sábado, 6 de julho de 2013

Inovar por necessidade ou por desejo

O ser humano começou criando coisas por necessidade. Foi assim que evoluiu a roda, as ferramentas, agricultura, caça, armas, etc. Mas os desenhos nas rochas não eram de primeira necessidade. Os gregos criaram a literatura e o teatro para passar o tempo, pois não trabalhavam (apenas escravos trabalhavam para produzi o sustento da sociedade). Fizemos porque queríamos, porque acreditavam nossos antepassados que aquilo era importante de alguma forma.  

A 1a Fase da Era da Informação (ou Era do Conhecimento) acelerou o desenvolvimento da tecnologia da informação e as conexões em redes globais, gerando grande aumento de produtividade. Hoje, estamos vivendo a 2a fase desta Era, caracterizada por inovações que visem o bem-estar das pessoas.

Steve Jobs corrobora afirmando que a era da produtividade começou em torno de 1980, com a invenção da planilha, do processamento de textos e da editoração eletrônica. Em meados dos anos 1990, começou a era da Internet. Hoje, estamos vivendo uma nova era: a do estilo de vida digital, impulsionada pela explosão de dispositivos digitais para bem estar pessoal, como telefones celulares, DVD players e câmeras digitais. Foi assim que a Apple reinventou a forma como ouvimos música, vemos vídeos e nos comunicamos com amigos.

Himanen acredita que a o foco agora são assuntos sociais. As inovações deslocam-se das tecnologias que visem produtividade para inovações em cultura (música, televisão, cinema, jogos, literatura, aprendizagem) e biotecnologia (medicina, longevidade).

O bem-estar pode ser conseguido por invenções que satisfaçam necessidades ou que alimentem o desejo. Uma das coisas que nos distingue de outros animais é que criamos coisas pela simples vontade de criar, porque temos como instinto impulsos criadores e não precisamos fazer as coisas por necessidade.

A conquista do Oeste Americano e a descoberta do Novo Mundo por espanhóis e portugueses foi por necessidade ou por desejo ? Talvez a necessidade de expansão tenha sido um fator motivador, mas certamente acima disto havia o desejo. E o desejo geralmente é individual. Charles Darwin não pesquisou a evolução das espécies porque a Sociedade precisava disto ou porque foi "mandado" pelo Estado. Ele foi impelido por desejo próprio, seja qual for a recompensa que vislumbrasse.

Adam Smith acreditava que o egoísmo das pessoas faria um mundo melhor. Ele procurou demonstrar que a riqueza das nações resultava da atuação de indivíduos que, movidos também (mas não exclusivamente) pelo seu próprio interesse, promoviam o crescimento econômico e a inovação tecnológica. "Assim, o mercador ou comerciante, movido apenas pelo seu próprio interesse egoísta (self-interest), é levado por uma mão invisível a promover algo que nunca fez parte do interesse dele: o bem-estar da sociedade." O empresário procura lucro mas gera como consequência ganhos para a Sociedade.

Schumpeter dizia, na metade do século passado, que tal fenômeno (conhecido como Processo de Destruição Criativa) era o motor do capitalismo. "As inovações revolucionam a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova."

Uma das fontes de inovação é a aspiração de tornar tudo obsoleto mais rápido possível. Este é o lema da Microsoft. Mas a ideia não veio deles. Os americanos há muito tempo atrás definiram que a única forma de a economia do país crescer era através do consumo. E para estimular o consumo, é preciso marketing (incluindo propaganda mas não só isto) e tornar os produtos obsoletos rapidamente. Este foi o pensamento que fez os EUA se reerguerem rapidamente após o crash da bolsa em 1929. O próprio governo consome para estimular ou regular mercados (em todos os países).

Há dois tipos de obsolescências, a planejada e a percebida.

