (“universitários”) estavam corretos em 65% dos casos enquanto que a plateia (pela escolha da maioria) estava correta em 91% dos casos, sem comunicação entre eles.

A partir disto, Surowiecki utilizou o termo Sabedoria das Massas ou Multidões (Wisdom of Crowds), para explicar este fenômeno. Segundo este conceito, a opinião da maioria das pessoas leva ao que é correto ou ao melhor caminho. Surowiecki acredita que a maioria poderia acertar o número de feijões numa caixa, sem contagem prévia; bastaria utilizar a média de todos os valores fornecidos individualmente por cada elemento do grupo. Sob certas circunstâncias, grupos são mais inteligentes do que os indivíduos mais inteligentes agindo sozinhos. Quando nossos julgamentos imperfeitos são agregados do modo certo, nossa inteligência coletiva é frequentemente excelente. Os erros acontecem em todas as direções e um neutraliza o outro.  

Miller (2007), na reportagem de capa da National Geographic, comenta diversos casos de animais que, seguindo apenas regras simples, conseguem sobreviver em bandos, encontrando comida e fugindo de inimigos, o que não conseguiriam se estivessem sozinhos. Ele comenta o caso das renas fugindo de lobos. A rena mais próxima do lobo, corre quando avista o inimigo. As outras, ao ver alguém correr, correm também (sem saber motivo, sem saber para onde). Cada uma corre para um lado, em direções contrárias e diversas, sem coordenação e sem aviso central. Com isto, o lobo não sabe a quem seguir e fica confuso, acabando por não conseguir capturar nenhuma vítima.

Outro termo utilizado com significado semelhante é "Inteligência Coletiva", proposto por Pierre Lévy. Ele tem sido usado em diferentes aplicações, mas sempre tendo em comum a ideia de que “o todo é mais que a mera soma das partes”, ou seja, várias partes integradas podem realizar um objetivo que nenhuma parte conseguiria em separado (Lévy, 1998). Este também é o fundamento do conceito de Sinergia, da Teoria Geral de Sistemas. Por exemplo, a molécula de água (H2O) é formada por dois átomos de Hidrogênio e um átomo de Oxigênio. Hidrogênio e Oxigênio são gasosos em seu estado natural; se olharmos somente as partes, tenderemos a acreditar erroneamente que o estado natural da água é gasoso. A ideia de Sinergia é que elementos em conjunto podem fazer mais que cada um em separado se estiverem atuando de forma integrada (exemplo: mover uma pedra).
  

Premissas para Sabedoria ou Inteligência das Multidões

 Surowiecki (2004) propõe 4 premissas para a Sabedoria das Massas:
1.         Diversidade de opiniões: cada um sabe uma parte do todo e um complementa o outro;
2.         Independência: opiniões individuais não devem ser influenciadas por outras opiniões;
3.         Descentralização: experiências locais (individuais) ajudam no contexto global; 
4.         Agregação: deve haver um mecanismo para juntar as decisões individuais numa decisão coletiva.

Wolpert and Tumer (1999) veem 4 características principais num sistema de inteligência coletiva:
1.         Há vários agentes (ou processadores) atuando de forma concorrente, realizando ações que afetam os demais;
2.         Há pouca ou nenhuma comunicação centralizada, sendo que cada agente se comunica com alguns poucos agentes, de formas diferentes;
3.         Há pouco ou nenhum controle centralizado, sendo que cada agente controle ou influencia outros agentes de formas diferentes, mas não há um agente central controlador de todo o sistema;
4.         Existe um objetivo bem especificado, que é o foco do comportamento de todo o sistema.