A Obsolescência Planejada ocorre quando as empresas planejam tornar os produtos inúteis depois de um tempo. Isto acontece porque o novo não é compatível com o velho. Acabamos ficando com produtos cujo único destino é o lixo, porque não funcionam mais com os novos padrões. Em casa, tenho vários aparelhos celulares velhos e seus carregadores de bateria. Os aparelhos são de tecnologias que não se usam mais para comunicação (por nenhuma operadora) e os carregadores antigos não podem mais ser usados com os aparelhos novos.

A Obsolescência Percebida acontece quando as próprias pessoas se estimulam a fazer a mudança do velho pelo novo, observando o comportamento das demais pessoas. É o caso da moda. Tempos atrás escrevi um post no meu blog discutindo a necessidade (se é que existe) de estarmos sempre atualizados com a última geração de tecnologia.

O grande representante da inovação por desejo foi Steve Jobs. Ele criou gadgets que as pessoas não precisavam ... até conhecerem tais engenhocas. Há uma piada que diz que "a Informática surgiu para resolver problemas que não existiam antes dela".

Que impulso é este que nos leva a querer sempre o novo ? Por que somos impelidos a querer um controle remoto para não precisar levantar do sofá e estamos dispostos a trabalhar mais para ter isto ? Por que não podemos viver no passado ? Por que não admitimos voltar ao tempo das cavernas ?

De vez em quando, o impulso do novo, das mudanças, é equilibrado por desejos retrôs (vintage, para usar o termo da moda). Mas o velho volta remodelado, refeito, reinventado. Revisitamos o passado, para fazer melhor, para recriá-lo. Se não podemos refazer a história, então faremos um futuro como queremos (e melhor ?).

Lamark acreditava que os seres vivos evoluíam pela teoria do uso-desuso. Órgãos que são muito usados, desenvolvem-se e se tornam melhores. Se um órgão não é utilizado, ele atrofia até desaparecer. E isto seria passado de geração a geração. Tal teoria veio abaixo com as descobertas de Gregor Mendel e a teoria evolucionismo de Charles Darwin, segundo a qual há um processo de seleção natural que inclusive gera novas espécies. As que melhor se adaptam seguem o rumo. As girafas nasceriam com pescoços curtos ou longos por acaso (variações genéticas). Mas somente as com pescoço longo sobreviveriam por conseguir alcançar comida em lugares altos, passando assim seus genes para as próximas gerações. As de pescoço curto morreriam antes de procriar.

Basalla e Ziman adaptam estas teorias biológicas para o mundo da tecnologia. Eles acreditam que as tecnologias evoluem como as espécies biológicas, por acaso, seleção natural, adaptação, mutação, etc. Há inovações incrementais, pequenas e superficiais, que vão se desenvolvendo aos poucos ao longo do tempo. Foi assim com a roda, bicicleta, automóvel, computadores, etc. Mas também conseguimos criar coisas inteiramente novas (inovações radicais ou de ruptura), como se fossem novas espécies de tecnologias. 

Mas isto já é assunto para outro post.


Referências:

BASALLA, George. The Evolution of Technology. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.

DARWIN, Charles. On the Origin of Species. 1859.

HIMANEN, Pekka. Desafios Globais da Sociedade de Informação. Em: CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo (org.). A Sociedade em Rede - do Conhecimento à acção política. Conferência promovida pelo Presidente da República, Centro Cultural de Belém, Março de 2005.

KAHNEY, Leander. A cabeça de Steve Jobs - as lições do líder da empresa mais revolucionária do mundo. Rio de Janeiro: Agir, 2008.

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961. (Editado por George Allen e Unwin Ltd., traduzido por Ruy Jungmann). Tradução do original inglês Capitalism, Socialism, and Democracy.

SMITH, Adam. Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações (A Riqueza das Nações). 1776.

ZIMAN, John (editor). Technological Innovation as an Evolutionary Process. Cambridge University Press, 2003.


Um comentário:

Tato disse...

Acho que a melhor invenção tecnologica da raça humana e que ainda não foi substituida é o cerebro humano.