Inteligência em Insetos Sociais

 A inteligência coletiva acontece na prática em insetos sociais como formigas e abelhas e outros tipos de animais que andam em bandos.  Colônias de insetos sociais são grupos de indivíduos que vivem juntos e se reproduzem como uma unidade. A colônia representa um nível de organização acima dos organismos individuais com suas próprias características morfológicas, comportamento, organização interna e padrão de desenvolvimento. Os modelos mais recentes tratam as colônias como um sistema descentralizado e auto-organizado cujo comportamento emerge da ação e decisão dos indivíduos, com ativa cooperação e sem uma comunicação central explícita. Esta é a chamada Inteligência de Enxames (Swarm Intelligence), conforme Bonabeau (1999).

Outro caso de inteligência coletiva em formigas é a chamada "stigmergia", a comunicação indireta via ambiente. As formigas seguem feromônios deixados (não intencionalmente) por outras formigas para encontrar comida (Moura e Pereira, 2003). É o mesmo caso de pessoas que entram numa floresta e seguem o caminho mais "pisado" ou com árvores e galhos derrubados para encontrar uma saída.

Auto-organização

 Outro fator característico dos sistemas de inteligência coletiva é a auto-organização. Os componentes do sistema (agentes) são capazes de realizar tarefas complexas mesmo sem uma coordenação central e sem um plano previamente elaborado, mas unicamente através da inteligência individual, da comunicação e da integração de tarefas menores.

Miller (2007) comenta o exemplo de formigas que conseguem definir o número suficiente de indivíduos para encontrar e trazer comida ao formigueiro (uma espécie de equilíbrio para atingir o objetivo geral.

Outro exemplo de auto-organização é encontrado nas abelhas. Elas utilizam um espécie de votação para decidir o melhor lugar para um nova colmeia e sem nenhum tipo de controle central (a Rainha não interfere). Quando um grupo de 15 abelhas se reúne ao redor de um lugar, é porque o lugar já foi escolhido (Miller, 2007). As abelhas também usam a coletividade e a troca de informações para decidir qual a melhor fonte de néctar.  Elas viajam até 10 km longe da colmeia para coletar néctar e retornam com informações sobre a fonte de néctar (direção, distância e qualidade da fonte de néctar). Elas utilizam a dança para recrutar novas abelhas para aquela fonte (Camazine et al, 2003).

Handl e Meyer (2007) citam o experimento com agrupamento de resíduos feito por formigas (Ant-based clustering). Num local onde há resíduos de corpos, de larvas e de areia misturados, as formigas conseguem organizar a "bagunça" agrupando os resíduos corretamente. Elas fazem isto observando o que as outras estão fazendo. No início, o processo é aleatório, com as formigas colocando as partes em qualquer lugar. Mas a observação dos indivíduos próximos ajusta o resultado, e as formigas vão juntando partes semelhantes em pequenas pilhas e corrigindo eventuais enganos.

O interessante na auto-organização destes animais é que cada um sabe o que tem que fazer e qual é o objetivo comum. Se todos atingirem seus objetivos individuais, o objetivo do grupo será atingido.

A Inteligência Coletiva está fortemente calcada no fundamento de que cada indivíduo só tem parte do conhecimento e a inteligência está distribuída entre os elementos do grupo. Este é também o princípio dos sistemas multiagente inteligentes da Inteligência Artificial. Imagine alguém tentando controlar o trânsito em uma grande cidade. Não há como olhar todas os cruzamentos, mesmo numa sala central com diversas câmeras. Pior ainda tenta sincronizá-las. Mas se cada sinaleira for inteligente o suficiente para saber se há carros passando em cada direção e qual a velocidade (através de sensores), ela poderá comunicar-se com outras sinaleiras e trocar informações. Assim, poderá manter uma direção aberta por mais tempo, se há carros vindo em sua direção e se não há engarrafamento mais adiante. Ou poderá segurar o tráfego em caso contrário. Poderá até mesmo indicar desvios por ruas menos movimentadas, caso receba tal informação de outras sinaleiras.
  

Avaliação de confiabilidade de fontes de informação

Certa vez, eu fiz um experimento. Desejando saber a idade com que Getúlio Vargas morreu, fui para a Web. Em vários locais (a maioria), havia a data de falecimento em 24/08/1954. O Globo Online falava em “A morte de Getúlio Vargas: 23/08/2004”.
Sobre o nascimento, encontrei várias divergências. No site do Partido Democrático Trabalhista (PDT), havia a seguinte informação: 1883-1954. No Yahoo Answers, alguém colocou: 19/04/1882. No site do Objetivo (roteiro para estudos), 19/04/1883. No site do Senado, 19/04/1882. A maioria apontava a data de nascimento como 19/04/1882.
Se eu tivesse que responder esta questão numa prova, eu seguiria a maioria.
Aí confirmei a minha impressão na Wikipedia, onde encontrei as seguintes informações:
        Nascimento: São Borja, 19 de abril de 1882.
        Morte: Rio de Janeiro, 24 de agosto de 1954.

O Google usa um raciocínio parecido para determinar quais os sites mais importantes sobre um tema (e colocá-los no topo dos resultados orgânicos de buscas). As páginas mais apontadas vão para o topo do ranking, pois são consideradas as autoridades no assunto, uma vez que outras páginas sobre o mesmo assunto apontam para elas.

Crossan (1994) utilizou uma metodologia semelhante na sua tese e livro sobre “O Jesus Histórico”. Para determinar se um fato descrito sobre Jesus era verdadeiro, ele verificava se o fato tinha sido comentado em duas ou mais fontes independentes. 

Web 2.0

 Web 2.0 é um termo criado por Tim O'Reilly (2005) para designar um novo tipo de plataforma, uma segunda geração de comunidades e serviços na Internet, como por exemplo, Wikis, aplicativos baseados em Folksonomias, blogs e redes sociais. "Hiperlinks são o fundamento da rede; à medida que os usuários adicionam conteúdo e sites novos, esses passam a integrar a estrutura da rede à medida que outros usuários descobrem o conteúdo e se conectam a ele. Do mesmo modo que se formam sinapses no cérebro – com as associações fortalecendo-se em função da repetição ou da intensidade – a rede de conexões cresce organicamente, como resultado da atividade coletiva de todos os usuários da rede".

Apesar das críticas de alguns autores com relação ao significado do termo, a Web 2.0 é sinônimo de colaboração entre pessoas. Muitos sites modernos permitem a construção coletiva do seu conteúdo (Wikipedia, Wikimapia, Flickr, Delicious, etc.). Os defensores acreditam que a construção de conteúdos baseada na colaboração pode gerar conteúdos de maior qualidade além de quantidade em pouco tempo (produtividade).

Em 2005, a revista Nature publicou um artigo comprovando que a Wikipedia tem qualidade semelhante à da Enciclopédia Britânica (Giles, 2005). 

Simulação social e Comportamento de Multidões

 Entender o comportamento de multidões é um desafio. Conforme a teoria de Herbert Simon (1972), o ser humano toma decisões sob uma Racionalidade Limitada à informação disponível, à capacidade cognitiva das mentes e ao tempo disponível. Na maioria das vezes não vale a pena (pelo custo ou tempo) coletar todas as informações necessárias para tomar uma decisão. Por exemplo, se uma pessoa quiser comprar um sapato, pensará em verificar na cidade qual a loja com o preço mais barato. Entretanto, se for avaliar o preço de cada loja, ao terminar o processo, terá levado tanto tempo que os primeiros preços consultados já poderão ter sido alterados e o custo total de deslocamentos e perda de tempo não valerá o desconto que conseguir. É impossível que o indivíduo conheça todas as alternativas para uma decisão e que possa avaliar todas as suas consequências. A tendência do ser humano é simplificar as escolhas. Isto quer dizer que não temos como saber se a decisão tomada foi a mais acertada antes de tomá-la; somente após saberemos se deu certo ou não. E mesmo tendo alcançado êxito, talvez não tenhamos certeza se foi a melhor alternativa.

Em geral então, as pessoas procuram diminuir a incerteza das decisões mas assumem certos riscos pela racionalidade limitada. Por exemplo, se alguém quiser traçar uma rota de fuga em caso de incêndio num prédio, talvez não consiga avaliar todas as alternativas possíveis (local de início do fogo, quantidade de pessoas, etc.). E no momento da situação de incêndio, o ser humano tem que simplificar ao máximo seu processo de decisão para acelerar as ações. Isto quer dizer que os planos iniciais podem ter sido esquecidos ou terão que ser simplificados. E assim, as atitudes planejadas mudam pela racionalidade limitada. E o ser humano se torna imprevisível.

Neste caso, observar o que a maioria está fazendo, pode ser uma maneira de obter produtividade. Muitas pessoas já conseguiram sair de engarrafamentos simplesmente seguindo um grupo de carros por atalhos desconhecidos. Isto não significa que funcione sempre.

Em outros casos, as pessoas podem pensar que é melhor não seguir a maioria. Por exemplo, num engarrafamento, pode-se pensar em pegar um atalho diferente se todos estão indo por um atalho muito conhecido (que poderá engarrafar também). Nas grandes rodovias pedagiadas, a escolha da cabine de pedágio pode ser assim: as pessoas tendem a se aproximar pelas filas do meio para poder selecionar uma fila menor quando chegarem perto pela observação. As pessoas pensam que, se estiverem na ponta, talvez só possam selecionar uma ou duas cabines ou à esquerda ou à direita, enquanto que chegando pelo meio podem selecionar uma ou duas tanto de um lado quanto de outro, dobrando as possibilidades. Isto faz com que as filas das cabines do meio fiquem maiores. Uma boa escolha seria chegar por uma das pontas, onde as filas estão menores.

Por esta razão, há pessoas planejando o design de locais públicos não pelo estabelecimento de regras ou considerando uma coordenação centralizada, mas simplesmente observando o comportamento das multidões quando atitudes aleatórias e descoordenadas acontecem. Numa situação de incêndio, informações vindas de uma coordenação local não serão ouvidas e talvez nem mesmo os avisos luminosos sejam percebidos.

A entrada e saída de multidões em eventos públicos deve ser pensada como um evento complexo onde pessoas com racionalidade limitada e atitudes diversas agem (como as renas fugindo dos lobos). Dizem que o Coliseu de Roma original, com capacidade para 50 mil pessoas, podia ser evacuado em 3 minutos devido a sua estrutura bem planejada. E naquela época não havia microfones, alto-falantes e avisos luminosos.  

Além disto, a ação de uma pessoa acaba por influenciar a decisão dos que estão próximos. Isto pode modificar o comportamento dos outros, que podem imitar ou fazer algo bem diferente. Por vezes, algumas decisões de pessoas pensando no benefício próprio e único podem prejudicar ainda mais o sistema. Tomar decisões de forma independente, talvez não seja a melhor alternativa, conforme a teoria do Equilíbrio de John Nash. Talvez a melhor alternativa para todos seja cada um “perder” um pouco de algo para todos “ganharem”. As técnicas relativas à Teoria dos Jogos ajudam a entender os resultados nestes tipos de sistemas complexos. 

Crowdsourcing

 O termo lançado por Jeff Howe e Mark Robinson (Wired Magazine, Junho de 2006) se refere a uma chamada aberta para realizar uma função que deveria ser feita internamente. A ideia é que o público possa participar com opiniões, sugestões e mesmo com a escolha de melhores alternativas. Por exemplo, os responsáveis pelo salgadinho Doritos fizeram um concurso para receber sugestões de propagandas. Reuniram as melhores ideias e fizeram a peça publicitária que foi ao aro no Super Bowl americano. A empresa GoldCorp Challenge distribuiu para geólogos dados geológicos para que examinassem e dessem pareceres. A reunião das informações ajudou a empresa a resolver um problema específico. 
As etapas do Crowdsourcing são:
1.      Postar um problema no meio público;
2.      Receber sugestões de soluções vindas de diversos indivíduos;
3.      Recompensar algumas ideias;
4.      Utilizar as ideias para benefício da empresa.
É diferente de Open Innovation, que é feito de forma mais organizada e entre empresas.

Memes

 O termo cunhado em 1976 por Richard Dawkins no seu bestseller "O Gene Egoísta" é hoje utilizado amplamente nas redes sociais. Ele se refere à distribuição e replicação de informações pelas redes e são também considerados elementos chave no marketing viral (que passa de boca-a-boca).
Para Dawkins, o meme é para a memória o análogo do gene na genética. É uma unidade de informação que se multiplica de cérebro em cérebro, ou entre locais onde a informação é armazenada (como livros.
O meme é o meio como a Sabedoria das Massas se difunde (e pode auto-propagar-se), contagiando outras pessoas. Podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autônoma. A Memética é a área que estuda os modelos evolutivos da transferência de memes.

Alstott e parceiros (2013) publicaram um artigo onde investigam a velocidade das mobilizações feitas por redes sociais, chegando a conclusões sobre o que influencia (país de origem, sexo de quem posta e de quem recebe, idade, etc.).

Os fenômenos conhecidos como Flash MOB e as manifestações populares pelo mundo todo no ano de 2013 são organizados através da Internet, pela difusão viral, de uma pessoa para outra. As facilidades das redes sociais para encontrar amigos antigos, criar novos relacionamentos virtuais e disseminar informação aceleram as mobilizações.

"O que muda atualmente é que os cidadãos têm um instrumento próprio de informação, auto-organização e automobilização que não existia. Antes, se estavam descontentes, a única coisa que podiam fazer era ir diretamente para uma manifestação de massa organizada por partidos e sindicatos, que logo negociavam em nome das pessoas. Mas, agora, a capacidade de auto-organização é espontânea. Isso é novo e isso são as redes sociais. E o virtual sempre acaba no espaço público. Essa é a novidade. Sem depender das organizações, a sociedade tem a capacidade de se organizar, debater e intervir no espaço público." (Manuel Castells)

Há o lado bom disto tudo, mas tais ferramentas também podem acelerar erros como a difamação e o julgamento precipitado de pessoas. 

Query mining e outras aplicações

 A Sabedoria das Massas também está presente na análise de consultas feitas em mecanismos de busca (query mining). Ela ajuda a identificar as palavras mais usadas em conjunto, para sugerir expansões de consulta (reformular consultas acrescentando outras palavras, para dar maior precisão). Spink et al. (2001) analisaram estatisticamente diversas consultas feitas em mecanismos de busca e chegaram às seguintes conclusões:
        o número médio de consultas por sessão é de 4,86;
        usuários utilizam de 2 a 3 termos na consulta (média de termos por consulta = 2,7);
        52% das consultas em mecanismos de busca são reformuladas;
        32,5% das consultas modificadas sofreram alterações nos termos submetidos, mas não no número total de termos;
        41,6% das consultas modificadas incluíram termos novos;
        25,9% das consultas modificadas excluíram termos.

Facebook, Twitter, Yahoo e Google também utilizam análises estatísticas sobre consultas, links mais clicados, postagens mais difundidas, etc. Isto permite fazer melhores recomendações, melhorar o ranking de resultados a consultas, sugerir termos, etc. O Yahoo analisa os links mais clicados para descobrir consultas semelhantes, encontrar definições de conceitos, identificar sinônimos e tags (descritores de páginas) e até mesmo para analisar a Economia de um país. Há vários trabalhos de Baeza-Yates descrevendo tais estudos.

As sugestões de correções ortográficas do Google também usam princípios semelhantes. E mesmo nós, se estamos em dúvida sobre duas formas de escrita de uma palavra, consideramos como certa aquela que é usada por mais pessoas (basta colocar as formas divergentes como busca no Google e verificar quantas páginas há com cada palavra). Até para nomes próprios isto funciona. Há também tradutores automáticos baseados em estatística e não em análise linguística. Eles comparam textos originais com traduções feitas por pessoas e utilizam como traduções para um trecho de frase original, os trechos que mais aparecem nas traduções.

O Google Scribe é capaz de escrever um texto sozinho, somente pela análise estatística da sequência de palavras. Usando redes de Markov, o Google mapeou a probabilidade de palavras seguirem outras. Assim, se você iniciar uma frase em inglês com uma palavra, ele sugere por probabilidade qual a próxima a ser usada. É também o mesmo procedimento na escrita de celulares e o que ajuda o físico Stephen Hawking a montar suas frases rapidamente, já que não pode digitar nem falar.

Os filtros de spam também usam a Sabedoria das Massas para identificar o que é spam. Por isto é importante o botão "reportar spam" nos serviços de Webmail.

Prever futuro ou Entender presente

 Estudos sobre Sabedoria das Massas ou Multidões (Wisdom of Crowds) também possuem tal pretensão. Observando-se o que a maioria das pessoas está fazendo, seria possível prever resultados ou entender o que está acontecendo. Por exemplo, o Google Trends é usado para monitorar epidemias nos EUA. Quando há muitas pesquisas no Google, vindas de uma mesma região, por palavras-chave relacionadas a uma determinada doença, isto significa que o número de casos desta doença está aumentando nesta região. Há um experimento do Google (http://www.google.org/flutrends/br/#BR) para monitorar casos de gripe. O artigo de Dugas et al. também trata do mesmo assunto.

A análise de redes sociais virou uma maneira fácil de observar as multidões. Um artigo de 2011 (Bollen et al.), conseguiu provar a correlação entre o tipo de humor nas postagens do twitter e o índice Dow Jones da bolsa de valores americana. Outros artigos provaram ser possível prever receitas de filmes, aumento no número de turismo e mesmo prever eventos futuros analisando postagens ou buscas (Asur et al. 2010; Mishne, 2006; Radinsky & Horvitz, 2013; Choi & Varian, 2012).

A grande aplicação da Sabedoria das Massas ou Inteligência Coletiva é que os indivíduos conseguem repetir o que já foi feito de bom pela coletividade e evitam o que foi feito de errado. E isto pressupõe que as próximas decisões serão melhores.

Dúvidas sobre a Sabedoria das Massas

 Um conjunto de crianças saberia responder perguntas tão bem quanto um adulto sozinho ? Nem é necessário fazer experimentos para saber que isto não funciona. Por outro lado, a Sabedoria das Massas conseguiriam o mesmo resultado que especialistas reunidos (como no Método Delphi) ? Dizem que os especialistas tendem a excluir certos conhecimentos e por isto podem levar a discussão (e consequentemente os resultados) para uma alternativa condicionada ou influenciada; o tal do viés (bias em inglês). Experimentos têm demonstrado que grupos de pessoas com habilidades variadas são melhores para resolver problemas do que grupos com somente especialistas de uma área. E aí é que talvez pessoas não especialistas possam levar o processo de investigação ou decisão para caminhos ainda não pensados e gerar uma solução nova e criativa. Dizem que a estratégia do jovem campeão mundial de xadrez Magnus Carlsen é justamente utilizar jogadas não previstas pelo seu adversário. Em geral, os jogadores de xadrez estudam vários jogos e aprendem as diferentes jogadas. Isto faz com que possam calcular melhor o que pode acontecer (20 jogadas à frente, por exemplo), depois que uma peça é movida. A estratégia do jovem norueguês é usar jogadas que não se encaixam nesta Sabedoria das Massas e desconcertar o oponente (que não saberá prever o que o jovem irá fazer em seguida).

Sabedoria das Massas também não é consenso. Nelson Rodrigues dizia que “o consenso é burro”. Se todos pensarem igual, não teremos muitos avanços científicos. A dialética era uma técnica importante para a evolução filosófica dos gregos antigos. Steven Johnson constatou que é preciso haver colisão de ideias para que inovações aconteçam. Cada pessoa só possui uma parte da ideia completa. Por isto, salas de cafés e comunicações por tecnologias de redes podem acelerar o encontro das partes para formar uma ideia melhor, mais completa.

A troca de informações pode acelerar o que a Sabedoria das Massas já proporciona. Ela aumenta o conhecimento individual e consequentemente o conhecimento coletivo (pela colaboração ou cooperação). Decisões coletivas devem gerar resultados melhores que decisões individuais. Por exemplo, foi feito um experimento com diversos grupos de pesquisa para "quebra' de uma chave criptográfica. Cada grupo separado só conseguia descobrir até X bits e a quebra de 1 bit adicional começou a demorar muito. Depois que os grupos puderam trocar informações, a quebra de 1 bit adicional ficou mais rápida e conseguiram chegar ao resultado final.

“A voz do povo é a voz de Deus” ? Será ? Há diversas teorias sobre Democracia, defendendo o que funciona e o que não funciona. Alguns falam na Sabedorias das Elites, ou seja, que alguns grupos com poder maior poderiam favorecer seus interesses, influenciando as massas. Além disto, alguns autores apontam que decisões em grupo tendem a deixar as pessoas mais extremistas em seus pontos de vista.

E há quem fale na Tolice das Massas ((Foolishness of Crowds; Folly of Crowds), para explicar fenômenos como a caça às bruxas na Idade Média e a ascensão de Hitler. Em 1841, Charles Mackay escreveu um livro sobre o assunto: "Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds". Nestes casos, pode nem haver manipulação de um Big Brother que centraliza as decisões ou tudo vê.

O famoso experimento com macacos representa bem o comportamento que humanos também podem ter, condicionados pelo meio e pelas multidões. Um grupo de 5 macacos foi enclausurado numa jaula. Num lugar alto, colocavam comida. Quando algum macaco tentava pegar a comida, todos levavam choque. Depois de um tempo, os macacos aprenderam que não deviam tentar subir para pegar comida, mesmo estando com fome. Quando um tentava pegar comida, os outros batiam neste mesmo sem levar choque. Aí trocaram um macaco. O novo não sabia da história e tentava pegar comida. Nisto, os "antigos" macacos batiam nele (mas o choque não era dado). Mais um foi trocado e o mesmo acontecia. Depois de um tempo, todos os 5 macacos originais haviam sido trocados. Os 5 restantes seguiam a mesma regra, de bater em quem tentava pegar comida, mesmo nunca tendo recebido o choque. E faziam sem saber por quê.

Irving Janis (1972) discute a pressão do grupo sobre o indivíduo, através da sua teoria conhecida como "Groupthinking".  A pressão para um grupo chegar rapidamente a uma decisão de consenso é tamanha que inibe indivíduos de se manifestarem com dúvidas ou opiniões contrárias. Então o indivíduo acaba concordando para evitar conflitos ou mesmo para não ser considerado ridículo. Isto faz com que grupos tomem decisões precipitadas ou irracionais, sem que haja uma avaliação mais profunda da situação. A moda e o bullying na escola são expressões deste tipo de comportamento.

As loucuras que acontecem nos mercados econômicos e nas bolsas de valores também são resultados dos comportamentos complexos das multidões. Muitas vezes não há uma explicação lógica para a correria de venda ou compra nos mercados. Simples boatos podem se difundir rapidamente e levantar medo na população, gerando comportamentos ilógicos de indivíduos e levando as massas para direções inesperadas.

Carolina Bezerra fala do fenômeno conhecido como "lock-in", que explica o aprisionamento a uma tecnologia devido à sua maior difusão (uso pela maioria) apesar de existir algo melhor. Foi assim com o teclado tipo QWERTY, foi assim que a tecnologia VHS suplantou Betamax e razão também porque o Google comprou o Youtube mesmo tendo o Google Vídeos.


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